Gata Negra #23: Felicia no País das Maravilhas
Um cochilo no Central Park e um encontro com um assassino que gosta muito de falar...
I
Era uma vez, uma bela tarde de primavera em Nova York. O Central Park estava repleto de famílias felizes que caminhavam pelo bosque. E nesse paradisíaco cenário, Felicia Hardy, a perigosa Gata Negra, estende uma toalha no centro de uma roda de flores diversas e se encosta a uma vistosa árvore. Ela pega um livro pomposo, com a capa bem trabalhada, dá uma rápida folheada e inicia a leitura. Alguns pássaros sobrevoam o círculo, outros se aproximam e parecem acompanhar os esverdeados olhos de Felicia percorrendo cada frase.
O forte cheiro das plantas atraem insetos que se prontificam na colheita do pólen. Não há outros ruídos, senão o belo canto dos alegres passarinhos. O ar torna-se puro e cheiroso, a temperatura, amena. A cada folha passada, Felicia parece entrar em transe. Novamente, o forte cheiro das flores, o cantarolar dos pássaros. Como um mundo irreal, não obstante da tumultuada Manhattan, ela coloca o livro sobre o busto e encosta a cabeça no estonteante caule d’árvore, que agora lhe proporciona sombra. Ela parece adormecer…
II
Lentamente Felicia abre os olhos. O mesmo cenário, o mesmo odor, o mesmo canto. Mas um som está diferente. Grama sendo pisada, como se alguém corresse. Felicia coloca o livro na toalha e se ajoelha. Os pássaros debandam e o forte cheiro diminui. Ela, então, percebe uma pessoa se escondendo por trás de algumas moitas. Levante e busca o causador do seu despertar. A cada arbusto revistado uma surpresa: pegadas.
- Sai da frente!
Um susto. Felicia não consegue reconhecer o culpado por tanto estardalhaço. Novamente, o ser se esbarra na moça, mas dessa vez Felicia usa a agilidade e consegue segurar o braço de quem a assusta.
- Aranha?
- Não posso conversar, estou atrasado!
- O que está acontecendo?
Mas ele não responde e corre, segurando um pesado rádio-relógio. Felicia o segue e o vê retirar a toalha e entrar por uma… porta na árvore! Ela não hesita e também adentra. Está escuro e frio. Ela caminha silenciosamente, mas, ao descobrir que não há mais solo, cai em um fundo buraco.
III
Ao se recuperar, ela abre os olhos. Uma linda floresta, com tijolos coloridos fazendo uma trilha. Ela procura pelo Homem-Aranha. Grita seu nome, mas não obtém resposta. Então, caminha pela bela estrada.
- Olá passarinhos! Olá plantas! Olá sol! Olá a todos os outros seres vivos!
Seu peito se enche de ar e ela cantarola músicas que marcaram sua infância, e se encaixam, adequadamente, na situação. Ela saltita serelepe e radiante. Não há pensamentos além de encontrar Peter Parker. O seu calçado incomoda. Ela retira uma pedra que estava dentro do pisante e arremessa em uma maçã vistosa, ainda no pé.
- Ui, ui!
Seus olhos nada veem. Ela, então, encontra um pedregulho e atira no mesmo local.
- Essa doeu!
- Quem está aí? Por favor, apareça!
- Bwhehehe!
- Ei, essa fala não é minha! E sim, essa: deixa de palhaçada e se mostre!
Um sorriso coberto por um pano faz-se no ar. Felicia olha, admirada.
- Psiu!
- O que é?
Então, um homem alto e forte, vestido com uma roupa vermelha e preta, aparece.
- Você está perdida, bela donzela dos cabelos platinados?
- Não. Quem é você? E por que a toda hora fica invisível?
- Eu não fico invisível. Eu me teletransporto!
- O que mais?
- Tenho fator de cura!
- O que mais?
- Possuo um arsenal de causar inveja a Colin Powell.
- E mais o quê?
- Sou invencível, bwhehehe!
- E qual a sua graça?
- Deadpool, ao seu dispor. Em qualquer situação…
- Não perguntei a sua graça no sentido de seu nome. E sim, qual a graça em ter tudo isso?
- Eu posso te mostrar! Afinal, temos a eternidade para ficar juntos! Satisfação garantida, ou uma segunda tentativa.
- Que absurdo! Fala muito… deve fazer pouco.
- Uma das minhas inúmeras vantagens. Eu falo e posso provar. Quer?
