Gata Negra #50: Interesses e Resultados
Belvedere Hotel, NYC
Era uma estranha manhã na cidade onde tudo pode acontecer. A única coisa rotineira e comum era o fato de Felicia acordar sozinha na suíte.
De se alongar. De acariciar a barriga. De tentar abrir uma janela que parecia emperrada.
“Foi assim que tudo começou. Será isso um sinal?”
E com um jeito especial e um pouco de força, a janela foi aberta.
Sorriso.
Que se desfez quando se viu sozinha no quarto, com a maleta retirada do banco sobre a mesa. Dentro dela, objetos roubados a mando do Camaleão, que ela pretende devolver. Sozinha. Além da única – acredita ela – amostra do soro do Duende Verde.
Isso a faz lembrar de que não viu o resultado comparativo desse soro com o que lhe corre nas veias.
Uma tristeza lhe bate no peito.
E seu corpo tremelica com o toque do telefone.
- Felicia.
- É uma linha segura agora, Felicia.
- Hicks?
- Onde estão Carol e Julia?
- Não dormiram comigo. Além do mais, elas são bem grandinhas, né?
- Liguei para fazer uma simples pergunta: um resultado de um exame que você realizou deu negativo. Que exame é esse?
- Eu...
- Com que autorização?
- Não era apenas <b>uma</b> pergunta? – ri baixinho.
- Analisando o conteúdo vi que se trata de algo muito poderoso.
- O que quer saber?
- Que exame realizou?
- Um teste comparativo, não diz isso aí?
- Comparou o que com o que?
- Uma amostra que recolhi por aí, com meu sangue.
- Do que suspeita?
- É pessoal, Hicks.
- Você não pode usar o laboratório da S.H.I.E.L.D. para assuntos pessoais. Sabe quantas leis infringiu e quantos códigos quebrou?
- Não foi minha intenção.
- Como se fosse verdade...
- Você não iria permitir que eu realizasse...
- Não – interrompe – não iria. Mas tenho obrigação em saber o que esconde.
- Nada. O exame deu negativo, não?
- Eu quero essa amostra, Felicia.
- Eu me desfiz dela.
- Não minta para mim. Vai ser pior porque eu ou descobrir.
- Olha... não tô me sentindo bem. Falo com você depois.
A mão trêmula coloca o telefone no gancho. O olhar tenso mira a maleta prateada.
- Realmente preciso me desfazer disso. Mas... onde...?
Foyer do hotel
Carol, sentada, lê uma revista de celebridades. Um pequeno aparelho emite um sinal. Ela vê o recado, vai para um telefone público perto de onde estava e liga para o remetente da mensagem.
- Como está, coronel?
- Bem. Vou ser breve. Quero pedir para eu não saia do lado de Felicia nem por um segundo.
- O que há?
- Suspeitas. Além do que, não estou mais no comando da S.H.I.E.L.D.. Pouquíssimas pessoas sabem disso. Então, para todos os efeitos, eu ainda coordeno qualquer operação.
- O que houve? O senhor já tinha comentado isso, só que não entrou em detalhes.
- Não posso dizer mais nada, só que é por motivos pessoais.
- Quer que tomemos conta de Felicia porque o senhor vai adotar a criança, não é?
- Exatamente. Temo que algo de ruim possa acontecer a essa criança. E sabendo de quem ela é filha, todo cuidado é pouco.
- Entendo, senhor. E pode contar conosco. Vamos levar essa missão com nossas vidas.
- Obrigado por poder confiar, Carol.
O telefone fica mudo. Meio incrédula com a notícia, Carol volta para o sofá do foyer. A revista em suas mãos não mais parece interessante. Um suspiro é acompanhado pela pergunta: onde está Julia?
FBI, NYC
Uma recepção discreta para uma entrada mais discreta ainda.
Sem alardes, por questão de segurança. Sem o conhecimento de quase todos os agentes naquele prédio.
Sentados, Arachne e Sutton iniciam uma conversa...
- ...totalmente secreta, Sutton.
- Muito tempo sem notícias de vocês. É raro ver três heroínas – ele para – duas heroínas e uma Gata Negra fora de circulação por longos períodos.
- Trabalho novo.
- O que deseja, Arachne?
- Sutton, lembra das peças roubadas por Felicia? Ela está devolvendo todas.
- Em que posso ajudar?
- Felicia está num momento crítico. Precisamos que o FBI seja encarregado para devolver esses objetos.
- Ela não quer se redimir?
- Ela não quer se expor. Ela está grávida.
Sutton parece não acreditar.
- Se eu lesse isso nos tabloides acharia uma insanidade, mas...
- Mas eu não tenho motivos para inventar nada. Por isso sumimos.
- É uma grande responsabilidade.
- Um filho ou devolver as peças?
