Gata Negra #32: Distrações fatais 2/7
Felicia e Charles deixam o Peru com destino ao Bahrein. O guerrilheiro do Sendero Luminoso também vai até o Oriente Médio tratar de negócios com terroristas xiitas, que precisam se livrar da Gata Negra para, assim, colocar as mãos na bomba nitro-nuclear.
Departamento de Huánuco, distante 558 quilômetros de Lima, Peru
Felicia, Charles, Guzmán, Victor e Hakim vão para uma sala onde há uma grande mesa em forma de triângulo, e na parede, mais uma foto de Mao Tsé Tung.
A visita inesperada de um terrorista xiita do Bahrein incomodava Felicia. Ela não estava preparada para este tipo de situação. Até mesmo seu parceiro, Charles, se mostrava incomodado. A troca de olhares entre os dois norte-americanos revelava a cúmplice preocupação.
- Como eu dizia, meu ilustre visitante também deseja o modelo da bomba nitro-nuclear.
- Eu entendo, Guzmán – diz Felicia – mas a gente tinha combinado que…
- Não tínhamos combinado nada, Michelle. Da mesma forma como te ofereci a planta, ofereci aos meus amigos árabes. Não é assim que funciona o capitalismo?
- Onde realizaremos a compra, Guzmán? – pergunta Hakim.
- Eu ainda não decidi para quem vou vender, mas uma coisa é certa: o negocio não vai ser firmado no meu país.
- Qual o problema? – questiona Felicia.
- O seu país, Michelle. Você é uma agente federal e o Bahrein é um país estratégico nas relações com os Estados Unidos. Se descobrem que eu guardo este poder vão usar a informação como pretexto para invadir o Peru. Não foi este o motivo da invasão ao Iraque? Armas de destruição em massa?
- Uma coisa não tem nada a ver com outra… - replica Charles.
- O Peru não tem tantos aliados como o Iraque. Não há uma Coréia do Norte por aqui, muito menos Irã. Acha que os países sul-americanos comprariam uma briga contra os Estados Unidos? Hum, talvez a Venezuela… Mas o ponto não é esse. Eu farei o leilão entre as duas partes, mas do outro lado do Atlântico.
- Você quer levar mais caos para o Oriente Médio, Guzmán? – pergunta Hakim.
- Eu apenas quero me proteger. Estou reerguendo o Sendero Luminoso, preciso de dinheiro. Somente o cultivo da coca não é suficiente. O que me dizem?
Felicia pede licença e sai da sala com Charles. Victor e Guzmán continuam sentados enquanto Hakim vai para a janela.
- Charles… estou com medo.
- Eu sei, mas precisamos fazer isso.
- Não precisamos! Isso é assunto para Nick Fury, Capitão América, Viúva Negra, sei lá. Não para mim. O que tenho para me defender? Um poder do azar incontrolável? Nem minhas garras estão comigo!
- Eu vou te proteger!
- Com seu charme? Com a fumaça do cigarro? Estamos perdidos, Charlie.
- Não. Confie em mim. Vamos para o Oriente fechar negócio.
- E se a gente não conseguir?
- Não foi você quer me disse que não trabalha com suposições?
Os dois respiram profundamente e retornam à sala.
- Muito bem, Guzmán. Apesar de você não estar cumprindo com a sua parte, iremos para o Bahrein resolver a negociação.
- Americana de atitude! Os Estados Unidos perderam uma ótima agente federal!
Hakim se vira.
- Ela é uma agente do FBI? Como você pode confiar nela?
- Não se preocupe. Ela me deu provas suficientes para ter minha confiança.
- E o homem que a acompanha?
- É piloto de avião e segurança. Nada com que se preocupar também.
Hakim pragueja em árabe.
- Essa mulher vai ser o meu fim, Guzmán. E eu vou me vingar por isso.
- Tolice! Estamos acertados?
Todos consentem balançando a cabeça.
O líder peruano e o árabe são levados por Víctor para uma outra sala. Felicia e Charles vão para o quarto pegar a pouca bagagem.
- Temos que bolar um plano, Charlie.
- Antes, quero te falar uma coisa. Se acontecer algo comigo…
- Para com isso!
