Elektra #20: Kusanagi - Xi Wang-Mu
Finalmente Elektra é recebida pela Rainha-Mãe do Oeste! Amaterasu e um exército de deuses começam uma caçada implacável contra Tsuki-Yomi, ao tempo em que o deus da Lua já está reunido com Susanoo e Ho-Musubi!
Palácio de Jade, K’uen-Luen
Uma longa caminhada até a entrada principal do Palácio, morada oficial do Augusto do Céu e da Rainha-Mãe do Oeste. O pagode verde reflete os raios solares daquele bonito dia.
Elektra e os Três Puros cruzam os portões, observados por eunucos e guerreiros imortais, que juraram fidelidade em troca da vida eterna.
No salão central, servas se aproximam e reverenciam os quatro convidados especiais. Sem nenhuma palavra trocada, a ninja é levada pelas mulheres para um aposento ainda no primeiro nível.
Os Três Puros seguem os passos até o Salão da Aurora Eterna, local de onde rege a Rainha-Mãe do Oeste.
No cômodo, as concubinas despem Elektra. Uma chega com uma grande tina de porcelana, com detalhes em jade cortando a horizontal do objeto. Enchem a tina com água morna, despejam pétalas de flores e mexem. Nua, Elektra recebe borrifadas de um líquido misterioso; só assim ela é permitida a banhar-se.
Calmamente adentra à tina. Os pés medem a temperatura: o vapor revela a quentura, mas não é a mesma que a ninja sente ao ter o corpo molhado pelas servas.
Olhos fechados. As mãos passeiam pelo corpo. Ela sente cada músculo. Cada textura. A água lhe cai na cabeça, escorre pelos cabelos, ela mergulha. Ao emergir, as criadas lhe passam uma pedra lisa por toda a extensão da pele.
Os Três Puros entram no salão e logo se abaixam. De joelhos em pequenas almofadas vermelha, dobram o torso e batem – levemente – a cabeça no chão por três vezes seguidas. Uma cortina dourada se abre à frente, e surge a Rainha-Mãe do Oeste.
Com uma roupa de seda verde e mangas tão compridas que lhe tocam os tornozelos. Algumas servas terminam o corte e a costura, enrolam o pano sobre a cintura e braços, enquanto outras lhe pintam a face, prendem os cabelos negros, calçam-lhe os pés. Por fim, levam-na frente a um espelho. Sua única reação é admirar-se.
Assim que as portas para o Salão da Aurora Celeste se abrem, eunucos, guerreiros, conselheiros, todos deixam o ambiente, com exceção dos Três Puros e, logicamente, da Rainha-Mãe do Oeste.
Com destreza, a ninja caminha em direção ao trono, cabisbaixa. Ao chegar à almofada, ajoelha, dobra o corpo e a reverencia, como fizeram os Três Puros. Neste instante, entra um grupo de quatro bailarinos, acompanhado por músicos – estes, escondidos em algum lugar do Salão – e apresentam uma coreografia serena, porém, marcante. Os olhares de Elektra caçam os pés das dançarinas; ela não ousa encarar a Rainha-Mãe do Oeste.
Ninguém pode olhá-la nos olhos.
Finda a apresentação, os cinco novamente ficam sozinhos, e uma voz rompe um protocolo milenar:
- Levante-se, Elektra.
Os Três Puros, bobos e curiosos, seguem os movimentos da ninja, que fica em pé.
- Quero ver o seu rosto.
Hesitante, Elektra levanta a cabeça, de olhos fechados.
- Quero ver a sua alma. Abra os olhos.
Tensão. A ninja a olha diretamente.
- Aproxime-se.
Elektra anda e aproveita para olhar o que há ao redor da Rainha-Mãe do Oeste: seu trono, em jade, de um lado tem um dragão, e do outro, um tigre; ela senta no meio deles. No chão, um corvo de três pares de patas, um sapo dançarino, uma lebre segurando cogumelos e uma raposa alada com nove rabos.
O olhar da ninja para na grande varanda do lado direito da Rainha-Mãe do Oeste.
- Lindo, não? Daqui eu observo o meu jardim. E de onde decido se é hora, ou não, de fazer florescer o Pessegueiro da Imortalidade.
A ninja sorri discretamente. Ela tenta esconder que está radiante.
