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Gata Negra #31: Distrações fatais 1/7

Gata Negra #31: Distrações fatais 1/7

Felicia, finalmente, recebe o último trabalho a mando do sórdido Camaleão. Mas, dessa vez, a viagem parece que vai ser mais longa e perigosa do que imaginado: tem terrorista na conversa!   

NYC, Dia. Bela manhã, por sinal   

Não foi um reencontro romântico. Muito pelo contrário. Peter e Felicia sofriam as consequências físicas dos poderes. A noite foi longa. Pouca conversa. Quase nenhum pedido de desculpas. Muito amor. [1]

Felicia sabe que Peter não resiste à ela. Seria absurdo dizer que Felicia esqueceu Peter. É provado que quando os dois se encontram é tudo intenso. Sempre.   

De manhã cedo, o raio solar foi barrado pela cortina do quarto da atual casa da Gata Negra. Como raríssimas vezes, neste momento, ela não pensa em luxo. E sim, em quem está ao seu lado.   

Os delicados dedos dela passeiam pelo rosto do homem que ama. Ela se sente feliz como há muito tempo não sentia. Um sorriso diferente que abafava a pergunta “vamos deixar de ser quem somos, esquecer o passado e começar de novo?”.   

Aquela manhã prometia ser eterna. Parecia que seria uma típica segunda-feira em Manhattan. Prometia.   

Batidas fortes à porta. Desespero. Ninguém a pode ver acompanhada. Ainda mais pelo homem-herói, que deixou seu uniforme vermelho e azul jogado ao chão do quarto.   

Felicia puxa o cobertor e ao se enrolar vê aquele corpo masculino despido. Morde os lábios.   

“Não, não, não, não, não!”   

Corre se batendo pelos poucos moveis até abrir a porta.   

Michelle.   

Preocupação.   

Ao tempo em que a agente entra e se acomoda no sofá, a ladra olha discretamente para o quarto, rezando para que Peter não acorde.   

Se ele acordar e vier à sala, procurando por Felicia, Michelle vai querer satisfações.   

Se ele acordar e vier à sala, procurando por Felicia, vai querer satisfações.   

- Eu vim te buscar, Felicia.   

- Nossa, parece até a Morte falando assim…  

- É hora do seu ultimo trabalho.   

- Como, do nada?   

- Eu tinha te avisado que este seria repentino… e perigoso.   

- Repentino pode ser… mas perigoso?   

- Vista-se. Estamos atrasadas.   

- Me dá cinco minutos.   

Outra correria até o quarto. porta fechada. Peter ainda dorme.   

“Minha curiosidade está me matando! Para onde vou dessa vez? O que vou ter que roubar? Não posso falar sobre esse assunto com ele deitado na minha cama.”   

Ele.   

Enquanto se troca, Felicia o olha. Imagina que essa que poderia ser a maior chance de reatar estava sendo jogada no lixo.   

Em uma pequena sacola coloca poucas peças de roupas. Escreve um bilhete inventando uma desculpa qualquer e promete procurá-lo assim que retornar.   

“Estou me sentindo o homem da relação.”   

Ela deixa o bilhete sobre o uniforme do aracnídeo e o beija à boca. Sussurra que o ama e lhe morde a orelha.   

Felicia sai do quarto. Seu uniforme negro ficou em cima do puff, ao lado da cama.   

Ruas de Manhattan

Dentro de um carro, Felicia e Michelle vão em silêncio até encontrar um local mais calmo.   

- Muito bem, Felicia. Assim que concluir este serviço você será liberada e terá todos seus registros criminosos apagados.   

- Para onde vou dessa vez?   

- Peru.   

- Cada dia me surpreendo mais… e olha que pensava que isso não seria possível…  

- Você precisa comprar algo… o modelo de criação de uma bomba.   

- Não seria mais a minha cara roubar? 

- Só se você fosse como você.   

- Não entendi.   

Michelle suspira e sai do carro. Em poucos segundos Felicia a acompanha.   

- Há meses o FBI vem fazendo contato com uns guerrilheiros peruanos, porque eles têm as informações desta arma.   

- Não sei como posso ajudar.   

- Eu sou o contato do FBI com os sul-americanos. Só que eles nunca me viram.   

- Vou chegar lá sem dinheiro?   

- Não sabe negociar?   

- Minha arte é outra, Michelle.   

