Gata Negra #19: A Gata tem sete vidas
Nova York, Costa Leste
De todas as casas daquele luxuoso bairro, a única que ainda tinha alguma luz acesa era a de Felicia Hardy. Na janela, uma mulher com a expressão triste. Lydia Hardy, mãe da ex-ladra, permanece estática, como se esperasse o regresso da filha. O silêncio é interrompido quando um carro do FBI pára no portão. Um vulto sai do veículo e se apresenta à segurança. Lydia percebe o movimento e desce.
- Você é…
- Exato, senhora Hardy. Agente Michelle, FBI.
- Mas… FBI? Só pode ser… O que aconteceu com minha filha?
- Tenho uma boa notícia para lhe dar.
As duas entram e Lydia oferece um café. A apreensão não é disfarçada e Michelle apenas faz um sinal, o que acaba tranqüilizando a mãe da Gata Negra.
- Vim conversar sobre a sua filha, senhora…
- Lydia. Esqueça as formalidades, Michelle. O que aconteceu?
- Felicia está prestes a sair do Centro Médico.
- Isso é maravilhoso! Ela virá para casa?
- Não. Ela passará por um processo de retorno à sociedade. Isso é um projeto novo e secreto que o FBI está desenvolvendo. Apenas a ‘paciente’ e o parente mais próximo sabem.
- Entendo. Quanto tempo ainda para ela se recuperar?
- Depende de como ela se saia nos exames. Mas acredito que não em menos de quatro meses.
- QUATRO meses??
- Lydia, a senhora não gostaria de ver sua filha 100% regenerada, livre de qualquer tentação?
- Sim, mas… ela é minha filha!
- Por isso vim comunicá-la pessoalmente.
- Eu tenho o direito de não aceitar esse teste?
- Infelizmente não. São ordens do Governo.
- Desculpe, Michelle. Mas não é fácil para uma mãe ver a filha passando por mais tratamentos… Além do mais…
- É o melhor para ela, Lydia. Houve uns problemas em Cornell, o que debilitaram um pouco a recuperação de Felicia.
- Grave?
- Não. Mas, mesmo assim, precisamos levá-la para esse programa.
- Poderia, ao menos, me despedir?
- Vou abrir uma exceção…
Centro Médico Cornell
O dia já tinha começado há algum tempo. O sol estava forte e o clima era estranho para a época do ano. Em uma parte do campo, uma roda de mulheres. E nela, estavam Felicia e Carol. Essa era uma parte do tratamento que Felicia não era muito fã: tinha que falar sobre os próprios medos e amores. Isso era estranho, afinal ela sempre teve a fama de ser imbatível e destemida e, aos olhos de quem estava presente, não era de fácil aceitação saber que a Gata Negra tinha medos. Principalmente, ouvir sobre uma conturbada relação – fracassada – com o Homem-Aranha.
- Uma coisa que posso afirmar, com extrema convicção, é de que, naquele momento, fomos felizes. Apesar de tantos problemas que cercavam nossa tumultuada história de amor, eu o amava. Sim, aprendi a não amá-lo mais. De fato, quando recebi a sua primeira visita, senti meu coração bater desesperadamente. Mas o tempo foi me ensinando a fechar uma cicatriz que…
E o desabafo deu-se por um longo tempo. Cada um ali tinha um problema, um fato. Mas aquele momento era especial. Todos queriam saber da agitada vida da Gata Negra.
Califórnia, Costa Oeste
- Fred?
- Diga, Julia.
- Preciso ver minha filha.
- O Camaleão já conversou com você sobre isso.
- Sim, mas não sei como nem onde ela está. Traga-a para mim, por favor.
- Esse não é o meu trabalho, Julia. Apenas sigo ordens.
- Sempre será um subalterno. Aceitará ordens de quem paga mais. Não tem índole?
- A minha índole eu conto em dólares. Fique na sua, Mulher-Aranha. O Camaleão está com novidades para você…
Centro Médico Cornell
O fim de um dia. E no local de sempre, Felicia e Carol observavam o pôr-do-sol resenhando a atividade da tarde. Era difícil aceitar o fato de que todos têm problemas. Sejam eles simples, exaustivos, ou apenas desesperadores. Ao longe, dois seguranças do Centro acompanhavam duas mulheres. Felicia ativou a visão e aproximou a imagem. No mesmo instante, levantou-se e correu ao encontro da sua mãe.
