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Gata Negra #22: Saqueadoras de tumbas 2/2

Gata Negra #22: Saqueadoras de tumbas 

Na viagem ao Egito... um novo confronto! O que acontece quando uma ladra e uma caçadora de relíquias disputam o mesmo artefato?

Santuário de Ra

Depois de escorregar pela rampa e se deparar com o “santo dos santos”, Felicia finalmente alcança a pedra que veio buscar, a mando do Camaleão. Mas sua investida foi interrompida... 

- Já disse, platinada! Solta isso... porque é meu! 

Um breve susto. Aquela feminina voz, com um leve sotaque inglês, não era dos componentes das equipes que vieram com Felicia ao Egito. A Gata assopra e retira uma parte do cabelo que lhe cobria um olho, e solta a pedra. Abaixa a cabeça e olha para o chão. Com um lento movimento sobe a visão, dos pés da visitante ao seu rosto. Um par de botas, novo, mas sujo pelas areias da Ilha Elefantina. Um short de grosso tecido, marrom. No cinto, um suporte para duas pistolas, que não estavam guardadas lá. Subindo o olhar, uma camiseta verde oliva. Então, o rosto. Cabelos castanhos, em uma grande trança. Os braços, estirados, miravam Felicia. 

- Uma ratinha do deserto... 

- Lara Croft. Melhor me chamar pelo meu nome. 

A única reação de Felicia é cruzar os braços. Cada mão toca um ombro, e assim, as garras são ativadas. 

- Vai deter minhas balas com essas unhas? Vai dar mais trabalho para sua manicure! 

- E você? Vai mesmo atirar e quebrar o artefato que tanto anseia? 

As duas se encaram. Nenhum movimento brusco.

- Quando meus informantes me falaram sobre essas escavações, e quem estaria aqui, não acreditei. O mercado de joias está em baixa em Nova York, Felicia Hardy?

- Não mesmo. Apenas resolvi expandir meus negócios. 

- Mas interferir na minha área não foi um bom começo... 

- Sua área? Faz-me rir, Lara. 

- Que tal deixar essa pedra aí e voltar para a sua cidade? 

- Eu nunca deixo um trabalho inacabado. 

- Ótimo. Somos duas. 

Elas continuavam se olhando e quase que na mesma hora, desfazem-se das armas. Lara agacha e coloca suas automáticas no chão, sem antes encostar seu joelho e sujá-lo de areia. No centro do “santo dos santos”, Felicia retira as luvas e coloca em cima da pedra, ao lado do pássaro azul. 

- Então – diz Lara, enquanto retira, também, sua mochila – é hora da ação! 

- Uma luta justa... 

- Não confio em ladrões.

- Ladra? Eu? E você, Lady Croft? Como se taxa? Arqueóloga-que-guarda-o-que-encontra-na-segurança-do-próprio-lar? Sem essa! 

Felicia salta e passa por cima da oponente. Lara olha espantada: encontrou uma acrobata à sua altura. Ou até mesmo, melhor! 

- A nossa maior diferença, Felicia, é que o que você rouba, vende. Eu sei apreciar uma boa arte! 

- Pena que essa sua boa arte não te proporciona o prazer que tenho no momento da ação – e acerta um chute na parte inferior da coxa de Lara, que perde o equilíbrio e cai no chão. 

- Ora, você é bem ágil... 

- Obrigada pelo elogio. Vamos ver como você se sai? 

Lara rapidamente levanta e parte pra cima de Felicia, que, a princípio, consegue se esquivar dos socos desferidos pela aventureira, dando saltos mortais para trás. Lara, percebendo que Felicia não é uma oponente fraca, arranca uma pedra de médio porte ao lado de uma pequena escadaria que dá acesso ao altar e arremessa na gatuna. A pedra atinge o pé da Gata, que perde o equilíbrio e se apóia em uma coluna. 

- Luta justa, hein? 

- Se você não pulasse tanto...

As duas saltam e esticam a perna, desferindo certeiras voadoras. Após o impacto em diferentes partes do corpo, as duas caem, sentadas. 

- Andou me estudando, arqueóloga? 

- Não... só te achei previsível, ladra.

