Gata Negra #14: Contagem 3/6
Ao se deparar com outra pessoa que tentou matá-la, Felicia teme uma recaída, digamos, amorosa... E mais: uma lembrança do próprio pai capaz de desestabilizar a melhor ladra de todos os tempos!
Alameda das grifes, tarde
“Bom, aqui estou eu, prestes a comprar um novo casaco… Ao menos essa atendente não veio com ar seboso me receber. Hum… Vamos ver… Qual desses?”
- Não há nada melhor para uma mulher do que fazer compras quando se sente preocupada, tensa, cansada…
- Que tal esse, senhorita?
- Tem costura forte, um belo corte. Vou experimentar.
Veste o sobretudo preto e se admira no espelho. Faz poses, caras e bocas. A atendente ri discretamente. Pelo reflexo, imagina como ficaria com o uniforme por baixo. Imagina também, cenas inusitadas. Lutas, passeios aéreos, encontros, vingança. Tenta imaginar como tudo acabará. O Homem-Aranha ameaça invadir seus pensamentos.
- Fico com ele!
- Uma ótima escolha, senhorita. Como será o pagamento? Cheque, cartão?
- Não. Dinheiro, mesmo.
Restaurante, tempo depois
Felicia senta numa mesa e rapidamente é atendida e faz o pedido. Apoia o cotovelo e seu queixo descansa na mão. Olhar perdido. O mesmo restaurante que costumava vir com John. Não a mesma mesa ou as mesmas pessoas freqüentando. Sentia uma dor estranha no coração. Perdeu muito por causa dos poderes. Não só por causa deles, de fato. Abre a bolsa e pega uma foto.
“Até que fazíamos um belo casal, John! Ah, fazia um belo casal com todos meus namorados. Peter… Eis um que me tira do sério. Como queria poder esquecê-lo… Flash. Tão bom comigo. Mas nunca daria certo. E John. O mais equilibrado de todos. Morto. Que estranho ficar sozinha.”
Mas o garçom toca-lhe o braço, anunciando a chegada da comida e do vinho. Um breve susto. Um sorriso sem graça. Inicia a degustação. Olhos perdidos, pouca fome. Recorda de Travis Rock. Sua próxima visita.
“Ainda mais essa… Hunf! Travis. O maior nome em vendas de jóias… Praticamente quase todas roubadas. Comprei e vendi muita coisa dele e para ele. Lembro que adorava a cor dos meus olhos. Esmeralda. Assim me chamava. Outro relacionamento. Não posso considerar meu caso com Travis como relacionamento. Não ficamos um mês juntos! Ahahahah! Mas era bom. Ele me deu vários presentes valiosos. Sabia fazer negócios como ninguém. Um exímio criminoso de jóias. Não tanto quanto eu era, lógico.”
Volta à comida. Bebe um pouco do vinho. Observa o recinto. Olhar perdido. Uma dor estranha no coração, olha a foto…
Queens, anoitecer
Felicia sai do banheiro com uma toalha enrolada acima do busto, e com outra, secava os cabelos, que pareciam foscos.
- Mamãe, vou ao encontro de um velho conhecido…
- Certo, filha. Tome cuidado.
- Por que está me tratando assim?
- Já disse que só conversaremos quando resolver acabar com essa vingança.
- Mamãe…
- …
- Onde está a chave do cofre do banco, onde estão as coisas de papai?
- Você já não foi ver o que há lá?
- Sim, mas quero ver de novo. Onde está?
Lydia vai ao quarto e traz uma caixa. Abre-a e retira a pequena chave e um papel com umas anotações. Aperta com força e leva ao lado esquerdo do peito. Uma lágrima cai dos seus olhos.
- Espero que saiba o que está fazendo, Felicia.
- Tenha um pouco de paciência, mamãe. Até mais tarde.