- Minha filha…
- Mamãe!
O abraço sincero. Carol, sem entender a atitude da amiga, correu e se aproximou. A agente Michelle apenas observava a cena, preocupada em não deixar Lydia falar mais do que devia. Afinal, tinha muita gente que não poderia estragar o ‘seu plano’.
- Michelle? O que você está fazendo aqui, com minha mãe?
- Como você está, Felicia? Vim acompanhar Lydia em uma visita.
- Visita supervisionada?
- Em termos. Sua colega poderia nos deixar a sós?
Carol entende o recado e se retira com os dois seguranças, sem esconder o desentendimento.
- Felicia, tenho boas notícias para você.
- Espere! Mamãe, como está Ônix? Sinto tanta saudade daquele traste!
- Ele está bem, Fel. Com saudades, como todos da casa, da cidade…
- Lydia, eu preciso conversar com Felicia em particular. Daqui a pouco você termina de se despedir, pode ser?
- Claro, Michelle. Filha, eu volto logo.
Assim que Lydia se retirou, Felicia e Michelle se sentaram em um banco.
- Felicia, vou ser breve. E se tiver alguma dúvida, tire comigo o mais breve também.
- O que houve, Michelle? Você vir aqui, do nada, para conversar comigo…
- O Governo resolveu te dar uma outra chance.
- Verdade?
- Sim, você terá sua ficha limpa.
- Se…
- Você não muda mesmo.
- Você disse que seria breve…
- Você terá sua ficha limpa, será uma cidadã sem delitos registrados. Mas para isso, terá que trabalhar para o Governo.
- Como?
- Exatamente. O Governo precisa de umas informações e concluiu que você é a pessoa mais indicada para esse tipo de trabalho.
- Michelle, eu entrei aqui justamente para me curar desse mal que é essa minha vida e você aparece, fazendo-me uma proposta que vai contra todo o tratamento?
- Felicia, preste atenção. Seu nome está sujo, você está sem credibilidade… O que fará assim que sair do Centro? Vai reabrir a Cat’s Eye e resolver problemas ínfimos?
- Eu ainda não sei.
- Vai roubar?
- Michelle?!
- Vai tentar uma outra parceria com o Homem-Aranha?
- Você está me…
- Nada disso, Felicia. Aceite. Faça os trabalhos para o Governo e poderá, depois, ser o que quiser.
- Quando tenho que dar a resposta?
- Agora. Sua mãe acha que você vai fazer um tratamento especial do FBI.
- Você enganou minha mãe!
- Quer que eu conte que você vai roubar para o Governo, em vez de ter uma vida repleta de – péssimas – consequências? Entenda, você não tem escolha. A não ser que queira tentar a vida como garçonete, ou uma pessoa fútil que vive para a coluna social.
Felicia se levanta e segura o pescoço da agente. O ódio escorre pelos seus olhos.
- Não pense você que pode fazer chantagens comigo!
- Posso, Felicia. Assuma que você quer. Assuma que você nunca deixou, e nunca vai deixar, de ser quem você é.
- Michelle, eu ainda sei fazer um belo estrago em uma pessoa. Não me force a usar você como cobaia.
- Isso, Felicia. Acabe comigo. E sofra mais ainda, quando a internarem numa clínica de verdade, e não em um SPA.
Felicia está errada. Ela sabe que não pode fazer mal a Michelle. Naquele momento sua vida deu uma guinada não esperada. Ela solta o pescoço da agente e se desculpa.
“Chegou a sua hora, gatinha. É pegar ou largar. Terá sua vida de volta e nenhum problema com a Lei. Mas veja o outro lado. Você quer mudar por vários fatores. Inclusive, o pessoal. Você prometeu a muita gente que não seria mais a Gata Negra.”
- Michelle, por favor, espere que eu te responda amanhã.
- Felicia… Amanhã ao meio-dia estarei aqui. E se não tiver uma resposta lamentarei por você.
Michelle se retira e autoriza a aproximação de Lydia. As duas, novamente, se abraçam. Felicia chora, soluça. A mãe não entende o motivo para tanto desespero. Para ela, a filha apenas vai manter o tratamento, mas na verdade, é muito mais do que isso. As duas trocam palavras de carinho, de futuro, de paz. Aquela visita está sendo muito importante para Felicia. É bom termos o apoio, o abraço, num momento crucial.