Ladra... Se fosse há alguns dias, Felicia se encheria de raiva e partiria para cima de Lara, investindo forte! Se fosse na mesma de quando foi salva, com a ajuda do Justiceiro, das mãos de T’ai Li. Naquele instante ela estava crente de que a Gata Negra não mais existia. De que finalmente ela havia se livrado do mal... do traje negro... do poder do azar. Mas não. Ela descobriu que a sua vida era realmente movida a uma única coisa: ao roubo. 

- Obrigada pelo elogio! – e como um felino, pega impulso pelas pernas. Suas mãos, que estavam no chão, dando apoio ao resto do corpo, buscam pelo pescoço de Lara Croft.

Sem tempo para reagir e espantada com a velocidade com a qual Felicia a atacou, Lara recebe o ataque: se estivesse com o par de luvas, Felicia daria fim ao combate. 

Lara segura os braços da gatuna, tentando impedir um irreal estrangulamento. Ela força o corpo para trás e levanta as pernas, que consegue recolher e encostar no busto de Felicia. As duas param e se olham. O suor escorre por ambas as faces. Lara empurra Felicia com as pernas, que cai longe da arqueóloga, que se entrega ao cansaço e deita no chão. 

- Você é boa, Felicia. Há tempos não tenho uma briga tão divertida! 

- Eu que o diga, Lara – responde a ladra, enquanto ergue o tronco e se apoia com os cotovelos na areia, o que causa um certo incômodo. 

- E agora? Segundo tempo? 

- Só se você estiver preparada! 

Algo fica diferente naquela sala. O torna-se mais rarefeito e um cheiro insuportável de mofo impregna o local. 

“Não estou gostando disso... Não sei se vou conseguir lutar, me esforçar, sem oxigênio suficiente para os meus atos... Lara ainda está deitada... É a minha chance!”

Felicia se levanta e corre na direção do altar. Lara percebe e logo fica em pé. 

- O que pensa que vai fazer, Felicia?

- Como te disse antes, nunca deixo um trabalho inacabado – e sobe os pequenos degraus, esquivando-se das pedras transparentes.

Lara corre na direção da pistola. 

- Pare, Felicia! Isso é meu! 

- Não mesmo – e salta, caindo em frente à pedra. Retira as luvas, colocando-as no chão. 

- Não toque nisso, ou te mato! 

- Não fará isso, colega! – arranca a pesada pedra repleta de inscrições egípcias, e com a joia em forma de pássaro. 

Neste instante, um leve tremor de terra. Uma parte do teto começa a abrir, acompanhado por um forte barulho de rochas sendo arrastadas. Lara mira o corpo de Felicia, e segundos antes de atirar, um feixe de luz solar invade o recinto, indo apenas na direção das grandes pedras transparentes. 

- O que... 

Mesmo com o teto aberto e a certa claridade fora do santuário, a luz era dividida, atingindo todas as 12 pedras transparentes. Elas iam se ligando, formando uma figura circular, ao redor do altar central, onde estava Felicia, que parecia travada. 

- Lara... o que é isso??? 

- Não sei, Felicia. De qualquer forma, não se mexa! 

- Como se eu conseguisse! 

Assim que as 12 pedras foram ligadas pela forte e pura luz do sol, se ligam na vertical, uns dois metros acima da cabeça de Felicia. Quando terminam de se encontrar, os 12 feixes formam um raio maior, cintilante. As duas olham, encantadas. O novo clarão se direciona para uma parede, à esquerda de Lara, e rapidamente se choca contra ela. Aos poucos, uma grande figura vai aparecendo, como se uma cascata de areia fosse sendo talhada, até, por fim, a imagem se formar, trazendo, também, um composto hieróglifo. 

Felicia ativa a visão e aproxima o desenho. 

- Lara, o que isso significa? 

- Não sei... é um casal sendo sacrificado para o deus Ra... em toda sua tripla forma. Como Ra, Amon e Khepri. 

- Isso quer dizer que... 

Lara Croft se aproxima dos escritos. Seus dedos levemente acompanham as palavras em baixo-relevo, ao lado do sangue que pinga do casal. 

- Amor meu... vingador meu... experimente... eternamente... eu brilho... por... amor a você... Protegem... mãos minhas... membros seus... com... a perfeição... da vida... Quão doce... (é) amabilidade sua... contra... peito meu...

Lara interrompeu a leitura e novamente olhou a imagem. 

- O que foi? Por que parou, Lara? 

- Calma! Eu coloco... você... no... santuário meu... Eu me admiro... por você... Eu deixo... poder seu... (e) medo de você... em... países... todos... o temor de você... em... os... limites... dos esteios... do céu. 

