Gata Negra #40: Gestação e Risco
Grávida. Isso não é novidade para Felicia. O que a assusta é que ela descobriu o tempo que ela carrega a criança – mas sabe que o pai realmente é o Homem-Aranha! Além disso, ela conversa com Nick Fury, que lhe dá uma notícia nada agradável...
Célula da S.H.I.E.L.D., Metrópolis
Em uma sala reservada e discreta, Carol está sentada em frente a uma tela, acoplada entre teclados de computador e outros aparelhos eletrônicos. Assim que uma imagem se forma, ela se levanta. A figura revela quem deseja lhe falar. Nick Fury.
- Coronel.
- Ms. Marvel. Os últimos relatórios afirmam que vocês estão bem, apesar de Felicia me manter preocupado.
- Estamos sendo bem atendidas aqui. Enquanto a Felicia, ela precisa de tempo.
- Isso vocês terão. A S.H.I.E.L.D. vai dar total assistência. Inclusive porque vou precisar de vocês.
- Já imaginava isso, coronel. Estamos à disposição para qualquer trabalho.
- Foi bom você ter me procurado depois do incidente no apartamento de Felicia. Assim trocamos, digamos, favores.
Carol aproxima o assento ao monitor.
- Quando agiremos?
- Em breve, Ms. Marvel. E a propósito, Felicia não vai com você e Mulher-Aranha. Não posso correr o risco de que algo aconteça com ela.
- Vocês já conversaram?
- Ainda não, mas ela deve vir em algumas horas. Quero que ela esteja bem, afinal, ela tem muito o que me contar.
- Coronel... até quando nossa permanência aqui...
- Não se preocupe com isso. Vocês estão aqui por uma questão de segurança. Em breve poderão sair e ter uma vida normal novamente.
- Aqui em Metrópolis?
- Temporariamente.
***
Novamente aquele bip irritante. Não é a melhor coisa que Felicia gosta de fazer: exame. Mesmo ela sabendo da gravidez de risco, aquilo não é para ela. Testes variados, amostras, comparações... Ela não é mais livre, como há muito tempo.
O médico responsável e residente nesta instalação da S.H.I.E.L.D. se aproxima com uma prancheta digital. Os óculos repousam na correntinha prateada perto do pescoço e dos bolsos do jaleco. Os olhos analisam aquele corpo torneado que, mesmo com uma saliência no abdome, ainda é motivo para devaneios.
- Felicia... aquela história de sete vidas é verdade mesmo?
Um riso quase silencioso.
- Ou então você tem muita sorte.
- Olha doutor... não sei se tenho isso aí que você falou...
- Vejamos... foi espancada pelo Venom... Voou a não sei quantos metros de altura depois de explodir o próprio apartamento... caiu no meio da rua, praticamente...
- Viu como minha vida é agitada? Ainda bem que eu fui convidada a me retirar daquele colégio católico.
- “Convidada a se retirar”?
- Arrã. Quando um aluno é... Assim, quando um aluno faz muitas coisas erradas, eles o convidam a se retirar. Se ele for expulso, dificilmente conseguirá ser transferido pra outra escola, independente do período do ano letivo.
- Interessante. O que se apronta num colégio comandado por religiosos?
- Era exatamente o que eu me perguntava minutos antes de descobrir uma coisa nova.
Felicia sorri, ao lembrar, em flashes, das suas peripécias quando estudante. Paqueras, brigas... provas furtadas, copiadas e distribuídas pros menos favorecidos de inteligência.
- Sempre teve vida agitada, hein?
- Qual a graça de viver se não se pode sentir emoção?
- Por isso se tornou a Gata Negra?
- Também...
O médico se afasta enquanto continua conversando e analisando resultados numa espécie de palmtop.
- Felicia, quero que você me conte algumas coisas...
- Se eu puder...
- Quem é o pai do seu filho?
Ela se ergue um pouco da cama e deixa a coluna mais reta.
“O Homem-Aranha, oras!”
- O Coronel não te contou?
- Não.
- Farei o mesmo. Não é nada pessoal...
- Entendo, Felicia. O que quero te falar é algo estranho. Pelos seus cálculos você deveria ter ao menos um mês de gestação, no máximo. Mas você está entrando na décima sexta semana!
“Quatro meses... grávida?”
- Isso está errado, doutor.
- Não, não está. Prova disso é o ultra-som que fizemos há pouco.
- Doutor... eu sei muito bem quando foi que eu e... e o pai dele fizemos... você sabe.
- Por isso quero que me conte se aconteceu algo com você nos últimos dias.