- Filha, preciso ir agora. Mas saiba de uma coisa: faça o melhor por você, e não o melhor para você.
- Obrigada, mamãe. E não esqueça de que eu te amo.
Lydia deixa escapar algumas lágrimas e sai. Felicia caminha para o quarto. Mas não entra pela porta, e sim, pela janela. Como nos velhos tempos…
Costa Oeste
- Novos planos para você, Julia. Vamos para Nova York, ficar com Rachel.
- Você está falando a verdade?
- Claro. Camaleão ligou. Metade do plano deu certo. Falta o xeque-mate.
- O que o Camaleão está fazendo, Fred?
- Eu não vou falar. Vamos, arrume suas coisas porque já vamos decolar.
Centro Médico Cornell
- Posso entraaaaaa… Felicia?! O que é isso?
- Carol, eu sei que posso confiar em você.
- Claro que pode! Por que está arrumando as malas?
- Eu estou desarrumando. Lembra de Michelle? Ela quer que eu vá trabalhar… para o Governo.
- Você? Trabalhando para o Governo? Que história é essa?
- Nem eu entendi direito, Carol. Eu estava decidida a ir, sim. Mas mudei de idéia. Não posso abandonar tudo o que estou aprendendo aqui. Ainda preciso de ajuda, ainda tenho que absorver mais coisas desse lugar.
- Mas não é bom negar uma ordem do Governo.
- Estou preparada para arcar com todas as consequências. E, no final das contas, minha vida lá fora não está tão boa assim. Posso recomeçar… outra vez.
- Amiga! O que sua mente quer é o mesmo que seu coração quer?
- O coração quer que eu salte por essa janela vestida com meu uniforme e faça as peripécias de sempre, mas minha mente…
- Quer ir junto, aposto.
- Não sei amiga. Que dúvida.
- Felicia, preste atenção numa coisa. Eu, assim que sair daqui, não vou prometer que não vou beber. Mas prometo que vou tentar. Não quero perder a minha vida de heroína. Não posso deixar de ajudar as pessoas, está dentro de mim.
- Está dizendo que não posso deixar de roubar?
- A expressão correta não seria essa. Você não é apenas uma ladra. Você ajuda pessoas. Com a Cat’s Eye, quantos trabalhos você realizou? E para a sociedade, ao mandar o Rei do Crime para a prisão?
- Carol, roubar para o Governo só é diferente de roubar para mim pelo fato de que eu não vou ficar com o…
- Não estou falando de roubar, amiga! Acorde! Estou falando da sua vida.
- Preciso dormir. Se importa?
- Não, mas me prometa que vai fazer o certo. Não esqueça de que estamos falando da sua vida.
Cornell, manhã seguinte
“Péssima noite de sono. Perguntas, pensamentos… nenhuma decisão. É melhor eu tomar um banho e descer para comer alguma coisa.”
Ao deixar a água escorrer pelo corpo, era como se a água, ao cair pelo ralo, levasse todos os seus problemas consigo. Ela brinca com o sabonete pelo corpo, seus cabelos platinados estavam foscos… Depois de um delicioso banho, nada melhor do que uma deliciosa comida.
- Pensei que não fosse descer, amiga.
- Bom dia, Carol!
- Pelo visto está ótima!
- Nada como uma péssima noite de sono, um bom banho e muitas frutas!
- Felicia… parece que você tem visita.
- Como, se Michelle só vem daqui a três… Julia Carpenter?
Felicia e Carol olham surpresas. Julia acena e sorri, aproximando-se, com uma caixa de chocolates na mão. As duas pegam algumas frutas e se levantam, chamando Julia. Carol, inquieta, não explica para Felicia o motivo de não querer ver a amiga, mas é forçada ao encontro.
- Desculpe se vim muito cedo… Felicia, Carol, tudo bom?
- Estou bem, Julia. Mas não esperava te ver…
- Olá, Julia.
- Oi, Carol. Felicia, preciso de uma reposta.
- Sobre te ajudar?
Carol percebe que sobrou mais uma vez em uma conversa e sorri, pedindo desculpas e sai.