Quando Lara termina de decifrar os hieróglifos, a luz que refletia na parede volta e chega à pedra que Felicia segura. Ela grita e a arqueólogo não sabe o que fazer. O corpo de Felicia é contornado pela luz. Seus olhos ficam brancos e ela perde a voz. Ao tentar abrir a boca, a mesma luz sai de dentro dela e dos seus olhos, indo na direção da parede onde está a figura do casal sacrificado. Ao tocar na construção, uma nova figura vai surgindo. Em poucos instantes, a luz se transforma em um homem, que aos poucos vai ganhando detalhes, como se fosse um holograma. 

Segundos depois, o espectro revela quem é: John, o noivo de Felicia morto a mando do Rei do Crime. Lara Croft apenas acompanha, perplexa, àquela expressão de carinho que o homem fazia, ao olhar para Felicia.

Depois de dois minutos, as luzes voltam, como se estivessem sido recolhidas pelo sol. Lara corre ao ver que Felicia está caindo, desmaiando. Outros fortes tremores, dessa vez, eles não param. 

- Péssima hora para dormir, Felicia... 

Lara pega um produto de forte odor e ao encostar na narina da ladra, ela desperta. 

- Você está bem? 

- Um pouco tonta, Lara. O que houve? 

- Não sei ao certo... Aliás, apenas tenho certeza de que precisamos sair daqui o mais rápido possível. 

Lara corre para pegar sua mochila e as pistolas, e Felicia calça as luvas e carrega novamente a pedra, ainda tentando entende o que tinha acontecido. 

- Precisamos sair aqui! 

- Grande novidade! Mas como? 

- Na minha mochila tem uma corda... Vou precisar de sua ajuda! Felicia, você tem mais agilidade do que eu, então, vou te ajudar com o impulso. Você salta e chega até a saída, ok? 

- Não! 

- Felicia, a saída está se fechando, está tudo desabando por causa dos tremores... Não tenho outra opção. 

- Eu não confio em você. 

- Não te pedi para que confiasse... 

Felicia para. Não tem muito tempo para pensar. E se ela tentasse algo, a Gata iria atrás dela até encontrá-la... 

- Nem tente me enganar, Lara... 

As duas se preparam: Felicia coloca o pé direito nas mãos de Lara. Contam até três e a arqueóloga dá o impulso. Felicia aumenta os pulos, se aproveitando de algumas colunas que estão quebrando e chega à saída. 

- Rápido, a corda! Jogue-a! 

- Eu não! 

- Eu confiei em você! 

- Não pedi que confiasse... 

- FELICIA!!!

- Calma, estou brincando! – joga a corda assim que crava as garras na parte da pedra que se move para fechar o teto. 

No que vai subindo, Lara olha, um pouco triste por não ter explorado como queria aquele lugar. Mas algo chama sua atenção... 

- Felicia... Use suas lentes e veja o que está desenhando naquelas colunas mais próximas da parede onde estava o desenho do casal...

As lentes mudam de cor. Uma leve claridade e a imagem é aproximada, como se ela estivesse a poucos centímetros de distância do que vê. 

- É o mesmo desenho que vi antes de chegar aqui... Uma pessoa que estava comigo foi praticamente sugada por esse símbolo! 

- Como é a sua memória fotográfica? É capaz de reproduzir fielmente um desenho? 

- Não te garanto meus traços, mas posso fazer um esboço. 

- Ótimo, agora me puxe porque a saída está fechando, e tem muita pedra caindo sobre mim! 

Já lá fora, Felicia destrava as unhas da pedra, que rapidamente tapa o buraco que dava pro “santo dos santos”.

- Obrigada, Felicia. 

- Não precisa agradecer... Até mesmo porque vamos ter que continuar nossa briga, pela pedra com os escritos... 

- Mas... eu não quero isso, Felicia. E sim esta joia do falcão azul. 

- A gente então... 

Risos. Lara desprende a joia, enquanto Felicia segura a pedra. 

- Tanta coisa por nada... 

- Felicia, antes de tudo... quem era aquele que surgiu lá no santuário? 

- Ah... John... o meu noivo. Ele foi morto por uma pessoa... por minha culpa. 

- Sei como é. Meu noivo também foi assassinado. 

- História parecida, hein? Sempre pessoas sofrendo por quem nós somos... 