- Os dois. Preciso de um tempo.
- Só temos até hoje. Caso contrário, iremos às embaixadas.
- Venha no entardecer. Traga Felicia, quero falar com ela pessoalmente.
- Seria bom mesmo. Preciso de discrição no que te falei.
- Sem problemas.
- Onde estão Sun e Glass?
- Em missão, mas estarão aqui para o encontro a seis...
Lower Manhattan, ocaso
Parece que as horas correm hoje. Realmente está sendo um dia estranho hoje...
Nem o sobretudo esconde mais a barriga de Felicia.
Só que essas ruas que ela conhece tão bem a deixam saudosa. Saudosa da vida inconsequente que levava.
“Meu Deus, esse lance de ser mãe realmente mexe com a cabeça da gente...”
Olha para a vitrine de uma famosa joalheria, que ela nunca cansou de roubar...
- Parada, meliante!
- O que faz com as mãos no bolso em frente a uma joalheria?
- Me aquecendo – vira a cabeça – por que eu – ela vê quem a aborda – Sun! Glass! Como...?
- Coisa feia!
- Que tava pensando em fazer? Por acaso teve uma recaída?
- Tive vontade, confesso!
- Felicia, você tá...
- Se disser “gorda” vai ficar cego, surdo e mudo.
- Eu ia dizer “linda”.
- Tô grávida.
- Sun? Foi você... ou fui eu?
Os três dão risada.
- Foi um homem que vale por todos desse país.
- Ui!
- Ai!
- Como estão?
- Acabamos um trabalho...
- Vem com a gente pro QG, gatinha. Sutton ficará feliz em te ver.
- Não mesmo!
- Não resista à prisão de voz, moça!
FBI
Dessa vez houve aglomeração. Houve curiosidade. Não houve discrição. Mas em seguida, houve uma ordem de que ninguém havia visto nada.
Na sala de operações, Sutton e Felicia se abraçam; ele deseja felicidades pelo que ela carrega o ventre.
- Como ficou sabendo?
- Arachne esteve aqui mais cedo. Ela ficou de retornar, mas você veio com os parceiros errados.
- Ironia do destino. O que ela fazia aqui?
- Hum...
Sutton faz um sinal e Sun e Glass saem da sala.
- Ela me contou o que vocês vieram fazer na minha cidade.
- Ela não tinha esse direito.
- Ela quis ajudar.
- Não me leve a mal, Sutton. Isso é coisa minha.
- Não é hora para orgulho.
- Não se trata disso. Não quero ser uma grávida dependente. Uma mulher que fica encostada, guardada, entende?
- Pelo que vejo você não está em condições para se arriscar.
- Vim apenas devolver o que roubei. Qual risco tenho?
- O FBI pode dar um jeito nisso. Posso enviar Sun e Glass para uma diligencia, uma ação de combate a contrabandos, sei lá, penso outra coisa, e publicamos que recuperamos esse material. Estranho vai ser a reaparição deles depois de tanto tempo.
- Isso não me preocupa, até porque muita informação neles podem ser obtidas.
- Então você aceita minha proposta.
Felicia cambaleia.
- Sente algo?
- Desânimo, Sutton. Os últimos dias não foram fáceis.
- Beba água – e oferece um copo.
- Brigada. Posso usar um computador?
- Fique à vontade. Vou resolver um problema e já retorno.
Felicia se senta à mesa de Sutton. Digita um site que, aparentemente, é de contas simples de e-mails, quando, na verdade, é uma página fachada de acesso ao banco de dados da S.H.I.E.L.D..
Ela acessa sua conta
Uma mensagem nova; não lida.
“Mais reclamações de Hicks...”
Remetente desconhecido. Sua curiosidade é alterada.
A cada linha que desce do que lê, seus olhos se enchem de lágrimas.
Em resumo, a mensagem diz que o pai de Felicia se casou com Lydia por interesse. Ele fugia de algo grave que cometeu, e, como ela é de família rica e tradicional, casou-se, porque assim seria mais fácil escondê-lo e, até mesmo, lhe dar outra vida.
Sutton entra na sala falando ao celular e se assusta: não há ninguém. A janela está aberta.
Tomado por um impulso, ela olha para fora e não vê nada. Muito menos um corpo estendido na rua.
Ao colocar as mãos no vidro, Carol, Julia, Sun e Glass chegam, procurando por Felicia.
- Ela se foi.
- Como assim? – Carol corre para a janela.
- Ela estava no computador. Eu saí e...
Julia senta à mesa e lê a mensagem. Cuidadosamente encerra a contam fecha o site e reinicia o computador, tudo isso sem que percebessem.
- Para onde ela deve ter ido?
- Se conhecemos bem nossa amiga, a um lugar costumeiro.
