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Gata Negra #30: O azar é seu!

Gata Negra #30: O azar é seu!

Parece que nem tudo está perdido para a Gata Negra. Apesar do azar e de descobrir cada vez mais que está sendo enganada, ela ainda pode contar com pessoas do bem. E finalmente o plano do Camaleão é revelado!

Lower Manhattan, NYC

Outra noite mal dormida. Cansaço. Dores nas articulações. Vômitos. Insônia versus pesadelo. No dia seguinte, ainda cedo, uma visita inusitada. Com a cara fechada, Felicia tentou ser simpática. Mas ela estava tonta. Novo encontro marcado para pouco mais do meio-dia.   

A hora do almoço. As pessoas comuns estariam sentadas à mesa, se deliciando com algum saboroso prato. As pessoas que fogem à regra nem sempre são as mais felizes.   

Como Felicia, que observa uma obra em movimento.   

Quem trabalha ali, pesado, e todo o movimento externo naquele quarteirão, é ignorado pelos olhos verdes da ladra. As pupilas teimam em focalizar uma só pessoa.   

“Só espero que seja por uma razão muito…”  

- Felicia.   

Um sorriso assustado.   

- O que houve, Julia?   

- Vim te agradecer. Minha filha foi libertada e eu não mais corro perigo.   

- Que ótimo! – dessa vez a gatuna a abraça – O que é isso nas suas costas? Parecem curativos…  

- Não é nada. Não se preocupe.   

- São dois!   

- Já disse… é besteira!   

- Ok… onde está Rachel?   

- Num lugar seguro. Eu vim me despedir e agradecer mais uma vez por tudo o que me fez.   

- Amiga é para essas coisas. Além do mais, eu sei que você faria o mesmo por mim.   

- Claro!   

- Sabe… eu queria conversar com você sobre o sequestrador…   

- Não. Eu quero esquecer de tudo isso. Quero sossego.   

- Hum… é que estava lembrando da nossa investida contra Napier [1].   

- Foi intensa.   

- Eu sabia que no laboratório você não me deixaria sozinha.   

- Nunca! – um sorriso estranho.   

- Nem da forma como você aprisionou os parceiros de Bate-Estaca… naquela jaula, lembra?   

- Como esquecer? Enfim, tenho que ir. Não posso mais deixar minha filha sozinha. Estou apavorada.   

- Vai sim… a gente ainda se encontra?   

- Claro.   

Sem abraços, cada uma vai para um lado. Julia rapidamente entra num táxi. Felicia para a caminhada.   

“Você não os prendeu numa jaula… você os pendurou numa enorme teia, de cabeça pra baixo!! Relaxa Felicia… ela disse que estava apavorada. Dê um desconto, afinal a filha foi sequestrada. Por quem? Ela deveria ter me contado. Julia tem superpoderes e grandes aliados… ela poderia ter conseguido ajuda. Mas os fortes também temem. Julia pode ter fraquejado. A filha dela quem corria riscos. E aqueles curativos volumosos? Tem algo de errado… o diamante… o policial… o Camaleão baleado e aquele homem que ainda não consegui lembrar…”  

Novamente a tontura. O enjoo. Ela correu até um beco para vomitar.   

“O que está acontecendo comigo…”

Mas, apesar de tudo, como uma pessoa normal, Felicia entrou num discreto restaurante.   

Centro Médico Cornell

Este lugar foi palco de muitas situações. Desde alívio até invasão. Olha que estamos falando de um local de repouso e tratamento.   

Aqui, Felicia tentou, de todas as formas, se livrar da Gata Negra. Em vão. Foi aqui que ela foi intimada pelo FBI e chamada pela Mulher-Aranha. Foi aqui que ela foi sequestrada por fanáticos chineses e foi para cá que ela voltou ao ver tanto sangue e morte.   

O azar a esperou aqui. Paciente.   