Felicia se tranca no quarto. Peça íntima bem escolhida. Veste-a e o uniforme também. Perfume. Ela sabe que encontrará um ex-companheiro que queria matá-la. Então, é bom que fosse preparada… para tudo. Coloca a máscara e um produto nos olhos, para evitar irritações com o uso das lentes. Aciona o gancho e sai pela janela. Ônix tenta se despedir, mas ao chegar no quarto, apenas vê a cortina balançando.
Meat Packing District, madrugada
“Lembro que o centro de operações de Travis ficava entre esses galpões frigoríficos… E também que toda segunda-feira tinha festa… Onde fica mesmo?”.
Felicia continua caminhando pela rua, usando a função de aproximação das lentes, tentando achar algo conhecido.
“Hum, que estranho. O que aqueles dois homens e uma mulher fazem indo para lá? Menáge à trois? Melhor conferir…”
Felicia corre se escondendo pelas partes mais escuras da rua, até notar que entraram numa casa, de onde deu para ver luzes coloridas e ouvir um som no melhor estilo drum’n bass.
“Ora, ora… É aqui mesmo! Mas hoje não é segunda-feira! Travis deve estar fazendo festas todos os dias da semana! Será que a janela por onde eu entrava ainda está lá? Não vou entrar pela porta principal. Não faz muito o meu estilo”.
Então, Felicia dispara o gancho, que se prende no parapeito da já conhecida janela. Olha para os lados e não vê nada suspeito, e começa a escalar. Ao terminar a subida, olha pelo vidro um pouco embaçado e vê Travis, apenas de cueca – boxer – conversando com duas garotas, uma loura e uma morena, também quase despidas.
“Travis não muda mesmo… Essa cueca até que é um charme! Parece um short, e é bem justo… Ai, ai, Travis. Hum, está com um físico muito superior ao de quando éramos “amigos”… Pena que acabarei com sua diversão. Temos que acertar umas contas…”
Felicia fica em pé no parapeito e segura na armação de alumínio acima do vidro. Pula, encosta os joelhos no tórax e invade o recinto, quebrando todo o vidro.
- Uau…!
- Quem…?
- Até que fica bem excitante usando essa cueca, Travis Rock.
- GA-GATA NE-NEGRA???
- Saudades?
As garotas gritam aterrorizadas e se trancam no banheiro, carregando algumas peças de roupa. Felicia arruma os cabelos e segura a cintura, querendo mostrar quão baixa é a sua calça. T. Rock para. Não sabe o que fazer, falar.
- Co-como chegou até aqui?
- Não tenha medo. Não vou te machucar… ainda.
- Olha Gata… Fique calma. Vou pegar um drinque e…
- Se passar por aquela porta é um homem morto.
T. Rock não ameaça desobedecer Gata. Vira-se e tenta pegar sua calça. Mas Felicia sorri, e o impede de fazê-lo.
- Jamais vestirá alguma coisa. Vai ficar assim, a noite toda.
- Gata… Como chegou até aqui? Como descobriu? Como sobreviveu?
- Calma, Travis. Uma coisa de cada vez.
- Preciso de uma bebida! Está vendo aquela mesa? Ali tem uma garrafa de whisky. Vou nos servir, ok?
- Três pedras de gelo, por favor.
T. Rock ainda não acredita no que seus olhos veem. Gata Negra. Enquanto enche os copos, pergunta-se como ela o descobriu. E, principalmente, o que acontecerá com ele agora.
- Tome, Gata…
- Obrigada… - e acomoda-se numa cadeira, enquanto T. Rock, ficava em pé, à sua frente.
- Que visão… Ahahahah! Muito bonito, Travis. Tentou me matar.
- Gata, eu… realmente não queria fazer isso. Fui praticamente forçado.
- Você, sendo pressionado? Alguma piada?
- Pode até parecer, mas foi uma chantagem.
- Que decepção, hein? Parece que esqueceu de tudo o que passamos juntos…
- Não, Esmeralda. Não sabe o quanto sofri quando mandei alguém para te matar.
