Elektra #18: Kusanagi - Minazuki 1/2
Elektra inicia um novo treinamento... dessa vez com os Três Puros! O Deus da Lua revela sua fase escura que pode iniciar um outro conflito! Susanoo busca auxílio nas profundezas do mar e Amaterasu se vê numa encruzilhada!
Palácio de Jade, K’uen-Luen
Longos minutos se passaram. Elektra nem percebera o tempo, afinal, esteve encantada com os Jardins do Paraíso. Era como se sua alma estivesse renovada.
Seu olfato, apurado.
Seus reflexos, normalizados.
Agora sozinha, a ninja recebe os Três Puros. Os mais poderosos seres da China, abaixo, na verdade, do Augusto de Jade e da Rainha-Mãe.
Encantada, Elektra acompanha, com os olhos, os movimentos quase bailados, em câmera lenta, dos anciões que compõem a Trindade Chinesa. Observa suas vestimentas e seus poderes, que giram ao redor deles, como mágica.
Os elementos.
A criação.
Em sinal de respeito, Elektra os reverencia. O Venerável Celeste de Origem Primeira retira as mãos do dentro das mandas compridas e curva o corpo.
- A Arma Letal.
Os outros dois entes demonstram sinal de respeito e se aproximam. Tudo se mantém calmo, e até a leve brisa deixa de sibilar.
- A reposta em Tchéu T’sang foi do seu agrado?
- Não totalmente, Venerável Celeste de Origem Primeira.
O Venerável Celeste de Origem Primeira a olha e, em seguida, olha para o Senhor do Céu, que questiona:
- A mortal sabe de nós?
- Vejo tudo em minha mente, Senhor do Céu. Só não vejo o que vim fazer aqui, na Montanha Celeste.
- Você recebeu uma missão, Arma Letal. Nasceu para isso, foi criada para isso. Tudo o que passou em vida foi seu dojo para este momento.
- O que vivi foi mentira?
- Foi um treinamento.
- Desde a morte dos meus pais... meu amor... o Tentáculo... tudo?
- Sim. Você sabe qual sua missão?
- Sei que estou envolvida em algo grandioso. Um conflito que ultrapassa as barreiras.
- Arma Letal, a China e o Japão sempre foram inimigos. Declarados ou não. Quando as deidades superiores de cada local confirmaram que essa disputa traria o fim da existência, ordenaram que se fosse criado um pacto. O Pacto Supremo.
- Venerável Celeste de Origem Primeira, o que acabou de contar... da minha vida...
- Não se preocupe. Em breve vai saber o motivo.
A ninja abaixa a cabeça, sem antes admirar o pomar.
- Nós, os Três Puros, e a Tríade Japonesa selamos o Pacto para que a paz reinasse. Mas um dos integrantes da Ilha traiu o acordo milenar.
- Amaterasu.
- Ela, por motivos egoístas, resolveu reacender a chama da discórdia, Arma Letal. Cabe a você impedir.
- A mim? Por que vocês não intervêm e a enfrentam?
- Ela está com o Magatama. E em solo japonês. Não temos muito o que fazer.
- O Imperador Ch’in me deu a mesma ordem.
- Não é um favor, Arma Letal. Trata-se de impedir o fim da existência.
- Como enfrentar uma deusa sendo apenas uma mortal?
Os Três Puros sorriem.
- Que comece o treinamento!
Província de Ise, Japão
Tsukiyomi ainda tentava convencer as deidades sobre a insanidade da irmã, de reviver uma inconsequente guerra.
Muitos não lhe davam ouvidos; afinal, quem acreditaria que a Deusa do Sol do Japão estaria planejando algo tão… improvável? Romper o Pacto Supremo parecia impossível para aquela que integra a Tríade Japonesa.
Outros, porém, acreditavam no Deus da Lua, afinal, quais motivos teria ele para criar uma história dessa? Tsukiyomi não é famoso por enganar, pelo contrário. Sempre soube se comportar, se colocar e aceitar o que lhe era ordenado.
Mas dessa vez ele acusa a própria irmã de traição. O preço a ser pago pode ser muito alto. Para os dois.
- Ela uniu-se a Emma-Hoo e ergueu um exército de onis. Minha irmã roubou o Magatama e com o seu poder não vai poupar quem ousar ficar contra ela! Demais deidades, vocês não podem permitir que...
-Basta! – uma voz interrompe o discurso do deus da Lua – Suas palavras não vão nos lubridiar, Tsukiyomi.
- Uke-Mochi-no-Kami?! O que a Deusa dos Alimentos quer, protegendo a traidora?
- Uma assembleia.
As deidades observam atentamente a discussão. Tsukiyomi e Uke-Mochi-no-Kami se afastam até não mais serem vistos.
- O que quer, Uke-Mochi-no-Kami?
- Que você pare com essa insanidade. Amaterasu faz a coisa certa.
- Coisa certa? Roubar e trair é correto, Uke-Mochi-no-Kami?
- Ela tem motivos. E se motivos existem, temos que ficar do lado dela.
- Isso é insanidade, Uke-Mochi-no-Kami.