- Não seria culpa do poder do azar? Eu tinha genes latentes que foram ampliados quando...
- Não – interrompe o médico – Fui informado sobre isso. Me refiro a algo mais recente.
“O simbionte? Os poderes de Julia, Carol...? Não, não...”
- Bom... deve ter sido coincidência, mas antes de eu enfrentar o Venom... horas antes, eu tive contato com uma estátua que... Esquece, é besteira.
- Não, pode ser uma pista. Continue.
- Assim que eu me aproximei dela senti todos os pêlos do meu corpo se arrepiarem. Em seguida, nossos olhos brilharam e eu fiquei cega temporariamente, até cair no chão e desmaiar. Ao acordar, me senti zonza e com os músculos dos membros mais tesos.
- E a cegueira?
- Como disse, foi apenas naquele instante. Não tive sequelas ou consequências.
- Mesmo assim você vai ficar em observação. Realmente não sei se essa estátua... que estátua é essa?
- É chamada de Gatotem. Mas eu adquiri o errado...
- Em vez de prata, pena.
- Na verdade, em vez de ouro, pelo.
O médico não esconde a risada.
- Não sei como essa estátua poderia acelerar sua gravidez, Felicia. A única certeza que tenho é que você não pode fazer esforço, precisa se alimentar bem e tem que repousar muito.
- Praticamente impossível pra mim.
- Compreendo. Precisa aceitar essas medidas, a não ser que queira perder seu filho.
- Uau. Pior que médico só advogado.
- Entenda, Felicia...
- Entendi já. Comer e dormir. É quase a vida que pedi a Deus.
Alguém bate à porta. O médico a abre e permite que Julia entre.
- Felicia, amanhã vamos ver o que você me falou sobre seus músculos, ok?
- Sem problema – o médico ouve a despedida se retirando do quarto – Julia, que bom te ver!
- Como se sente hoje?
- Confusa.
- Me conta uma novidade!
Risos.
- Sério... o doutor disse que eu tô grávida de quatro meses!
- Mas como? Se pelo que você me contou e pelas nossas contas desde quando você trabalhava pro Camaleão... um mês no máximo!
- É isso que não entendemos.
- Não seria pelo seu poder do azar?
- Ele disse que não.
- Nem uma mistura dos seus genes com os poderes do Aranha?
- Ele não sabe quem é o pai do meu filho. Parece que Fury guardou segredo mesmo.
- Muito certo o que ele fez.
- E você e Carol, que andam fazendo?
- Bom, eu estou tentando, junto com um psicólogo, fazer com que Rachel fique menos assustada.
- Ela sofreu muito...
- Fora isso, estou treinando novas técnicas, poderes, essas coisas. Vantagens de se estar na S.H.I.E.L.D., né?
- Ô... E Carol?
- Ela é uma guerreira... militar... Não consegue ficar parada. Sempre traça estratégias, ações de combates e outras coisas, pra auxiliar nas investidas daqui dessa célula.
- Conheceu a cidade já?
- Ainda não. Ordens pra não sairmos daqui ainda.
- Ao menos não estou sozinha nessa!
Gargalhadas.
- E essa vida de grávida? Enjoando muito?
- Não, mas sinto coisas estranhas dentro de mim.
- Que frase feia...
- É, né? – riso – Não me acostumei com a idéia de ser mãe. Não por agora. Eu acho que sou muito egoísta pra me preocupar com outra pessoa.
- Piada, né? E a forma como se preocupa comigo, Carol, Rachel e até mesmo com o Aranha?
- É diferente. Eu gostava de ter a minha vida solitária, apesar de tudo.
- Felicia, está dizendo que não quer ter o neném?
- Lógico que quero ter meu filho! Apenas ainda não me acostumei direito. Só isso.
- Olha lá, hein?
Em algum lugar da Europa
Como um castelo de cristal. Tudo claro, muitas peças em vidro. Champanhe.
- Mandem o general entrar.
Em poucos segundos o homem de cavanhaque e com uns aparentes 60 anos se aproxima e senta numa cadeira ao lado da mulher que o autorizou entrar.
- Por quê minhas ordens ainda não foram acatadas?
- Tivemos um problema, general. As coisas perderam o rumo.
- Você sabe que eu não me importo se as coisas dão erradas. Eu quero que você faça o que eu ordenei. A não ser que queira que eu cancele todos os seus contratos milionários que a ajudam a manter a sua “escola”.
- A perdemos por dias, mas agora temos quase certeza da sua localização exata.
- Ótimo. Não vou aceitar outra falha! Finalmente, depois de três décadas, vou recuperar o segredo para a vitória. E me vingar de uma certa pessoa.