- Daqui, também decido sobre o que rege o mundo, tão incrédulo e de pessoas sem valores.
Quando a ninja esboça abrir a boca para dizer algo, a Rainha-Mãe do Oeste a interrompe.
- Isto é proibido. Você já me olha, deixe as palavras para o vento.
Elektra balança a cabeça em sinal de desculpa.
- Você está aqui porque quero saber se almeja a eternidade. Como não pode pensar, a resposta tem que vir da sua alma. Decida: quer ser imortal e em troca, viver para me proteger? Você não tem nada no mundo dos vivos. Aqui terá o que desejar. Diga sim e lhe darei um fruto da eternidade.
- Tenho que concluir uma missão.
A Rainha-Mãe do Oeste arregala os olhos. Os Três Puros começam a rezar pelo ato ousado e criminoso de Elektra.
Para surpresa de todos, a Rainha-Mãe do Oeste sorriu.
- Volte para Di Yu e saia vitoriosa. Entregue este qilin para o Imperador Ch’in quando reencontrá-lo.
Elektra pega e admira a estátua de qilin, do tamanho de uma mão, em jade. Uma espécie de cervo do porte de um touro, com chifres e escamas cobrindo o corpo. Representa a longevidade, e forma, junto com a tartaruga, fênix e dragão, as Quatro Criaturas Divinas. É o responsável por transportar os imperadores para Xuanpu, uma terra encantada também na montanha K’uen-Luen.
- Nada assenta melhor ao corpo que o crescimento do espírito – completa a Rainha-Mãe do Oeste.
Em seguida, Elektra se volta à almofada vermelha no chão, bate a cabeça três vezes e caminha para a saída. Os Três Puros nada dizem, seguem rezando.
No jardim, uma serva lhe entrega a roupa vermelha e os sai, e assopra uma espécie de apito de bambu.
Elektra olha para os lados, mas nada vê.
Até que o sol é escondido por uma sombra e a ninja olha, encantada, a chegada de Tainlong, o dragão celestial que puxa a carruagem dos deuses e guarda os palácios. Elektra salta, montando-o, e os dois saem rasgando a imensidão das montanhas do Paraíso Chinês.
Ise, Japão
Depois da longa caminhada, e das sucessivas vitórias contra os protetores e protegidos de Susanoo, Amaterasu e Emma-Hoo chegam à planície onde está erguido o mais importante templo em homenagem à deusa do Sol.
Ou estava.
A deidade olha, incrédula, a desgraça que lhe caiu: a construção estava, agora, semi-destruída.
- Se está assim por fora... – comenta Emma-Hoo.
- Cale-se!
Amaterasu para na porta e alisa os escritos sagrados, borrados. As paredes descascadas.
- Sinto magia.
- Amaterasu, quem ousou profanar a sua imagem?
- Tsuki-Yomi. E ele vai pagar por isso.
Antes que os dois entes cruzassem a entrada, ouviram gemidos. Os onis correram pela região, destruindo a natureza sobrevivente do ataque do deus da Lua.
Meio à vegetação, encontraram Taka-Okami, deus da Chuva que reside nas montanhas. Os onis logo trataram de levá-lo à Amaterasu.
- Taka-Okami, o que aconteceu?
- Seu irmão instaurou a praga em Ise. Além de roubar o Kagami, ele matou Uke-Mochi-no-Kami.
A voz de Amaterasu percorreu, ressoando, por toda planície. Um grito de desespero. De vingança.
O sol brilhou mais forte. O Magatama, agora preso como broche em seu quimono, ardia em brasa.
- Onde estão os outros?
- Debandaram. Por medo ou subserviência, afinal, não ousaram desrespeitar um integrante da Tríade Japonesa.
- Oni no kubi totta yô. [1]
Emma-Hoo ordena que onis levem Taka-Okami para um lugar seguro. Se arrastando, Amaterasu chora ao entrar no templo e ao não ver nada salvo. Nada que não tenha sentido o poder de Tsuki-Yomi.
Ela se ajoelha em frente ao altar onde estava uma estátua da deusa que portava o espelho, além de galos em cal e pedras quebrados, com seus pedaços espalhados pelo átrio.
O Juiz dos Infernos adentra e se depara com a triste cena.
- Amaterasu...