- Se não a apoiarmos, cairemos novamente em desgraça e escuridão.
- Os tempos são outros. Temos meios para evitar isso.
- Gerando conflitos entre nós, deuses?
Uke-Mochi-no-Kami então retira da própria boca arroz cozido e outros alimentos, enchendo dois pratos que sempre carrega. Ela serve Tsukiyomi que, ao ver o ato, enche-se de ódio.
- Ofensa! Que a água seque no seu leito, Uke-Mochi-no-Kami!
Como uma lâmina, um feixe de luz da cor do luar sai de baixo do braço e corta a cabeça de Uke-Mochi-no-Kami.
- Os conflitos entre nós, deuses, começou agora![1]
Palácio de Jade, K’uen-Luen
Curiosa.
Afinal, em poucos segundos Elektra conhecia mais uma versão da própria vida.
Agora, enquanto os Três Puros observam sentados no velho tronco, a ninja saca os sais e seus olhos reviram o pomar.
O céu límpido começou a ser tomado por nuvens.
O céu tornara-se cinza. O silêncio continuava.
O cheiro.
Prenúncio de chuva.
E da densidade surge Yun-t Ong, o jovem deus que reúne as nuvens.
De vestes claras e rosto limpo, com nevoas saindo das pontas dos dedos.
Em posição de defesa, Elektra acompanha os passos da deidade.
Chuva fina.
Relâmpagos.
Surge assim, uma figura conhecida: Tien’mu, a Mãe dos Relâmpagos, que resgatou Elektra do julgamento infernal.
Com os dois espelhos, Tien’mu produzia os raios.
O vento frio rasgava a pele fina da ninja, que saltou sobre Tun-t Ong. Desfere seguidos golpes com os punhos e pés, sempre absorvidos pelo jovem deus. Com um salto mortal para trás, a ninja investiu contra a deusa, tendo os golpes amparados pelos espelhos. Em troca, as deidades atacaram em conjunto. Fios de nevoa se enroscaram nos braços de Elektra e os espelhos se chocavam. Um raio, parido, atingiu o umbigo da ninja. Chão.
Rapidamente Yun-t Ong a puxou e girou o próprio corpo, fazendo com que a assassina voasse como um ioiô. Ao ser largada, a ninja seguiu voando até cair aos pés da deusa.
Rolando o corpo, Elektra sacou os sais. Tien’mu seguia disparando raios e Yun-t Ong sufocava o ar com as pesadas nuvens.
Correndo, Elektra percebe que suas armas serviam como pára-raios. No momento em que a Mãe dos Relâmpagos choca os objetos e um raio surge, a ninja lança, para o alto, um sai, que, magneticamente atrai o poder saído dos espelhos. Nesse ínterim, ela arremessa a outra arma branca e corre atrás dela, na direção da deusa.
O sai derruba um espelho e ao se agachar para recuperá-lo, Tien’mu recebe uma voadora no busto e cai. Elektra pisa em seu pescoço. A deusa tenta acertá-la com os pés, mas desfalece quando a mortal pressiona um ponto estratégico no pescoço, usando um dedo do pé.
Fios de névoa puxam as pernas de Elektra, que, rastejando, alcança os dois espelhos. Enquanto é puxada, sofre uma descarga elétrica ao tentar produzir relâmpagos. Yun-t Ong a ergue e a coloca em sua frente, de cabeça pra baixo.
- Uma mortal não é tão poderosa.
Recolhendo o corpo, Elektra bate com os espelhos na cabeça do jovem deus das nuvens. Raios explodem e os dois caem no chão.
Fraquejando, Elektra, ajoelhada, mira os deuses. Seu corpo tremula, como se ainda levasse curtos choques.
Tranquilamente as nuvens se dissipam. Obra do Venerável Celeste da Aurora.
O Venerável Celeste de Origem Primeira se levanta e faz um sinal. Yun-t Ong e Tien’mu continuam deitados, desacordados.
- Vem, aquele que acode a quem sente o peso do destino!
Umi, Japão
Reino de O-Wata-Tsu-Mi, o deus das águas profundas do mar. E no palácio dele, Susanoo lhe explicava a atual crise com a irmã, Amaterasu.
- Isso me parece intriga familiar, Susanoo.
- Ela já está com o orbe da vida, ó, Velho da Maré. E assim que recuperar o espelho será praticamente o fim.
- A terra não é domínio meu, Susanoo. Quando seu pai, Izanagi, se purificou nas águas do mar e deu nascimento a mim a outras 2 divindades marítimas, disse-me que apenas os animais aquáticos e homens que nadam sofrem minha força, e que da terra cuidam as deidades da terra. Além do que Amaterasu não exerce controle aquém das águas profundas.
- O-Wata-Tsu-Mi, acha que se ela recuperar as insígnias não investirá contra o Umi?
- Olhe ao ser redor, Susanoo. Posso engolir a Ilha quando achar conveniente. Água salgada não me é escassa.
- Água salgada! Ao menos você pode interromper o...
- Não me peça ajuda, Susanoo. Não vou me envolver nessa batalha.
- Eu imploro, Velho da Maré.