- Eu confio em você. Quero que saiba de uma coisa: assim que você conseguir a planta, ligue para aquele número.   

- RAYA?   

- É um contato internacional que pode ser realizado de qualquer telefone, desde que ele tenha teclas. Mas só me ligue quando estiver tudo certo.   

- Há um problema. O governo não quis liberar a verba para suas passagens.   

- Que piada é essa?   

- Se você voltar com o material vai ser reembolsada.   

- Quando tenho que chegar lá?   

- Amanhã.   

- Nem sei se tem voo e…  

- É um problema seu. Não esqueça de que estamos falando do seu último trabalho.   

- Já entendi. E meus contatos lá? Quem procuro?   

- Pegue este envelope. Aí tem o necessário.   

- Como sempre… vai acabar me faltando dado e vou ter que me virar sozinha.   

- Boa sorte. – entra no carro e deixa Felicia sozinha, em pé.   

“Como sempre digo: não preciso de sorte. Preciso de cautela.”   

O sorriso na face. Mas dessa vez, o sorriso bobo. Lembranças do Aranha. E o uniforme que ficou no quarto.   

Seu problema agora é outro: como viajar.   

Outro sorriso.   

Aeroporto particular, continente  

O olhar buscava aquele bom amigo, em vão. Suas pernas agora tremiam. Não era possível estar tão perto de ficar livre, e ao mesmo tempo ser tão longe…  

Mãos lhe tocam a cintura. O movimento, como reflexo, foi puxar a cabeça do agressor por cima do ombro direito.   

- Ei… gasp… sou eu!   

Charles.   

- Nunca mais faça isso comigo. Nunca mais!   

- Desculpa, meu amor. A saudade bateu?   

- Carona?   

- O que não faço por você? Destino?   

- Peru.   

- Tão longe? Eu não sei…  

- Charles, preciso muito disso. E prometo que te pago quando voltar.   

- Isso não é problema, Felicia. Só queria entender o motivo dessas viagens.   

- Uma dia, Charlie, um dia, prometo que te conto.   

- Quando tem que chegar lá?   

- Pegue minha “bagagem”.   

- É um convite para…  

- Tenho que chegar lá… ontem.   

Em algum lugar sobre a América Latina  

Sentada, pensativa, sem mexer no envelope, Felicia olha o céu. Charles se aproxima com duas canecas.  

- Café – serve e a ladra pega uma caneca – Quero te perguntar duas coisas.   

- Não, não vou me casar com você.   

- Então são três.   

Os dois riem.   

- Sério… você lembrou quem é aquela pessoa da foto que te mostrei?   

- Sim… no momento mais improvável.   

- Quem é?   

O mínimo que Felicia podia fazer agora era ser sincera. Afinal, Charles sempre a ajudou sem cobrar nada… tá, uns beijos e algo mais… mas ela tinha medo de que ele pudesse ser prejudicado de alguma forma, caso soubesse a história verdadeira. Por outro lado, Felicia estava sozinha, confusa, dolorida.   

- Bom… aquele homem é um assassino.   

Charles deixa a caneca cair.   

- O que ele… mas Felicia…  

- Ele não vai me matar. Eu acho. Aquela mulher que ele acompanha… a filha dela foi sequestrada e o homem deve estar por trás disso.   

- E as autoridades?   

- Ela não existe para assuntos ligados ao mundo do crime.   

- Essa sua viagem para o Peru tem alguma relação com ele?   

- Estou desconfiada, não posso confirmar.   

- O que vai fazer no Peru?   

- Fazer compras.   

- Hum… não seria melhor roubar?   

- Esse não é o trabalho. Por isso não vejo graça…  

- Eu vou te acompanhar.   

- Não mesmo!   

- Felicia, eu não sei onde vou parar a aeronave! Não tenho permissão para cruzar espaço aéreo sul-americano! Vou te deixar no local exato. Por sinal, onde é?   

A ladra abre o envelope. Retira, além de outros papeis, uma carta cartográfica e coloca sobre as pernas.  

- Pelo que vejo aqui… na região dos vales dos rios Jan e Huallaga.   

- Vou precisar disso para traçar a rota. O problema vai ser se formos detectados. Mas tenho como dar um jeito nisso.   

Charles leva o mapa para a cabine e volta.   

- Segunda pergunta, meu querido?   

- Bom… por que você está com essa cara de boba? Nem um beijo você me deu e…  

- É tão aparente assim?   