- Por que fez isso, Travis? Nunca esperaria uma atitude dessa de você.
- Gata… O Rei do Crime sabe domar as pessoas.
- Menos a mim…
- E é por isso que está sendo caçada.
Felicia retira o sobretudo. T. Rock segue cada movimento da peça caindo, deslizando, até os pés. Sua boca abre, ao ver o novo uniforme, e o novo físico da ex-companheira. Coloca o copo sobre a mesa e abre uma caixa, onde pega um cigarro, e o acende.
- Ainda fumando, Travis?
- Isso não foi o motivo por termos rompido o namoro…
- Namoro? Ficamos menos de um mês juntos…
- Claro, você só pensava no Homem-Aranha!
- Olha, Travis! Não vim aqui falar sobre relacionamento com você, certo? Quero uma explicação.
- Mas eu já disse! Se não mandasse algum dos meus homens, o Rei acabaria com meus negócios e com minha vida!
- Ok, ok!
- Gata, você corre grande perigo. Muita gente tá atrás de você!
- Quem? Você? Blow? Little Doll?
- Então já sabe…?
- No cemitério arranquei o símbolo da blusa de um deles, e assim cheguei até Blow. Fizemos uma troca…
- Que espécie de troca?
- Se eu desse um diamante para ele, em troca me diria os nomes dos envolvidos no atentado e na morte de John.
- Diamante? Qual?
- Exatamente o que está pensando.
- Gata… Você o roubou o raro diamante do museu…?
- Ahahahah! Sim, eu mesma! Então, dei essa pedra para Blow e ele me disse o nome de Little Doll.
- Sabe que o advogado também foi morto por Little Doll…
- Mas minha vingança foi mais pessoal…
- Little Doll… Aquele idiota que ninguém nunca viu.
- Aquela. Little Doll é uma mulher.
- Mulher? Droga! Devia ter aceitado quando me propôs um acordo…
- É, está com azar com as mulheres, Travis… Então, fui ao encontro de Little Doll e lá ela me disse o seu nome e outro.
- Touro…
- Ele mesmo. E agora estou aqui, prestes a lhe dar uma lição! – e aciona as unhas
- Não, Esmeralda! Estou dizendo… fui forçado! Não faça nada comigo, por favor!
- Já devia saber que não mato as pessoas, Travis.
- Que alívio…
- Mas sempre faço algum estrago nelas!
- Gata, acredite em mim! Não foi minha intenção fazer isso com você! Acha que mandaria matar, por dinheiro, a mulher que tanto adoro?
- Adora?
- Sim. E você sempre soube que eu era louco por você…
- Travis… Não diga essas coisas. John está morto!
- Sei disso, mas eu não.
- Little Doll já está presa… Matou um federal, e a entreguei para uma agente do FBI. Está encrencada… E Blow... Ainda será de alguma ajuda.
- Vai fazer o mesmo comigo?
Felicia não vê mentira no olhar de T. Rock. Ele sente algo por ela. Além do mais, ele não atentou contra John, e sim contra ela. Toma todo o conteúdo do copo e enche-o novamente. T. Rock olha surpreso, e vai até uma das paredes do quarto, retira um quadro, abre o cofre e pega uma caixa verde.
- Lembra que dois dias antes de brigarmos falei que ia te dar uma coisa a qual nunca mais esqueceria? Espero que não seja tarde… E preste atenção: não estou fazendo isso para que mude de idéia ou coisa e tal, mas sim para que saiba que não menti quando disse que te adorava. Faz muito tempo que guardei essa joia, pois tinha prometido que seria sua.
- Travis…
Felicia recebe e rapidamente abre a caixa. Um gato, de ouro branco, com diamantes e esmeraldas incrustados. Seus olhos brilharam com o reflexo emitido pela joia. Uma expressão sem graça. Mais outra dose de whisky.
- Travis… Não posso aceitar.
- Claro que pode. Isso é um presente meu.
- Deve ter sido bem caro…
- Assim como joias não eram problemas para você, dinheiro não é para mim, Gata.