- Felicia, me escuta. Se acontecer algo comigo me reviste, ok? Você vai achar coisas que poderão te salvar.
- O que você está me dizendo?
- Apenas faça o que te digo.
- Charlie, não minta para mim!
O piloto a abraça e a beija.
- Nunca mais faça isso! – e empurra o amigo.
- Eu sabia que você estava diferente… - e sai do quarto.
Felicia senta na cama e coloca as mãos na cabeça.
Centro Médico Cornell
Um quarto arrumado. Uma mala sobre a cama. Um rosto iluminado pela fraca luz que passa pela janela.
- Pronta, Carol?
- Nem imagina o quanto esperei por isso. Minha última noite aqui…
- Olha… eu sei o quanto você quer ajudar a sua amiga, só não se esqueça de se ajudar. Uma recaída sempre é possível e…
- Bob… eu… vou tentar. A única coisa que me vem à cabeça é a situação de Felicia. Ela saiu daqui de uma estranha… e ainda teve a visita da…
- Da…?
- Esquece. Não ganho nada de especial por ser minha última noite aqui?
- Será? Vamos descer.
Departamento de Huánuco, Peru
Guzmán, Hakim e Charles estão nas escadarias de mármore esperando Felicia.
- Guzmán, estou pensando numa coisa.
- Diz, Hakim.
- Se ele é piloto poderíamos ir na aeronave dele.
- Charles, seu avião tem condições de chegar ao Oriente Médio?
- Acredito que sim, preciso apenas de combustível. Mas por que cada um não vai no avião que veio?
- Não discuta. Hakim, você e seus homens podem se acomodar no avião do americano. Charles, ligue as turbinas. Onde está Michelle?
No interior da casa, Felicia carrega a bolsa olhando novamente os quadros.
“Deve estar em algum lugar… mas com o medo que sinto, não raciocino. O que vai acontecer assim que desembarcarmos no Bahrein? Eu ao menos tenho uma vantagem: ouvi Guzmán falar que o país é aliado dos Estados Unidos. Se me acontecer algo posso fugir para a embaixada. Sob que pretexto? Não… Que raiva. Por que não fiquei em NY, mantendo interminável o meu sonho… eu estava com o Aranha!”
Pensamentos interrompidos.
- Michelle, preciso conversar com você.
- Víctor? Estou atrasada, não posso…
- Pegue isso.
- Um pedaço de pau?
- Não é um pedaço de pau. É, para os leigos. Isso é uma cítala espartana ou bastão de Licurgo.
- Pra que serve?
- É uma forma de transposição que utiliza o primeiro dispositivo de criptografia militar.
- O que isso faz?
- Segure. “Isso” guarda a planta da bateria nitro-nuclear.
Felicia não acredita.
- E por que está me dando?
- Confio mais numa linda mulher do que num terrorista.
- Víctor…
- Eu não sei o que vocês vão encontrar lá.
- Mas Hakim vai desconfiar, ou vai querer ver algum manuscrito.
- Não se preocupe. Guzmán está cuidando disso.
- Ele também está do meu lado?
- Não.
- Não entendo.
- Não precisa entender. Deposite o dinheiro na conta que Guzmán te passou.
Felicia segura o bastão que está enrolado por uma tira de couro.
- Como faço para decifrar a mensagem?
- Michelle! Vamos! – alguém grita de fora da casa.
- Não poderei te ajudar nisso. Boa sorte.
Guzmán entra na sala, aos gritos.
- Víctor? O que ainda está fazendo aí? Você vai com eles para o Bahrein.
- Mas senhor…
- Camarada Clay, vai me desobedecer?
- Perdón, te pido de rodillas.
Felicia corre ao tempo em que esconde o bastão na bolsa.
Charles, dentro do avião, novamente mexe em alguns controles e diz alguns códigos pelo rádio. Felicia entra no avião encara os árabes. Em seguida vai para a cabine.
- E então?
- Tudo sob controle. Chegaremos lá de noite.
- Eu vou ficar aqui na cabine com você. Aqueles homens têm cara de terroristas!
- Hehehe! Eles são terroristas, queria o que?
- Você me entendeu. Já te disse que estou com medo?