- Wani vai levá-lo para fora dos meus domínios.
- Quando a desgraça chegar a mando de Amaterasu, vai relembrar dessa nossa conversa.
O monstro marinho permite que o deus do Trovão monte nele, e então nada de volta à superfície.
- Maldito seja, Velho da Maré. Mas agradeço a ideia. Preciso encontrar Kawa-no-Kami!
Redondezas de Izumo
Agora só caminham Amaterasu e Emma-Hoo. O exército de deidades menores e onis estão bem à frente, limpando o caminho.
- Amaterasu... perdoe-me mas, acho que já passamos por aqui.
- Engano, Emma-Hoo.
- Aquela pedra...
Amaterasu o encara. O Magatama brilha quando ela o joga para cima. Como resposta, a sua feição, que quase não muda nada.
- Dosojin! [2]
- Está dizendo, Amaterasu, que os ancestrais de estradas estão aqui?
- Exatamente. Sae-no-Kami, ou seja, deuses que afastam os males. Querem impedir que cheguemos ao meu santuário.
- Que faremos, Amaterasu?
- Você precisa freqentar mais o mundo exterior, Emma-Hoo.
Amaterasu novamente invoca o poder do orbe. Cinco seres surgem, um ao lado do outro. No centro, o mais imponente.
- Chimata-no-Kami, o Deus da Encruzilhada! Como ousa impedir que a deusa do Sol prossiga?
- Não só eu, Amaterasu. Yachimata-Hiko, deus das estradas inumeráveis; Yachimata-Hime, deusa das estradas inumeráveis; Kunado, deus dos lugares a que a gente não deve ir; e Funado, deus dos lugares que não devem ser transpostos. Não permitiremos que traga mais caos ao mundo.
- Se tiver que destruí-los, farei.
- Há outros caminhos.
- Físicos? – pergunta Emma-Hoo.
- Oferendas.
- Malditos Sae-no-Kami. – diz Amaterasu – Emma-Hoo, desnude-se.
- Nunca. – responde o deus dos infernos.
- É uma ordem.
O Rei da Terra das Raízes, a contragosto, tira a roupa. Yachimata-Hime se aproxima e admira o corpo e o órgão sexual de Emma-Hoo. Olha para Chimata-no-Kami e balança a cabeça positivamente.
- Amaterasu, dar-lhes-ei a encruzilhada com os caminhos a percorrer. Sem magia, deve seguir a rota certa. Caso contrário ficará perdida no próprio território, e nem o Magatama ajudará.
Emma-Hoo se veste. Amaterasu pragueja.
- Espero que tenham gostado de Emma-Hoo, porque é para o País Profundo que vocês vão, assim que eu unificar o tesouro!
***
Na beira do rio Yamato, Susanoo reza para que possa encontrar Kawa-no-Kami, o Deus dos Rios.
Com o calor aumentando, seja pelo poder de Amaterasu, seja pela época do ano, Susanoo se despe e entra no rio.
Banha-se.
De repente, o deus sente câimbras nas pernas, e como se uma correnteza o levasse para o fundo das águas.
Tentando se desvencilhar, Susanoo vê, na margem, um anão.
- Kappa, amaldiçoado!
Reza a lenda que por causa da frequência dos afogamentos nos rios japoneses surgiu Kappa, que, graças à poderosa força mágica, atrai os homens para o fundo.
- Eu sou Susanoo!
- Sei quem você é! Amaterasu deu ordens para que...
- Quando eu sair...
- Você nunca vai sair. Vai morrer afogado. Que triste e patético fim para um deus!
Susanoo, enfurecido, recorda-se da lenda. E de como fazer para se libertar.
Dirigiu-lhe profundas reverências, já que a água bate à cintura do deus. Assim, Kappa, por reflexo e obrigação, também se inclinou para responder à saudação, e acabou derramando toda a água que carregava na cavidade do crânio.
- Privado dessa água, anão, você perde o poder de prejudicar seja quem for!
Gritando ofensas, Kappa liberta Susanoo, que, irado, voa para cima do anão.
- Me leve até Kawa-no-Kami, o deus dos rios, e assim, talvez, lhe poupe a vida!
***
Notas do autor:
Minazuki - Junho. Época de estiagem, falta de água e de irrigar as plantações de arroz.
[1] A verdadeira lenda da deusa dos Alimentos é um pouco diferente da apresentada aqui mas o desfecho é o mesmo: Sabe-se que Amaterasu mandou TsukiYomi informar-se a respeito da deusa dos Alimentos. Esta o convidou para comer e, retirando da boca arroz cozido e outros alimentos, encheu vários pratos. Tsukiyomi, sentindo-se ofendido por lhe haverem oferecido semelhante refeição, matou a deusa Uke-Mochi-no-Kami. O homicídio aborreceu profundamente Amaterasu, que se separou do irmão.
[2] Dosojin - Esses deuses protetores são deuses fálicos e o seu xintai é constituído por um bastão. Quando os representam em madeira ou pedra, sob forma humana, seu sexo é claramente indicado. Eram muito populares também como senhores da procriação.
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