- General...
- Que?
- Um brinde ao sucesso. Com a sua gestão e meus conhecimentos e equipes, em breve teremos o que tanto deseja.
A mulher serve o general. Duas taças se chocam.
- Eu não gostei da participação de seu ex-marido nessa operação.
- Não se preocupe. Apesar de tudo, ele é um homem valioso.
- Não me decepcione mais.
Célula da S.H.I.E.L.D., Metrópolis
As três então heroínas estão juntas no quarto onde Felicia repousa. Em pouco tempo a conversa é interrompida quando um agente entra empurrando uma cadeira de rodas para pegar Felicia.
- Meu meio de transporte chegou.
Risos generalizados.
- Felicia – diz Carol – Sua hora de conversar com o coronel Fury.
- Broncas? Ó céus...!
- Nada disso. Ele quer saber como você está. Nada mais.
- Arrã. Como se eu não conhecesse a fama dele...
- Vai, amiga – diz Julia – e quando você voltar estaremos aqui. Como sempre.
As amigas colocam Felicia na cadeira. Ela resmunga porque o agente não a deixa “guiar o meio de transporte”.
- Bom – diz Julia – como foi com ele?
- O que eu já esperava. Ele nos acolheu em troca de serviços.
- Ao menos a gente se mantém ocupadas, não?
- Sim, mas Felicia ficará de fora das ações. O Coronel me pareceu muito preocupado com essa gestação.
- Pudera, é o filho do Homem-Aranha.
- Não só por isso, Julia.
- Já vi que vamos esperar Felicia voltar para concluir nossos pensamentos...
***
Mesma sala reservada e discreta. Mesma poltrona. Mesma imagem que surge do nada no monitor. A única reação de Felicia é dizer:
- Oi, Nick!
Silêncio.
- Posso te chamar assim, né?
- Mesmo se eu a proibir, você o fará – e dá um sorriso discreto.
Felicia morde os lábios para segurar o riso, e balança a cabeça, concordando com o coronel. O sorriso que derruba qualquer parede.
- Chamei você aqui para que me conte sobre suas andanças.
- Mas eu te enviei o relatório logo que...
- Mera formalidade – interrompe – Quero que me conte para que eu possa olhar para você.
- Isso é uma cantada... ou quer me pegar num desses testes para analisar o corpo e as feições, e descobrir se estou mentindo?
Nem mesmo Nick Fury é páreo para tanto charme.
- Você foi enganada pelo Camaleão. Sua astúcia não a alertou sobre...
- Olha, Nick – agora ela interrompe – Eu estava internada. Ele apareceu como uma agente do FBI me oferecendo... na verdade, me obrigando a participar de um programa de reabilitação do governo que você defende. Se você tem dificuldade para detê-lo, eu tenho uma desculpa coerente, né?
Olhar de reprovação.
- Esse programa realmente existe, mas os integrantes não vão a campo.
- Algum desses integrantes tem algo em comum comigo? Ou são policiais, agentes, frustrados ou viciados? Ou assassinos, militares pós-guerras?
- Como a conheceu?
- Na boa... tô grávida e tô irritada. Você sabe de tudo já. Por que tá fazendo isso comigo?
- O Camaleão ia destruir Nova York em um atentado com uma bomba nitro-nuclear. Algo teoricamente, e praticamente, impossível. Mas ele sabia como. Isso que quero que me conte.
- Realmente não quer ler o relatório?
- Você pode ter “esquecido” alguma informação...
- Sendo assim... O Camaleão andou pesquisando bastante! Tudo começou quando eu fui intimada a roubar um diamante.
- Com o núcleo que sofreu uma má-formação.
- Sim. Eu nunca soube o que essas peças realizavam até a batalha final. Isso soou bonito! Então... roubei esse diamante com o núcleo cinza num desfile de modas. Tarefa fácil. Depois roubei, no Egito, uma pedra com escrita antiga. E daí descambei pra outros objetos como o Cinturão Conversor Cósmico, um palmtop, um quadro... acho que só.
- E a cítala espartana?
- Foi queimada no porto.
- E a outra parte? Pelo que me consta, a cítala é dividida em duas partes.
- Eu não a achei. Foi um blefe.
- Não achou ou foi tomada por um senso de justiça, ao descobrir o que o Camaleão planejava, e a destruiu também?
- Eu não a encontrei.
- O que fez na Escola Atomista?
- Tinha uma pista lá. Procurei em todos os lugares, mas nada.
Fury a olha desconfiado.