Ela não se vira.
- Está ficando mais quente, não?
- É o começo da minha vingança.
- Nós dois e um exército de onis temos mesmo...
- Cale-se, Emma-Hoo – fica de pé – Traga Shina-Tsu-Hiko, Kura-Okami, Nai-no-Kami, O-Wata-Tsu-Mi, Ho-Musubi e Kawa-no-Kami.
- Eis o nosso exército, Amaterasu?
- Será, assim que eles estiverem reunidos comigo.
Quando Emma-Hoo se prepara para deixar o templo, surgem Yaso-Maga-Tsu-Hi, deus das Múltiplas Calamidades, e Kami-Nahobi, deus Reparador.
- Já tínhamos lhe falado, Amaterasu. Peso e medida.
- Você não pode contar com os deuses do Mar, Fogo e Rio; eles estão com Susanoo.
Os cabelos da deidade solar tornam-se chamas assim que ela ouve as palavras dos deuses.
- Vocês... vão embora... agora!
- É impossível.
- Contra a Lei Suprema.
- Malditos! Emma-Hoo, traga os restantes. O caos vai reinar assim mesmo!
Ilha Onokoro, Japão
Quando Izanagi e Izanami receberam a incumbência de consolidar e fecundar a terra movediça, o casal remexeu as águas do mar com uma lança que os deuses lhe haviam dado. Assim que as águas começaram a coagular, retiraram a lança. A gota que pingou da ponta deu nascimento à Onokoro, que significa “coagulada naturalmente”. As duas divindades desceram à ilha e nela ergueram uma colina e uma casa.
E nessa casa estão Susanoo e Ho-Musubi, em orações.
- Por que este local, Susanoo?
- Repleto de lembranças e com um significado especial. Aqui era para onde eu e minha família vínhamos quando precisávamos resolver alguma crise. É o começo de tudo.
- Está esperando alguém, então?
- Sim.
- Eu acabo de chegar, Susanoo.
Em pé, atrás dos dois que estão com os corpos dobrados, está Tsuki-Yomi.
- Meu irmão!
Tempestade e Lua. Juntos. Abraçados.
Tsuki-Yomi cumprimenta Ho-Musubi e se vira para Susanoo.
- Onde esteve, meu irmão?
- Impedindo Amaterasu. Do meu jeito.
- Fiz o mesmo, com a ajuda de outras deidades.
- E elas, por acaso, lhe deram isto? – e saca o Espelho.
Susanoo e Ho-Musubi vibram.
- Como conseguiu?
- Teremos tempo para conversar. O que o deus do Fogo faz aqui?
- Estávamos esperando sua chegada para anunciar a Nova Tríade Japonesa!
Tsuki-Yomi sorri.
- Nós três temos chances contra o exército de Amaterasu?
- Teremos. O Velho da Maré e Kawa-no-Kami estão conosco, de uma certa forma. E temos o Kagami.
- Explique-me, irmão.
- Temos pouco tempo para conversas, Tsuki-Yomi.
- Precisamos agir, Susanoo. A temperatura está aumentando, e sem água posso incendiar mais fácil. – diz Ho-Musubi.
- Irmão, conte-me o que vocês planejam enquanto vamos defender a honra.
Di Yu
Deixada na porta do inferno. Sem despedidas, o dragão celestial deu meia-volta e ascendeu aos céus.
Ainda trajando a roupa festiva, verde, Elektra ingressou no local da perdição, e estranhou a ausência de Che-t’u, o deus da Porta.
Antes de completar dez passos, a ninja foi brutalmente abordada por dois seres.
Niú-t’eu e Ma-mien. Cabeça de Boi e Cara de Cavalo.
Os satélites que vão buscar a alma do defunto, a fim de fazê-la comparecer perante os tribunais dos infernos.
Pensativa, se tornou uma vítima fácil.
Se aproveitando das longas mangas das vestes da ninja, eles a enrolaram e a levaram, cruzando todos os locais onde são pagos os pecados, até o encontro do Juiz do Averno.
***
Notas do autor:
Xi Wang-Mu – Nome da Rainha-Mãe do Oeste.
[1] - Oni no kubi totta yô: “Como se houvesse arrancado a cabeça do oni”. Ou seja, “como se fosse um grande feito”.
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