Carol Susan Jane Danvers está sentada na grama, como num piquenique, ao lado de um superior. A calmaria chega a assustar.   

Sobre a toalha xadrez, a cesta, um jornal e comidas leves.   

- Carol… posso te garantir que você progrediu muito.   

- Estou me esforçando, Bob.   

- Te chamei porque quero falar algumas coisas com você… sobre sua readaptação lá fora.   

- Isso quer dizer que eu vou sair?   

- Falta pouco. É que ainda precisamos conversar sobre sua vida “normal”. As coisas estão diferentes.   

- Imagino.   

- Não sabemos como você será recebida por seus amigos e familiares… não sabemos se você está apta para combater novamente.   

- Só a situação me dirá, Bob.   

- Preciso fazer uma espécie de teste. Se importa?   

- Algo físico?   

- Psicológico.   

- Estou preparada. Faço tudo para me reerguer… encaro qualquer teste.   

- Este jornal aqui… de alguns dias atrás, mas a manchete pode muito mexer com você.

- O que houve?   

- Lembra de Felicia Hardy?   

- Bob, pelo amor de Deus! O que houve? – Carol treme.   

- Veja – entrega o jornal.   

Lower Manhattan, NYC

“Por que voltei para Nova York? Deveria ter ficado em Los Angeles… curtindo a vida, rica, nas festas… mas não. O ímã dessa cidade atraiu não apenas meu cérebro, como meu coração. Para piorar têm essas viagens que faço pra Julia e Michelle, que estão acabando comigo…”  

O prato estava da mesma forma como o garçom deixou na mesa.   

“Minhas articulações doem… meu estômago está embrulhado… não durmo direito há dias por causa dos pesadelos…”  

Ele bebe um pouco da soda.   

“Perdi tudo o que mais amava. Por causa das minhas mentiras e do meu azar. John…”  

No dedo ainda estava o anel de noivado.   

“Brigar com o Aranha [2] me abalou muito. Não menos do que a morte de John. Peter, acima de tudo, era meu amigo. Eu passei poucas e boas com e por ele. Mas essa briga que tivemos… foi pior do que quando eu soube que ele se casaria com Mary Jane… tanta dor…”  

Felicia se serve da gordurosa carne.   

“Preciso me organizar. Não consigo arrumar meus pensamentos. Tanta informação está me enlouquecendo. Tanta desconfiança… Não queria que minha relação com o Aranha terminasse daquele jeito. Se eu pudesse diria o quanto ainda o amo, o quanto estou arrependida e o quanto o quero… seria capaz de qualquer coisa… mas não de tudo.”   

Enjoo. O cheiro da comida, o odor do ambiente e o olor dos operários da obra em frente. Ânsia de vômito.   

“Parece que finalmente estou reconhecendo o fracasso… eu, a destemida, estou fracassando…”  

A Gata corre até o banheiro e vomita.   

- Meu Deus – grita – Quem está na foto com Julia é…  

NYC

- MEYER! Reuniu todos?   

- Sim, chefe. O curador acabou de chegar.   

- Muito bem. Como estão Julia e a filha?   

- Calmas. O ataque de hoje não vai se repetir. Mulher-Aranha tremeu quando viu uma arma apontada para a cabeça de Rachel.   

- E a cela?   

- Como uma casa abandonada. Teias psíquicas por todos os cantos.   

- Quero te explicar uma coisa. Quando o plano for revelado e tivermos o resultado, todos aqui devem morrer.   

- Estou ciente, chefe. Vou levá-los para a sala de reunião, onde estão os objetos.   

Empire States, noite

Encostada numa parte da construção, no terraço. Mesmo local para onde o Homem-Aranha a levou depois de quase ter sido morta pelo Tarântula [3].  

Sentada, com os joelhos tocando o busto, braços cruzados sobre as pernas. Os cabelos balançam.   

Instintivamente Felicia parou ali. Era seu refúgio. Era o começo.   