- Não sei o que dizer…
- Seja minha outra vez.
- Não! Vou para casa. Preciso pensar. Estou confusa, Travis. Ainda tenho que me encontrar com Touro…
- Para provar mais ainda que fui forçado, vou com minha gangue até Touro. Não deixarei que vá sozinha.
- Está falando a verdade?
- Sim, Gata. Você já perdeu muita coisa, pelo que percebo. Não posso te deixar também!
- Ahahahah! Que pretensão!
- Mas é verdade. Conte comigo para dar um jeito em Touro e no Rei, ok?
- Vou pensar no seu caso, Travis. Bom, hora de ir.
- Ei… Espere mais um pouco.
T. Rock vai até o banheiro e afirma para as garotas que está tudo sob controle e pede para que elas desçam que ele iria em seguida. As duas o beijam e se beijam e se despedem de Felicia.
- Desculpe por ter estragado sua noite, Travis… Mas ao menos descobri que é, de uma certa forma, inocente.
- Obrigado por confiar em mim. Eu lia sobre você… A Cat’s Eye, como está?
- Fechada temporariamente… Imagina o por quê, né?
- Claro… Mais uma dose?
- A última. Realmente tenho que ir.
- Acha que depois de tanto tempo, vou deixar que saia assim?
Enquanto enche o copo de Felicia, T. Rock aproxima o rosto e inicia leves beijos no pescoço da gatuna.
- Para, Travis…
- Sei que não resiste a isso…
Felicia tenta se afastar, mas T. Rock a puxa pela cintura e a beija ardentemente. Suas mãos percorrem o corpo de Felicia, que não mais esboça reação.
- Quero que seja minha…
- …
E não resiste e o beija, correspondendo todo o desejo que Travis exalava. Ele então encosta Felicia na parede e continua com os beijos. Ela se entrega.
Manhã seguinte, em um banco
“Que loucura a minha… Não estou achando ruim, só é muito estranho… Muito estranho mesmo… Eu e Travis…”
Felicia caminha pelo banco. Uniforme, o casaco o cobrindo, e os cabelos soltos, penteados com as unhas. Procura um responsável pelos cofres e entrega a chave.
- Esta caixa, por favor.
- Só um minuto, sim?
- Claro…
Em questão de minutos, a moça volta com a caixa na mão. Felicia sai do banco e entra no primeiro taxi que aparece. Abre a caixa, e lá (re)descobre aqueles valiosos objetos. Não de valor material, mas sim, sentimental. Um relógio de bolso, todo em ouro, colares, papéis…
“Essa foto… Eu, papai e mamãe no Niágara… Éramos tão felizes!”
E o que mais ela queria ver: a carta deixada por seu pai.
“Querida Felicia: Se você estiver lendo isso, eu estou morto ou fui preso. De qualquer forma, eu quero que você saiba como me sinto. Eu não me orgulho de quem sou. A ganância e a ambição me condenaram e, embora eu tenha ficado muito rico, sempre me envergonhei. As mentiras constantes me afastaram de sua mãe. Você era jovem demais para entender, Felicia, mas também era o meu único orgulho. Eu sei que você vai crescer e se tornar a cidadã decente que eu não fui. Tente não me odiar muito. Eu sempre te amei. Papai.”
Lágrimas escorriam pelos olhos de Felicia. A partir dessa carta que ela resolveu prometer ao pai, a todos, que seria uma boa cidadã. Porém, a vida prega peças…
“Eu não posso apagar meus erros, mas aprendi com eles. Ninguém precisa dizer que me ama. Nem meus pais nem o Aranha. Eu sei que sou decente. Parabéns, Felicia!”
O motorista do táxi parece incomodado. Afinal, Felicia ainda não deu o destino.
- Moça, para onde vai?
Ela olha o motorista. As lágrimas não mais estavam nos seus olhos.
- Gostaria de saber… Gostaria de saber…
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