- Nunca te vi com esse sorriso…  

- Faz tempo que ele não aparece na minha face, Charlie.   

- Está me traindo?   

- Limpa essa sujeira. Odeio cheiro de carpete molhado, ainda mais por café.   

Felicia volta a descansar e Charles reassume o voo. Enquanto traça o percurso, mexe em uma espécie de comunicador, e, pelo rádio, diz códigos estranhos.   

A cada troca de informações, ele mexe no navegador, luzes acendem e apagam, um ruído diferente.   

- Agora, belezinha, estamos invisíveis!   

NYC

Camaleão e Bumerangue estão na sala de reunião. Sobre a mesa, os objetos roubados pela Gata. Camaleão está segurando o Cinturão Cósmico.   

- O senhor sabe como isso funciona?   

- Já tentei de tudo, Meyer. Existe uma conversa de que são poucas as pessoas que sabem como o Cinturão funciona. Ao menos se eu sei que ele existe, sei que ele funciona. E bate com minhas pesquisas.   

- Este novo trabalho… o senhor acha que ela vai conseguir?   

- Tenho minhas dúvidas. A primeira: como ela vai para lá?   

- Pelo pouco que sei dela, já deve estar chegando. Para as mulheres tudo é mais fácil.   

- A segunda é: o que ela vai encontrar lá.   

- Ela dá um jeito, como sempre.   

- Terceira: como ela volta? E quarta: o que fazer com ela, assim que retornar?   

- Enquanto a Julia?   

- Quando Felicia me ligar dizendo que está com a planta, vou soltá-la.   

- A filha também?   

- Essa só quando o modelo estiver comigo.   

Departamento de Huánuco, distante 558 quilômetros de Lima, Peru

O avião sobrevoa a localidade. No meio dos vales, está o destino. Seguindo as coordenadas no mapa, fica fácil ver uma pista de pouco e decolagem simples, e pequenas construções ao redor de uma grande casa.   

De cima os dois podem ver pessoas correndo na direção do local onde a nave vai parar. Eles se mantêm em posição de ataque.   

O avião toca o solo e, ao parar, os homens, vestidos de roupas camufladas apontam armas pesadas.   

Ao desembarcarem são levados para a casa grande, sem trocar uma palavra.   

Mãos na cabeça, um na frente do outro.   

A casa.   

A mansão, na verdade.   

Na parte de cima, no fim da escadaria de mármore, está um homem acompanhado por dois seguranças.  

Felicia e Charles caminham e sobem os degraus limpos.   

- Chegou mais cedo do que imaginei, Michelle – num sotaque carregado.   

- Eu fiz o que pude, como sempre.   

- Quem te acompanha?   

- Meu piloto-segurança. Não poderia vir nos meios oficiais, comuns… então…  

- Venham, entrem. Desculpem pela recepção, mas você sabe como é…  

Na grande sala, um banquete.   

- Devem estar com fome e cansados, não é? Aproveitem. Podemos negociar mais tarde…  

- Quando mais cedo, melhor, Ismael Guzmán.   

Charles arregala o olho.   

- Pois bem… Então dispenso apresentações, não é?   

- Queria ouvir a versão pessoalmente.   

Guzmán sorri.   

Os seguranças continuam na sala, os empregados colocam mais comida e bebida e saem.   

- Sou descendente direto de Abimael Guzmán, líder do Sendero Luminoso, que liderou a luta armada contra o governo.   

- E está na ativa de novo – diz Felicia.   

- Nosso grupo maoísta nunca abandonou a guerrilha, Michelle. Engraçado vocês, americanos, não saberem disso.   

- Sabemos… tanto que eu vim negociar com você. Não queremos a bomba nas mãos de terroristas.   

- Terroristas? Nós? Eu não vou entrar nessa discussão. Eu gosto de você, Michelle. Mas não complique as coisas.   

Felicia sorri e se seve da comida.   

- Quando meu pai foi preso em 1992, junto com minha mãe, Elena Iparraguirre, e uma dezena de auxiliares, eu jurei pra mim mesmo que manteria vivo o vermelho da liberdade. Atualmente estamos mais discretos, fazendo trabalhos nas fronteias, ajudando traficantes e poucas vezes, expandindo nossa atuação no outro lado do mundo.   

- O que o “presidente Gonzalo”, não é assim que ele se chamava? O que ele acharia disso?   