- Sim, sobre me ajudar. Estou desesperada, não tenho nenhuma notícia da minha filha…
“Mamãe veio me ver ontem… fiquei muito feliz. Sei o que Julia está passando. Mas, não posso ajudá-la daqui de dentro. A única maneira é se eu…”
- Julia, quero que entenda uma coisa: não estou fazendo isso por você…
- Quer dizer que vai aceitar?
- Estou fazendo isso porque sei a importância da mãe e da filha estarem juntas.
- Felicia, obrigada! Mas… como vamos fazer? Quando você sai do Centro?
- Hoje de tarde. Tem algum número para que eu possa te ligar, para assim acertarmos algo?
- Sim, dentro dessa caixa tem algumas informações…
- Perfeito. Mas é bom que agora se retire. Preciso arrumar minhas malas e não quero que ninguém nos veja conversando.
- Ninguém?
- Sim, é uma longa história e certamente você não está interessada em ouvir.
- Bom, assim seja. Me ligue assim que puder.
- Tenha certeza, Julia. Há muito que conversarmos.
Felicia chama Carol e as duas vão para o quarto. Falta pouco tempo até Michelle chegar e ela ir embora. As duas se abraçam.
- Carol, minha amiga! Melhore!
- Amiga, não estou preocupada com isso. Quero saber de você.
- Refere-se a Julia?
- Sim…
- Ela está com um problema sério e só eu posso ajudar.
- Posso saber o que é?
- Apenas que Rachel corre perigo.
- Mas o que você tem que fazer, que a famosa Mulher-Aranha não pode?
- …
- Não me diga que…
- Hahaha!
- Felicia! Eu sabia! E te apóio. Acredito que você não está fazendo isso por alguém, e sim porque é o que você quer.
- Exatamente. Carol, não posso nos enganar, né?
- Boa sorte, minha amiga.
- Carol, me prometa que assim que você sair daqui irá me procurar.
- Mas como farei?
- Não se preocupe. Vou te acompanhar pelo lado de fora. E por favor, não me desaponte. Gata Negra e War Bird têm que se encontrar algum dia!
- Seria muito bom!
Há alguém lá fora…
- Licença… Está pronta, Felicia?
- Sim, Michelle. Estava apenas me despedindo de Carol.
- Boa sorte, amiga. E não se esqueça do que prometemos. E tenha muito cuidado.
- Não se preocupe. A Gata Negra sempre sabe o que faz.
Lugar qualquer, Nova York
“Nova morada. É engraçado. Saio de um lugar isolado e vou para outro… Quando estarei nas ruas novamente, com minha bela roupa preta, pulando pelos telhados, sentindo a adrenalina correr pelas veias… Hum, me deu até fome. Os chocolates de Julia…”
Felicia foi levada por Michelle para um local desconhecido. Ela ainda não sabe o que vem pela frente, mas tem certeza de que está feliz e de que fez o certo. Que pensem que ela fez isso para ajudar a filha de Julia. Afinal, a única maneira de sair do Centro Médico Cornell e ajudar uma amiga era aceitando a ‘oferta’ da agente. Muitas coisas estão envolvidas. Um nome sujo, perguntas sem respostas, um destino incerto… Mas, no mais íntimo, ela sabe que aceitou porque precisava se sentir livre, se sentir como antes. Se sentir como a Gata Negra. Seja trabalhando para o Governo, seja ajudando uma amiga. Seja roubando. Ela está com sua vida de volta. E isso, realmente, ninguém pode tirar dela. Nem mesmo a própria Felicia Hardy.
“Um cartão com o telefone e… o primeiro trabalho! Tenho até medo de abrir e ver o que Julia quer comigo. Pior é imaginar o que o Governo vai querer de mim. Com certeza, algo sem nível. E para fazer um trabalho nesse estilo, quem melhor do que a Gata Negra? Hahaha! Uma pessoa ‘doente’, recém-saída de uma clínica para… pessoas alegres. Sem credibilidade, sem passar confiança. Vejamos… Hum! Esses chocolates estão divinos! O primeiro trabalho está ligado a um… Droga, odeio palavras chaves. Aqui só tem três: desfile de moda. Ops! Luz na passarela que lá vem e perigosa Gata Negra! Próximo item… um diamante! Ui! Acionem a segurança máxima que lá vem a Gata Negra! Nossa, vou engordar toneladas comendo tanto, hahaha! Terceiro e último. Tchantchantchantchan! O QUÊ? MARY JANE WATSON??????
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