“Peter… eu só faço errar com você… eu aqui, sozinha… perdida… e só em você que eu penso. Preciso de você mais do que nunca…”  

Felicia faz um rabo-de-cavalo para evitar que fios platinados se molhem nas lágrimas.

“Eu só queria ter a chance de te pedir desculpas e provar que o azar é algo meu, e que ele não tem o direito de me afastar de quem amo…”  

Ela abaixa a cabeça até os joelhos. Ao fundo explosões, gritos, sirenes. O único que ela consegue escutar é o próprio soluço.   

NYC

Camaleão e Bumerangue estão em pé, na cabeceira da comprida mesa, enquanto sete homens estão sentados, admirando objetos expostos no centro.   

Um diamante meio cinza, uma pedra egípcia, um quadro em tons escuros, um palm top, uma maleta semi-aberta e o Cinturão Conversor Cósmico. [4]

- Meus caros, vocês já sabem o motivo dessa reunião. Eu convoquei todos porque são os melhores no ramo e preciso de uma ajuda para concluir o plano.   

Camaleão apaga as luzes e um projetor é acionado. Uma imagem se faz na parede.   

- Há muitos anos venho pesquisando para conseguir o que todos os homens querem: riqueza, mas ficar rico da forma mais fácil. Penso em diamantes. E antes que vocês perguntem como, lhes trago a resposta: vou produzir os diamantes.   

Os convidados riem.   

- No começo tive a mesma reação – interrompeu – Não acreditei e gargalhei, mas depois das provas que consegui com os estudos de Henri Moissan, um francês que conseguiu obter pequenos diamantes, sem valor, mas com a mesma dureza, dissolvendo carbono em ferro líquido, me animei. Este diamante com o núcleo cinza é a primeira experiência de Henri. Ele quase conseguiu. Faltou um pouco mais de pesquisa. Coisa que eu tenho de sobra. Não é à toa que eu estive na ONU, mas é uma outra conversa.   

Bumerangue anda ao redor da mesa, olhando os convidados, que se mostram apreensivos.   

- Vou resumir a importância de cada uma dessas peças e como vocês podem me ajudar. O diamante-grafita, assim batizado, vocês já conhecem. A pedra egípcia foi retirada de uma secreta escavação que descobriu o mais importante santuário da divindade Ra. Vocês bem sabem que os egípcios tinham o ‘modus operandi’ para embalsamar, falsificar, enfim… e eles sabiam produzir pedras preciosas. Todas essas informações eu retirei das dos primeiros estudos de Henri.   

Na parede são exibidas imagens do Santuário de Ra na Ilha Elefantina.   

- Partindo deste pressuposto, o quadro de J. PH Le Bas. Sob a pintura dos alquimistas na cozinha está a primeira etapa para o processo de alteração molecular. Lá eu descobri a necessidade dos raios catódicos.   

Um dos convidados pede permissão para falar. E a recebe.   

- Para obter raios catódicos é necessária uma fonte de eletricidade, não?   

- Exatamente. Vou chegar lá agora, graças ao material no palmtop de um químico holandês que estava com uma pesquisa similar a minha, mas para outros fins. Precisaria de radioatividade artificial, porque para modificar um núcleo natural é necessário incorporar ao mesmo, partículas de alguma das classes que o constituem, ou então provocar sua ruptura, de modo tal quer os fragmentos sejam núcleos não conhecidos entre os naturais. Ambos os processos se conseguem “bombardeando” núcleos com “projéteis” atômicos, como prótons, nêutrons, partículas alfa e outras da mesma espécie, mas só funciona se os projéteis forem dotados de grande velocidade, principalmente por causa das partículas positivas, que são prótons e alfa, o que equivale a muito mais do que cinco milhões de volts + ciclotron.   

Todos consentem e Bumerangue bebe água.   