- Que faço com meus agentes?
- Esperem um sinal.
Ilha da Liberdade
Algumas estrelas, curiosamente, já despontam no céu cinza.
Apoiada na grade de proteção, Felicia hora. O vento não consegue secar as lágrimas; apenas sacodem os cabelos platinados.
“Não quero que se metam na minha vida. Não quero que me digam o que fazer. Não quero que me impeçam de viver. Chega de Carol. Chega de Julia. Chega de minha mãe. Chega de... papai. Por que fez isso? Por que nunca me falou que nossa vida era só ilusão? Por que não tenho mais nada? Ninguém? Peter. Te odeio por te amar. Odeio todos por me controlarem. Odeio minha mãe. Odeio o meu pai...”
Os soluços concorrem com as águas se chocando na ilha.
As mãos na barriga revelam... muitos sentimentos.
Não há mais aquela Gata Negra. Tudo está diferente. A vida lhe pregou uma peça e tanto. E mais do que nunca ela acha que está sozinha. Desamparada. Perdida.
“Eu não sei o que fazer!”
Carol e Julia pousam ao lado de Felicia. Quando vê as amigas, parte para cima, com as unhas nuas.
- Odeio vocês! Sumam! Parem de se meter na minha vida!
Julia e Carol apenas se esquivam e tentam segurar os braços de Felicia, que se debate.
- Vocês mentiram para mim! Como todos fizeram!
- Aos poucos ela vai cedendo e os braços estirados se transformam em abraços.
Chorando, corpo mole, ela cede ao carinho das amigas.
O vento sopra mais leve. As águas se acalmam. As estrelas foram cobertas pelas nuvens mais escuras que o céu.
- Nós... lemos o e-mail, amiga.
- Deve ser alguma armação.
- Vocês sabem que há tempos... recebo esse tipo de informação. São reais.
- Vamos investigar, Felicia.
Com respiração trepidante, a ladra aperta a medalha presa na coleira.
- Minha vida é uma fraude! Não há nada de real nela!
- Claro que há! Somos reais! Seu filho é real!
- Tudo o que eu vivi... todo o amor... mentira...
- Para, amiga. Não é isso!
Um sinal baixo.
- Alguém tá de relógio?
As três olham os pulsos. Nada.
- Que barulho é esse?
Os comunicadores estão desligados.
O sinal segue.
Julia olha a medalha de Felicia e vê quatro dígitos; dois em cima e dois em baixo. Em contagem regressiva.
- Que é isso?
Carol tenta retirar a coleira, mas o pescoço de Felicia é apertado como consequência.
- Meus Deus!
- A coleira que o Camaleão me deu... é uma...
- Bomba!
Os números indicam 09:58.
Felicia grita, desesperada.
- Vamos levá-la ao FBI!
Carol carrega a amiga e voa, enquanto Julia segue pendurada no corpo da ex-Vingadora.
FBI, Sala de Comunicações
Pela mesma janela por onde Felicia saiu, ela entrou. Dessa vez, no colo de Ms. Marvel.
- Sutton, um esquadrão antibombas, rápido!
Pego de surpresa, derrama o copo com café no café.
- Sun, Glass – grita – Venham!
Felicia tenta rasgar a coleira, mas seu pescoço vai ficando vermelho. Seu rosto muda de cor. Sua respiração fica lenta e fraca.
- Temos 03:12 minutos!
- Sutton, não é uma bomba conhecida! – diz Glass.
- O modelo deve ter sido retirado de algum objeto roubado por Felicia! – diz Carol.
- TIREM ISSO DE MIM! – lágrimas rolam.
Sutton corre pra fora da sala, entra num cômodo para pessoas autorizadas e pega um tubo de ensaio com uma espécie de borrifador.
00:52.
- Afastem-se todos!
O conteúdo é expelido de dentro do tubo e envolve a medalha com uma fina membrana fria.
O cronômetro ainda desce.
- Se eu a envolver em teias? – questiona Arachne.
- Não. Ms. Marvel, é com você.
- Hã?
- Confie em mim! – ordena Sutton.
Com as pontas do polegar e indicador, Carol aperta a medalha. Ruídos de rachaduras e se formando. A medalha vira farelo.
Felicia desaba. Sutton borrifa a coleira com o produto e em poucos segundos Carol repete o ato e, finalmente, Felicia, com dificuldades, consegue respirar.
Em questão de minutos uma equipe médica já dava os socorros necessários. Tudo se normaliza.
- O que contém no tubo, Sutton?
- Hidrogênio numa fórmula alterada. Só usamos em casos extremos.
Deitada, Felicia chora, com o pescoço ferido, enquanto vê as expressões de alivio de todos ali presentes...
***
Na próxima edição: o nascimento do filho de Felicia Hardy e Peter Parker!
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