- Exatamente. Tome – entrega um saco de pano para que Felicia guarde a pedra, e um pedaço de papel e um lápis – Desenhe o símbolo que viu. 

A Gata apoia o papel na pedra, já guardada no saco bege. Felicia já fez isso: desenhar o que via de interessante para assim poder saber o que levaria durante a noite... 

- É mais ou menos assim... 

- Gostei da riqueza dos detalhes, é o mais importante. Vejamos... Escrita ideográfica, ainda em forma de rébus... É um rei, simbolizado por um gavião hórus, que segura numa corda um país vencido... provavelmente a Síria... portanto, sob o seu domínio. Está sentado sobre seis flores de loto, isto é, sobre seis mil prisioneiros. O arpão que aparece em baixo indica provavelmente o nome do país... realmente a Síria. O quadrado com linhas onduladas deve indicar que o país está à beira d’água. 

- Incrível! 

- Sabe... Isso estava ao lado da gravura do casal executado em oferenda a Ra. A mulher vivia no país conquistado, que acabamos de desvendar. O homem deve ter chegado ao santuário e, ao vê-la morta, suicidou-se, em outra oferenda ao maior deus do Egito, para que pudesse ficar com ela no mundo dos mortos... Mas parece que Ra recusou a oferenda... 

- Será que isso indica que não era para eu e John ficarmos juntos? 

- Não sei... Mas com quem você veio? 

- Uns estudiosos. Tenho até que procurá-los. 

- Não faça isso, eles estão mortos. Assim que cheguei os encontrei. 

- De que morreram? 

- Não quero descobrir! 

Lara coloca os óculos escuros de lentes vermelhas e um helicóptero se aproxima. 

- Quer uma carona? 

- Não... Eu tenho que chegar ao Cairo para entregar esse artefato. Não seria bom chegar acompanhada, ainda mais por você... 

- De qualquer forma, pegue a minha moto. O Nilo vai baixar e você poderá cruzá-lo com ela. 

- Está perfeito. E sem agradecimentos! 

As duas se abraças e alguém no helicóptero joga uma escada. Lara salta e segura em um dos roliços degraus. 

- Espero te encontrar de novo, Felicia. Mas dessa vez, numa situação em que busquemos a mesma coisa! 

- Claro... Assim terminaremos nossa briga. Afinal, a gente não costuma deixar trabalhos inacabados! 

- Boa sorte! 

- Lara... Esse falcão azul é a chave para algum tesouro? Ou é o tesouro? 

- Exatamente o que vou descobrir, Gata Negra! 

A nave se afasta e Felicia volta ao acampamento. Nenhum corpo foi encontrado e o santuário estava sendo soterrado por uma repentina tempestade de areia... Felicia pega um cantil com água, coloca a pedra presa à moto e parte em direção à capital do Egito, aproveitando que o Nilo está muito baixo. 

Cairo

“Tanta coisa aconteceu que não consegui trazer o meu maior tesouro: as lembranças do meu pai. Mas se me servem de consolo, conheci Lara Croft e mais, mais ainda, pude rever John. Não sei ao certo se foi uma alucinação, se foi real. Mas ele estava ali comigo, como sempre, aparecendo quando preciso...” 

Felicia salta da moto e vê Julia Carpenter parada na frente do aeroporto. Ela pega o saco bege e acena. 

- Voltou sozinha? 

- Estão mortos. E por pouco o mesmo não aconteceu comigo. 

- Muito bom. E a pedra? 

- Aqui. Não sei o que vai fazer com isso, ou como vai te ajudar com Rachel, mas tome, é sua. 

- Espero que não tenha sido difícil. 

- Você não sabe o quanto. 

- Quer conversar a respeito? 

- Melhor não. 

- E essa moto? Como conseguiu? 

- Foi um presente... dos deuses. 

- Voltou bem humorada... Essa viagem te fez bem. 

- Mas pra que serve essa pedra, Julia? 

- Não sei ao certo, mas ouvi dizer que o que está escrito aqui pode causar grandes mudanças. 

“Eu não acredito em mudanças, Julia. O único em que creio é no que vi: John. Que me mostrou, novamente, como ele é importante para mim. E o quanto perdi com sua morte. O mesmo deve ter acontecido com Lara...” 

- Pensando na ilha? 

- Não... 

- Vamos, nosso voo é o próximo. 

“...estou pensando no dia em que serei livre...!”

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