- O problema então se tornou: qual grande força eu teria para conseguir realizar a alteração? Primeiro adquiri este cinto que vocês estão vendo, que foi utilizado por um dos idealizadores do Projeto Manhattan, da nossa bomba atômica. A relação com este Cinturão é mais pessoal, eu apenas o analisei por uma questão de força de propulsão e de produção própria. Afinal, tenho que saber de onde tirar energia.   

Na parede não paravam de passar imagens dos objetos, de fórmulas, cadeiras de carbono, animações…  

- Na maleta eu descobri a segunda parte do processo de alteração molecular. Na verdade, e etapa final: o modelo do catalisador e a bateria nitro-nuclear.   

Os convidados voltam a conversar, preocupados.   

- Mas Camaleão, essa bateria é uma mentira! Não se tem noticias de uma bateria que pode ter, em tamanho mínimo, a mesma potência do que uma arma nuclear!   

- Exatamente! Ela pode substituir a bomba e é muito mais fácil de ser “comercializada” ou criada.   

- Mas ela não existe!   

- Existe! A planta para se construir uma está no Peru, e em breve será minha! Com a bateria nitro-nuclear terei força suficiente para ativar os raios catódicos que lançariam os projéteis, que por sua vez, se infiltrariam nos núcleos das moléculas, empurrando-as e mudando o formato de suas cadeias ou anéis, transformando a grafita em diamante. E isso sem levantar suspeitas.   

- Muito trabalhoso para se produzir diamantes, Camaleão. Existem inúmeros fatores que tornam este projeto não-rentável. Passando pelo quesito segurança e confiança. Inclusive a oferta de diamantes no mundo! Quanto mais joias, menos elas valerão.  

- Não vou abandonar o plano agora que estou chegando ao fim, logo em vias de ficar rico! A planta para a criação da bateria em breve estará em minhas mãos, repito. Com o sem o apoio de vocês.   

Os homens comentam baixo, uns com os outros.   

- Quais garantias teremos, Camaleão?   

- Nenhuma, por hora.   

- Eu não estou gostando disso, mas o Conselho vai te apoiar.   

- Faça a ligação.   

Afastado, Bumerangue saca duas armas e espera a decisão de Camaleão.   

Centro Médico Cornell

Carol puxa rapidamente o jornal das mãos de Bob. A foto estampada na primeira página revela Felicia enfrentando o Homem-Aranha na Times Square. A cada linha lida, seus olhos tremiam. Ela se levanta, parva e boba, e anda de um lado para o outro. Grita. Cerra os punhos. Sentado, Bob observa, esperando a próxima reação.   

Sem se virar ela pergunta:   

- Como ela está, Bob? Ele deve estar precisando de ajuda… de uma amiga. Preciso encontrá-la.   

- Você me provou que progrediu, Carol. Em breve você receberá alta.   

- Eu agradeço, Bob. Mas se estou curada devo muito à ela. Nós somos amigas. Imagino o quanto ela deve estar sofrendo. Felicia precisa de mim.   

***

Notas:

[1] O encontro da Gata Negra e Mulher-Aranha contra Napier e Bate-Estaca aconteceu na edição 17 da Gata aqui no CaldeiraMundi!   

[2] Não leu ainda o combate entre os dois ex-namorados? Corra e acesse o capitulo da Gata #24!  

[3] O primeiro crossover a gente nunca esquece! Uma historia de Natal: o reencontro da Gata e o Aranha! Edições 04 e 05 da Gata Negra!  

[4] Recapitulando! O diamante foi roubado pela gatuna na edição 20, a pedra egípcia no encontro sensacional de Felicia com Lara Croft nos capítulos 21 e 22, o quadro em tons escuros foi tirado de um museu britânico na edição 26. O Cinturão Conversor Cósmico foi resultado de um suicida, mas bem-sucedido, assalto ao Museu da SJA, no capítulo 27, o palmtop e Elektra atrapalharam Felicia na edição 28, e por fim a maleta foi roubada na edição anterior, das mãos de um pervertido! 

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