- Mesmo se tivesse comigo eu não daria para ninguém. E mesmo assim, ela não tem utilidade sem a outra metade.
- Você sabe que seu ato foi um retrocesso?
- Retrocesso para o futuro bélico e o fim do mundo, Nick.
- Se acha a salvadora?
- Não. Eu apenas adiei o apocalipse.
- Nisso você está certa. A cítala era o passo a passo para a construção da bomba.
- Sinto muito.
Fury debocha.
- E a viagem ao Peru?
- Nah... Me deparei com remanescentes do Sendero Luminoso. Eles ainda estão na ativa, e devem ter ligação com outros grupos separatistas sul-americanos.
- E com terroristas árabes.
- Sim... Eles declararam guerra. Imagina... um continente, um oceano dividindo dois lados que agora querem se explodir.
- Se explodir?
- O líder peruano foi traído pelo líder xiita do Bahrein, Nick. No minuto em que houve o leilão pela planta do catalisador.
- Interessante.
- Lá a comitiva peruana foi massacrada na hora da venda. Por sinal, o Sendero tem contatos na CIA, e por aí vai. Onde tem dinheiro, tem traição.
- E que fim levou essa planta?
- Na verdade foi uma parte da cítala... ela estava nas mãos do peruanos. Ele levou pro Bahrein uma falsa. Lá, numa igreja encontrei a pista pra onde deveria estar a outra parte. Na Escola Atomista.
- Ok. E o homem que sempre te acompanhava?
“Sem lembranças, Felicia. Apenas se ajeite na poltrona. Não esqueça de que Nick está analisando seus movimentos.”
- Ele foi contratado pelo Camaleão. Era piloto e me levava nas viagens internacionais.
- Se tornou seu amigo?
“Mais que isso.”
- Meu segurança.
- Charles. Assim o chamava.
- Era o nome dele.
- Em que ele trabalhava?
- Ele era piloto, já disse.
- Nada mais?
“Ele já sabe... e faz isso pra me irritar!”
- Quando ele morreu... eu o revistei e peguei uns documentos e o celular, assim eu mantive contato com o FBI. Com o Camaleão, na verdade. O que me enlouqueceu foi que tinha, no meio desses documentos, um cartão de identificação e o nome da empresa dele: Silver Sable Internacional.
- Eu não entendo a relação da Silver Sable Internacional com o Camaleão.
- Interesse em comum pela bomba?
- É uma teoria. Mas é inusitada.
- Não para mim. Eu passei o diabo e isso é o suficiente para mim.
- Esse Charles... vocês tiveram algo mais?
Suspiro.
- Sim.
- Então sua teoria não me convence.
- Como assim?
- Numa outra ocasião conversamos sobre isso, Felicia. Quero saber agora sobre seu estado de saúde.
- Bom... Tô grávida.
- Sobre seus últimos exames... recebi relatórios que...
- O meu relatório você não leu, né? Mas os dos médicos...
Risos.
- Poucas pessoas sabem que você está aqui, e menos ainda da sua gravidez.
- Olha Nick... O Aranha tem que fazer parte dessa grupo que não sabe da minha gravidez.
- Por quê?
- Nossa relação é muito complicada. Isso pioraria tudo.
- Um dia ele vai ter que saber.
- Quanto mais eu adiar, melhor.
- Empurrando o apocalipse?
Felicia gargalha.
- Que vai querer em troca, Nick?
- Gosto de você.
- Sem rodeios. Manda.
- Serviços administrativos, auxílio em tarefas externas e...
- E...?
- Você quem me diz, Felicia.
Saliva descendo pesada.
- É o melhor a fazer, Nick. Mas eu ainda não me acostumei com essa ideia.
- Vou ser franco. Isso vai garantir a sobrevivência da criança.
- Não é fácil, Nick.
- Felicia... Você já foi inúmeras vezes alvo de inimigos do Aranha. Quase morreu diversas vezes! E era apenas uma namorada, ou uma ex-namorada! Você agora carrega um filho dele. A potencialidade mais que dobra.
- Preciso me acostumar com isso.
- Não se preocupe. Quantas pessoas abdicaram de você para te proteger?
“Principalmente meu pai...”
- Eu sei, Nick.
- Não se preocupe.
- Mas se você o treinar para ser...
- Uma arma?
- Ou pior.
- Ele não vai fugir do destino dele, Felicia.
- Você está me assustando, Nick.
- Ele pode seguir os passos do pai... ou da mãe.
O monitor é desligado e Felicia não impede uma lágrima... na verdade varias lágrimas caírem, passeando pelo seu rosto. E coloca as mãos na barriga.
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