- Eu já te disse?
O avião decola. Víctor olha para Guzmán, que acena de baixo, da pista.
Oceano Atlântico
Felicia, de olhos fechados, sorri. Seu parceiro não entende como isso é possível, afinal, há poucas horas ela estava apavorada. Algo nos pensamentos da ladra a faz ser feliz neste momento de tensão.
Charles vai ver como estão os outros passageiros.
Felicia sonha com o Aranha. Sonha quando eles se encontraram doloridos, vomitando. Nada romântico, é verdade, mas para ela aquilo foi o que de melhor aconteceu há um bom tempo. Eles se beijaram. Se amaram.
“Aquelas marcas de unhas ainda devem estar lá”
Tiveram os corpos colados, quentes e suados por toda noite. Ignoraram os conflitos de outrora. Eram apenas os dois, enquanto Nova York ardia em chamas de lunáticos que querem destruir o mundo.
O futuro ainda é incerto. Muito incerto.
Ao retornar, Charles vê a cítala na bolsa da ladra.
Em algum lugar de NYC
Camaleão e Bumerangue entram no carro. Os dois carregam maletas pesadas. Eles estão indo para uma reunião com o Conselho.
- Meyer, este encontro vai traçar o meu plano.
- Tem notícia de Felicia?
- Ainda nada, mas ela vai conseguir.
- E Julia Carpenter?
- Como prometi, assim que receber a ligação de Felicia eu a liberto.
- Não é arriscado?
- Não creio. Sozinha ela não pode nada.
- Nem se ela procurar ajuda?
- Quem, Meyer? Quem vai acreditar nas palavras dela?
- Ela tem prestigio…
- Mas não tem provas!
- Não precisa disso! Se ela falar que nós sequestramos a filha dela e estamos usando a Gata Negra para cometer assaltos…
- Ela não vai fazer isso. Já que conseguimos pegar a filha dela uma vez, poderemos pegar de novo… e dessa vez vamos matá-la.
Bahrein, Oriente Médio
O Estado do Bahrein está localizado no arquipélago do Golfo Pérsico, a leste da Arábia Saudita. A capital é Manama e a renda per capita é de US$ 7.640. Por ser uma ilha não tem países limítrofes e o tipo de governo é Monarquia Islâmica.
O avião pousa numa pista particular e logo o tripulante e os passageiros são recepcionados por homens fortemente armados.
Hakim explica a situação para alguns guerrilheiros e logo os “turistas” são levados para uma construção, uma espécie de quartel no meio do deserto.
- Acredito que poderemos ter uma conversa rápida e resolver nosso impasse. Temos duas partes interessadas no mesmo objeto. Nós e os americanos.
- Hakim – diz Víctor – Guzmán falou em leilão. Qual o seu preço?
- Não negocio de forma aberta. Você está com o modelo?
- Sim – ergue a mão e mostra um pergaminho enrolado. Qual seu preço? A ordem que tenho é de entregar o modelo assim que o dinheiro estiver na conta.
- E quando eu dou o meu valor? – pergunta Felicia.
- Vocês estão no meu país, primeiro os anfitriões. Víctor, por favor, me acompanhe.
Enquanto o peruano e o líder xiita entram numa sala com porta de ferro, Felicia e Charles são levados para outro aposento. Na verdade, uma cela.
Antes de os dois amigos serem trancafiados, um barulho de tiro.
Por reflexo, Charles saca uma pistola e mata o terrorista que os levava para a prisão.
- Você está louco?! O que você fez?
- Agora é tarde! Corre!
Os dois correm, tentando achar uma saída. Ao fundo eles ouvem vozes em árabe.
- Só sendo muito burro ao achar que esses árabes iriam negociar de verdade.
- Já pensou na crise entre os dois países que esse episódio vai causar?
- Pouco me importa, Felicia. Eu quero é fugir daqui!
- Usando apenas esta pistola? O que deu em você? O que passou pela sua cabeça oca? Eles são terroristas! Bem armados! Nós não temos condições de…
- Por ali! – Charles a empurra e a salva de uma rajada de metralhadora.
O alarme dispara. De longe se escuta os passos pesados dos homens que agora buscam o casal.