- Quero apenas encontrar o Homem-Aranha e ir embora.
- Tudo bem. Eu posso te ajudar, mas quero algo em troca.
- E o que seria?
- Primeiro, vamos encontrá-lo.
IV
Felicia e seu novo amiguinho caminham pela estrada. Vez ou outra, o Mercenário Tagarela analisa o “material” que o acompanha.
- Curvilíneo… Muito exercício?
- Preciso estar sempre em forma. O trabalho exige.
- Dançarina? Afinal, você é loura…
- LADRA.
O pentelho sorriso de deadpool some da face. Ele percebe que Felicia está nervosa.
- Líquido, sólido ou gasoso?
- Como?
- O que prefere? Você está no País das Maravilhas. Eu sou o seu guia. Então, escolhe, gatinha!
- Os três!
- Hum, gulosa! Fetiche? Ménage à trois… Bwhehehe! Um de cada vez…
- Como é mesmo o seu nome?
- Deadpool, o arrasa-quarteirão.
- Ok, DaddyPaul. Gasoso.
Os dois caminham mais rápido. Ao fundo, no horizonte, montanhas nas formas de “paus” (o naipe do baralho…). Eles chegam a um lugar mais escuro. A névoa cobre a passagem dos raios solares.
- Cof, cof! Isso é o gasoso?
- Não. Olhe!
Sentado num cogumelo gigantesco, um lagarto fuma algo… ilícito.
- Fala, Lagartão Beira-Mar!
- Deadpool! Voltou a exportar mulheres para o “turismo”?
- Bwhehehe! Essa aí caiu na área. Está procurando o Homem-Aranha. Você o viu?
- Não lembro… Eu vi escorpião, tarântula, viúva-negra… mas Homem-Aranha, não. Vai um?
- Não aceito, obrigado. Prefiro ajudar essa gostos… digo, gatinha.
- Amigo seu, Daddy?
- De infância. Então, já fui, Lagartão. E cuidado com os hômi!
- Se quiser vender essa lôra, te dou um bom bagulho…
- Bwhehehe!
- Se vocês tentarem algo, é bom que aguentem as consequências!
- Ui! Adoro mulher assim! Sexo selvagem tá com tudo…
- Calaboca, Daddy! Para onde vamos agora?
- Sólido ou líquido?
- Líquido.
V
- Então foi assim que veio parar aqui?
- Pode parecer piada, mas foi.
- Por que não fica aqui? Podemos fazer tanta coisa juntos…
- Vamos procurar o Aranha.
Deadpool segura a mão de Felicia, que já não liga mais para as tentativas do seu novo amigo. Chegam a um lugar, um campo vasto. Animais correm, saltam… E no centro, perto de uma lagoa, uma mesa de 20 metros de comprimento. Na cabeceira, um homem magro porta uma cartola. No centro, um de frente para o outro, um lobo e uma ovelha.
- Colé, Chá-pa-doisdo?
- Pooldead! Aceita um chá?
- Não!
- Você viu o Homem-Aranha? Estou procurando há muito tempo!
- Aceita um chá? Não, não o vi, moça. Servem um lobo e uma ovelha? Homem-Aranha tá em falta…
Felicia e Deadpool cruzam olhares. O Chá-pa ordena que eles sentem. O lobo uiva, assustando a ovelha.
- Querem chá?
- Não!
- Não!
- Tenho biscoitos e doces de chá… Aceitam?
- Daddy, vamos embora. Estou perdendo a paciência.
No momento em que levantam, a ovelha parte para cima do lobo. Os dois duelam com fúria. A dupla não acredita no que vê: a ovelha estraçalha o lobo e come suas vísceras. O Chá-pa oferece, outra vez, o chá. Resposta negativa.
- NINGUÉM recusa minha bebida! – e saca uma metralhadora.
Deadpool se teletransporta para o lado de Felicia e a empurra, derrubando-a no chão.
- Felicia, ou matamos ele, ou morremos!
Ela salta a mesa e, acrobaticamente, chega ao doido. Ela o chuta, dá socos, enquanto Deadpool corta a cabeça da ovelha sanguinária. O Chá-pa continua disparando ao relento até que o pentelho assassino o rende e o acorrenta deitado sobre a mesa.
- Vâmo nessa, Felicia. É hora do sólido!
- Não vou. Você disse que ia me ajudar a encontrar o Aranha!
- Então?
- Até agora só vi uma lagarta traficante e um louco que oferece chá!
- Mas então! Ele só pode estar no sólido. Bora!