- Não vem ao caso. O que importa é o que eu acho. Estou no comando agora.   

- Onde está a planta, camarada?   

- Em um lugar escondido. Eu pensei muito no que vocês vão fazer com essa planta. Por isso estendi a negociação.   

- Como assim? Não fazia parte do trato.   

- Não firmamos trato algum. Apenas conversamos.   

- Como vai estender a negociação?   

- Vai ficar sabendo. A comida está do seu agrado?   

Madrugada

Felicia está acordada, sentada na cama. Os papéis mandados por Michelle finalmente foram suficientes. A história do Sendero Luminoso, que causou temor na elite peruana nos anos 80, combatendo o governo de Alberto Fujimore, considerado uma ditadura de latifundiários feudais e grandes burgueses apoiados pelo imperialismo norte-americano.   

Poucos minutos depois ela se levanta e sai do aposento.   

“Hunf, que piada… tanto luxo… que diferença daqueles que se uniram aos pobre camponeses…”  

Ela caminha pela mansão. Olha os quadros com imagens do revolucionário chinês Mao Tsé Tung.   

“Talvez esteja atrás de uma dessas molduras…”  

Alguém tosse.   

- Procurando algo, agente?   

Assustada, Felicia olha para trás.   

- Sou Víctor Aponte Sinalagua, chefe militar do Sendero. Está precisando de algo?   

- Não, apenas sem sono.   

“Droga!”   

- Interessante. Vou ser sincero, ainda não acredito em você.   

- Como assim?   

- Uma agente federal que está traindo uma nação. É verdade?   

- Você não está traindo a sua, ajudando Ismael?   

- É diferente. Se trata de valores.   

- No meu caso também: se trata de valores. Dólares.   

- Hum… falando em economia, a nossa continua sendo baseada na produção de coca.   

- Sempre vai dar dinheiro.   

- Quer dar uma volta pela mansão?   

- Não, obrigada. Vou dormir. Até amanhã, Víctor.   

Felicia volta para o quarto, resmungando.   

“Tá, Felicia, mas o que exatamente você queria? Procurar a planta nesta cassa enorme? Cheia de seguranças muito bem equipados? Um lugar que você não conhece, cheio de gente que mata por prazer e depois pendura um cachorro morto em um poste num local muito movimentado de uma cidade peruana, como um aviso de que alguém importante foi morreu. Não. Não quero isso para mim. Porque eu preciso voltar o mais rápido possível para Manhattan. Alguém me espera…”  

Manhã seguinte

Sol forte. Calor intenso. Depois do banho Felicia se juntou ao restante dos moradores, com exceção de Guzmán, para o café da manhã. Ao seu lado, sentado, estava Charles, com cara de poucos amigos.   

- Noite mal dormida?   

- Claro. Ficamos em quartos separados.   

- Vá se acostumando.   

- Bom dia, Michelle – diz Víctor – Dormiu bem?   

- Muito.   

Charles olha, espantado.   

- Que decepção – sussurra.   

- Depois conversamos – responde Felicia, no mesmo tom.   

Charles dá um longo gole no café.   

- Onde está Ismael, Víctor.   

- Lá fora. Esperando algo.   

- Podemos nos juntar a ele?   

Barulho de avião.   

- Estamos esperando mais alguém? – pergunta Felicia.   

- Visitas.   

Todos saem da mesa, menos Felicia e Charles.   

- Você passou a noite com ele, foi?   

- Relaxa. Eu estava tentando encontrar a planta, mas ele me surpreendeu. Daí ficamos conversando. Quero saber quem está chegando.   

- Deve ter alguma relação com o que Guzmán disse ontem, sobre o trato.   

- Sinto cheiro de problema. Vamos.   

A dupla corre e ao chegar na porta principal vê Guzmán cumprimentando alguém estranho.   

Os dois se aproximam.   

Guzmán olha para Felicia.   

- Era disso que eu falava, Michele. Conheça Hakim Abdullah, terrorista xiita do Bahrein. Ele também está muito interessado na planta da bomba nitro-nuclear.   

Charles desmaia.   

- Perdoe meu parceiro, Guzmán. Ele deve estar com insolação.   

***

Nota:

[1] O reencontro nada romântico aconteceu em Homem-Aranha edição 38 a última do amigão da vizinhança no site da Quadrim! (Infelizmente, não tenho esse material)


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