Charles dispara outros tiros, certeiros. Outros corpos tombam. Ele aproveita e pega a arma de um homem que recebeu uma bala no meio da testa.
- Felicia, você sabe atirar?
Mais um flashback: o Justiceiro fez a mesma pergunta, enquanto ele a salvava das mãos de T’ai Li e de Crying Freeman.
- Eu não atiro… eu não mato pessoas!
- Nem para salvar a própria vida?
Charles resmunga e continua correndo, puxando Felicia pelo braço.
Mais rajadas de metralhadora, tiros de fuzis, explosões de granadas.
E gritos.
Os dois chegam a uma espécie de tubulação, mais parecido com um sistema de esgoto.
- Isso vai nos tirar daqui…
- Como você tem tanta certeza?
- Você quer descobrir comigo ou prefere ficar aqui?
Felicia se assustou com tamanha agressividade de Charles. Era um lado dele que ela não conhecia.
“Ou ele apenas está nervoso, afinal, se nos pegarem… vamos morrer!
Eles chegam a uma escada. Charles manda Felicia subir na frente, enquanto vai atrasar os terroristas.
A ladra sobre a escada numa agilidade absurda, tanto que o limo naquele velho metal não a fez perder o equilíbrio.
O piloto joga a arma para Felicia e pede para que ela dispare enquanto ele sobre.
- Não me acerte!
As mãos trêmulas. Os olhos abertos. O suor lhe descendo o pescoço. Ela aperta o gatilho e o impulso a joga para trás.
Charles está com a metade do corpo para fora enquanto sua parceira se levanta e se aproxima para continuar disparando.
Um grito. Aterrorizante.
- Minha perna!
Felicia joga a arma longe e puxa o amigo pelo braço.
- Levanta, vamos!
E continua puxando, até que o retira por completo.
O rio de sangue.
- Meu Deus! Você… você…
- Corre, Felicia. Vai sem mim.
- Não! Não vou te deixar aqui, sozinho… eles vão te matar!
- Eu não vou sobreviver a este ferimentos, Felicia. Vá embora! Fuja! Procure abrigo ou a embaixada!
- Eu não vou te deixar, Charles! Você não entende?
- Se você ficar aqui nó dois vamos morrer e de nada vai ter adiantado! Além do mais… você… já conseguiu o que queria…
Novas rajadas.
Charles sorri e fecha os olhos.
Felicia grita e chora. Lágrimas rolam e se misturam com o suor.
- Não, Charles! NÃO!
Ela ouve os terroristas se aproximando. Se aproxima de Charles e o revista. Pega um celular e a carteira dele. E corre.
Pelo deserto.
Mas ela escuta um tiro e um grito de Charles.
“Não olhe para trás… não olhe!”
Ela continua correndo.
A temperatura caiu. Como em qualquer deserto.
Ela não enxerga nada, nem com o intensificador de luz da lente. Apenas areia. E pouca vegetação.
Ouve barulho de máquinas; veículos à sua procura.
Felicia não parou de correr. As pernas doíam. Ela não parou de correr um minuto. Estava sem fôlego, seu abdome ardia. E vomitou enquanto corria.
Centro Médico Cornell
- O que vai fazer quando sair, Carol?
- Procurar por Felicia.
- Onde?
- Não sei… ainda estou perdida em relação a isso. Mas tenho minhas maneiras de conseguir informações sobre ela.
- Felicia te fez bem, não é?
- Muito. Me deu forças para lutar de novo, Bob.
- Bom saber que você é grata e por isso vai retribuir.
- Uma vez a gente comentou de Warbird e Gata Negra atuarem juntas! Parece que é o nosso destino, ao menos por agora.
Deserto do Bahrein
Para se sentir mais leve, Felicia se desfez da bolsa. Com ela, agora, apenas o celular e a carteira de Charles e a cítala.
Já não ouvia mais os ruídos dos jipes e dos helicópteros. Sua visão era aproximada ao máximo e não revelava perigo.
Assim ela sentou no seco chão.
Cabeça baixa, ainda suspirava pela morte do seu amigo-amante. Não tinha nem coragem para olhar os objetos que pegou dele.
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