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Especial #01: O Centenário de Ary Barroso

100 anos ao som do samba

O centenário de Ary Barroso foi celebrado em 2003. 
Autor de aproximadamente 320 canções, dentre elas a famosa “Aquarela do Brasil” e de 60 peças para musicais, o compositor Ary Barroso, um mineiro de Ubá, estaria completando 100 anos em novembro de 2003, se estivesse vivo. Ao perder os pais aos sete anos, foi criado por uma avó e uma tia. A partir deste momento, Ary ingressou no mundo da música, executando, em piano, temas dos filmes mudos que passavam no cinema da cidade. 

Sua primeira musica gravada foi “Vou à Penha”, interpretada por Mário Reis, colega da faculdade de direito, que Ary não chegou a concluir. Assim, inúmeras de suas canções passaram a ser interpretadas e regravadas por vários artista da MPB. Carmem Miranda foi, naquele momento, a principal divulgadora de sua obra, transformando em clássicos peças como “No tabuleiro da baiana”, “Quando eu penso na Bahia”, “Na Baixa dos Sapateiros”, e por aí vai... Atualmente, Ary ainda é regravado. Rosa Passos e Luis Barbosa lançaram o CD “Ary Barroso – Letra e Música”. 

O mais interessante é que essas músicas da primeira metade do século perpetuam-se até hoje. De acordo com Perfilino Neto, coordenador da Rádio Educadora da Bahia, “Ary mereceu releitura dessas três gerações de cantores por causa da atualidade de sua obra”. Prova disso são os temas sociais com contundência, sem o sentimentalismo então prevalente nas canções que tratavam desses assuntos, com personagens peculiares e até mesmo questões econômicas. 

Pilar da MPB

Muitos acreditam que Ary, ao lado de Tom Jobim e Caymmi, forma o tripé da música brasileira. Perfilino completa, ao afirmar que, “além de Pixinguinha, Luiz Gonzaga também forma o pilar da MPB”. Ary foi o primeiro a fazer sucesso no exterior, antes mesmo de Tom Jobim com sua bossa, apresentando um samba exaltado em 1939, identificado pelo ufanismo, adquirindo uma importância artística que ultrapassou a própria moda que lançou, que era cantar as riquezas naturais e a cultura do país.

O fascínio de Ary Barroso era comum entre os compositores do século passado. O maior desafio deles era o de cantar a Bahia. Que compositor melhor cantou e retratou o dengo e a graça da mulher baiana e o jeito de ser da Bahia? Dorival Caymmi é o primeiro nome que vem à cabeça, afinal seu cancioneiro popular está repleto de referencias à chamada boa terra.

Para o pesquisador e coordenador da Educadora FM, Perfilino Neto, quem melhor personificou a Bahia na MPB não foi um baiano, como o autor de “Maracangalha”, mas um mineiro: Ary Barroso. “Apesar da genialidade dos outros, as seis músicas sobre a Bahia foram marcantes, e “Baixa dos Sapateiros” (1938) foi a canção que marcou o país. Em 1994, quando viajou para os Estados Unidos a convite de Walt Disney, compôs a trilha sonora do desenho animado “Você já foi à Bahia?”, recebendo o diploma da Academia de Ciências e Arte Cinematográfica de Hollywood. O mais surpreendente é que ele, Ary, não conhecia o estado!

Hora do rádio

Ary era um homem de rádio. Com isso, seu centenário não é apenas importante para a música. Ele foi o pioneiro da radiodifusão, criou o locutor esportivo, o narrador, apresentador e foi o autor do primeiro jingle, ao fazer publicidade para uma cerveja. Perfilino afirmou que muitos dos brasileiros preferiam ouvir os jogos de futebol sendo narrados por Ary, que a cada gol marcado, tocava a sua buzina. Ato esse repetido por Cazé, apresentador de um canal de clipes musicais em seu programa de entretenimento. 

Ao falar de futebol, Perfilino recordou que em 1958, numa partida da seleção brasileira, aconteceu um imprevisto e em vez de ser executado o hino nacional, os torcedores cantaram “Aquarela do Brasil”, o que resultou na consagração de Ary Barroso. Como consequência, a FIFA instituiu que os hinos deveriam ser tocados com bandas, e cantados, para não ser repetido tal ato.

Sarcástico, critico, polêmico, Ary acumula vários incidentes. De acordo com Perfilino, ele morreu “de mal” com Villa-Lobos e Antonio Maria, colunista do “Última Hora”. Perfilino conta uma história curiosa, que Antonio Maria certa vez criticou a letra de “Aquarela do Brasil”, no trecho “esse coqueiro que dá coco”. Ary revidou, afirmando se tratar de uma rima poética. Desde então, não mais se falaram. Ao menos até o dia em que Ary repousava, moribundo, em sua casa. Antônio Maria quis visitá-lo e Ary concedeu e o recebeu. Eles conversaram um pouco e Ary, recordando da crítica à letra de “Aquarela do Brasil”, pediu para que Antonio o convencesse a cantar “Ninguém me ama” (da autoria do próprio Antonio). “Mande-me cantar”, falou Ary. “Tudo bem. Cante, Ary”, pediu Antonio. O compositor sorriu ironicamente e disse: “Eu não sei...”.

São muitas curiosidades que fizeram parte da vida de Ary Barroso, porém o mais importante, sem dúvida, foi o legado de canções que deixou para os brasileiros, e até mesmo, para o cenário internacional. 


(Texto produzido em 2003, quando eu ainda era estudante de jornalismo.)

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