Os dois caminham e reencontram a estrada colorida. Felicia arranca uma das pedras e a segura, admirada. No mesmo instante, algumas cartas de baralho surgem, voando. Elas ganham forma de humanos.
- Sua mão-leve! Não podia se segurar até ir embora?
- Foi péssimo, Paul. Mas é que eu…
- Rendam-se em nome da Rainha de Paus!
- Ei… não seria Copas, soldado?
- Não, Deadpool. É Paus.
Felicia sorri. Seu abdome dói de tanta risada. Os dois são rendidos e levados em direção a um castelo… colorido.
- Esse é o sólido, Daddy?
VI
No grande salão repleto de naipes em ouro puro, ao fundo, o Rei e a Rainha se “embaralham” na frente de todos os súditos. Felicia olha, chocada, enquanto Deadpool se diverte, gritando incentivos. O Valete de Paus corre atrás da Dama e se juntam ao Rei e a Rainha. Felicia anda pelo castelo, procurando o Aranha, mas o Ás a rende e a leva ao Rei.
- Uma intrusa no Reino? E logo na hora do “carteado”?
- Estou procurando o Homem-Aranha, majestade!
- Você é ladra?
- Sim… não!
- Como não? Roubou uma pedra da estrada!
- Foi um impulso!
- Você só será livre se roubar a coroa do Rei de Ouros para mim.
- Ei, chefia?! Não basta ter roubado a estrada? Bwhehehe!
- Calado, Deadpool. Guardas, detenham eles!
Inúmeras cartas – numeradas de 2 à 10 – avançam contra o Tagarela. Felicia se aproxima do Rei.
- Onde está o Aranha? Se ele voltar para mim eu roubo a coroa.
- Felicia, sua tonta! Esse não é o Aranha original.
- Não?!
- Não – diz o monarca – É um clone. Ben Reilly. Hahahaha!
Os olhos de Felicia se enchem de raiva e ela voa contra o Rei. No outro lado do salão, Deadpool estraçalha os homens-cartas-de-baralho.
- Nunca pensei que jogar baralho fosse tão divertido, bwhehehe!, e arremessa uma carta sobre outras.
Em seguida, ele saca uma espada e acaba com a majestade. Gargalhada. Deadpool corre e abraça Felicia. Ela nota que ele está MUITO próximo. Sente a pressão… Ela é forçada a se agachar e acaba perguntando, olhando para cima, para os olhos do seu amigo, o que ele quer.
- Você nessa posição, na minha frente… Mas, para sua sorte você já conseguiu.
- Já?
- Sim, eu queria a Coroa de Paus! Bwhehehe!
- Para quê?
- Não viu ainda? O Exército de Ouros está invadindo o reino de Paus. Quando descobrirem que EU sou o novo Rei de Paus… me tornarei o Rei dos Naipes! O Rei do País das Maravilhas, bwhehehe!
- Tou entendendo nada…
- Felicia, sua pervertida! Você me ajudou a unificar o País das Maravilhas, que antes era separado pelos naipes. O primeiro conquistado por mim foi o de Copas, seguido por Espada, Ouro e agora, Paus!
- Então você me usou…
- Vai dizer que não gosta de ser usada, bwhehehe!
- Seu tratante!
Felicia parte para cima de Deadpool e o esmurra. Ele, parado, apenas se diverte com a situação.
- Seu cretino! Eu perdendo meu tempo aqui com você!
- É bom que se acostume, gatinha. Afinal, você vai se tornar a Rainha dos Naipes e reinará comigo! E será obrigada a me dar herdeiros!
- NUNCA!!!
Deadpool agarra Felicia e a beija o busto, segura-a pelo pescoço, morde o seu queixo…
- Felicia, você é minha!
- Prefiro a morte!
- Felicia! Felicia!
- Argh!
- Felicia acorde!
- Hã?
- Sou eu, Peter. Você está tendo um pesadelo!
- Peter! Que bom que é você! Me abrace!
- O que houve?
- Tive um sonho bizarro… com o Deadpool!
- Nossa! Me conta como foi?
- Você realmente não vai querer saber! Quase enlouqueci!
- Mas estou aqui com você! Levante-se, vamos tomar um chá.
- Peter Parker! Nunca mais me ofereça essa bebida! Caso contrário, corto sua cabeça!
- Mas…
- Nada de “mas”. Vamos tomar um café. E por favor, prometa que nunca vai me deixar adormecer no Central Park outra vez…
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