Elektra #17: Kusanagi - Ryû no hige o Ari ga nerau
Elektra diante de Tchéu T’sang! Uma jornada além da vida, da qual a ninja pode jamais regressar... Um questionamento onde as perguntas são mais importantes que as respostas e sua única certeza é de estar apenas no início!
K’uen-Luen
Elektra acorda no centro de uma roda de árvores frutíferas. Seu corpo, relaxado e curado, ergue-se lentamente, enquanto a cabeça gira, admirando a clareira.
O forte odor dos frutos e o silêncio de paz trazem de volta os últimos acontecimentos: seu julgamento no Di Yu e a interrupção dele por deidades chinesas.
Em pé, com as armas presas na cintura, a ninja salta e arranca um fruto. Alimentando-se, caminha pela roda, em busca de uma saída.
Poucos segundos e duas árvores se separam, revelando uma trilha tão tranquila quanto onde esteve desacordada.
Ao cerrar os olhos, Elektra vê um templo em homenagem a Kuan-Ti.
Kuan-ti é um deus de rosto vermelho como jujuba e roupagem verde, e está sempre acompanhado pelo fiel escudeiro Tchéu T’sang e pelo filho Kuan Hing.
Tributam-lhe duas espécies de culto: um é o da religião oficial e o outro é o popular.
Para os letrados, é o deus da Guerra, em oposição a Cofuncio, deus das Letras, e lhe oferecem dois sacrifícios por ano: um na primavera e outro no outono.
Mas para a multidão, Kuan-ti é deus taoísta, governador e grande sustentáculo do povo, desempenhando, com especialidade, o papel de justiceiro. Assim, é a ele que o povo se dirige cada vez que tem de queixar-se de algo, seja dos homens ou dos espíritos.
No meio da trilha, Elektra é recebida por Tchéu T’sang. Os dois trocam reverências.
- Saboreando o fruto da imortalidade?
- Há tempos não me alimento, Tchéu T’sang.
Ela interrompe a mastigação.
- Como eu sei quem você é?
- Já lhe sopraram a vida.
- Então não volto para a terra?
- Sei que você tem muitas perguntas, Elektra.
- Por isso estou aqui, nas portas do templo de seu mestre. Mas... para que?
- Kuan-ti goza de justificado renome no que tange à capacidade de predizer o futuro.
- Não sei se devo saber do meu futuro. Prefiro descobrir com o tempo. Quando ele chegar.
- O suplicante desejoso de conhecer o futuro, o prognóstico da moléstia de algum parente, o resultado de uma viagem...
Antes de concluir a frase, ele olha para Elektra e a vê entrando no templo.
Província de Ise, Japão
Centenas de miríades de deuses se aproximavam do mais importante templo dedicado a Amaterasu.
Eles vinham seguindo uma ordem dada pela própria deusa, que prometera grandes revelações. Curiosos, afoitos, sagazes, todos se aproximavam da construção em meio ao calor do sol forte, proveniente da hora.
Tal a surpresa quando a bola amarela foi tomada por um negro iluminado.
As deidades correram, crédulas de que Amaterasu estava novamente se escondendo na Caverna Celestial.
O dia rapidamente tornara-se noite. O sol estava escondido como um eclipse.
Olhando para cima, os deuses se surpreenderam quando Tsukiyomi desceu dos céus, em resplendor.
Templo de Kuan-Ti, K’uen-Luen
Nada além de uma estátua do deus e de um estojo de bambu. Nele, 81 fichas, numeradas seguidamente e postas no interior da planta oca, fechada em uma extremidade.
Ela sabe o que fazer.
Parada perante a imagem de Kuan-ti, ela agarra o estojo com as duas mãos, sacode-o com força, até que uma ficha tombou no chão, ao seu lado. Ela apenas a olha.
“De outra parte existe um registro em que, diante de cada número, se encontra a predição, de ordinário vazada em versos grosseiros, de estilo sibilino. Basta, agora, consultar o registro para conhecer o oráculo do deus”.
Ela o faz.
Ao decifrar a previsão, sua face se torna dura.
País das Trevas, Japão
O Reino dos Mortos.
Só existem dois acessos: pela planície de Izumo e a outra, à beira-mar, que não passa de insondável abismo, onde mergulha toda a água do mar, e no dia da Grande Purificação, ficarão sepultados todos os pecados.
No reino subterrâneo há palácios e choupanas, habitados por demônios masculinos e femininos (estas chamadas shiko-me – mulheres feias – ou hisa-me – mulheres de testa franzida).
Em algum lugar estava Susanoo, detido, sentado, cercado e guardado pelos Oito Trovões.
Sentia-se humilhado e sua sede de vingança contra sua irmã aumentava a cada instante. Ao mesmo tempo tentava entender o motivo que levou Amaterasu a ignorar pactos.
De onde estava, ele contemplava o País Profundo, em busca de uma saída. Via onis [1]. Via a vitória de Amaterasu.
Também sentia seu corpo se entregar. Susanoo então tem uma visão: sua mãe, Izanami, o olhava, tristemente.
Seu coração encheu-se de energia e ele fechou os olhos.
Meditou.
Seu corpo tremulava.
Em sua mente, o registro do sofrimento do pai, Izanagi, e o ato realizado por Amaterasu ao se purificar no rio Uoto: o mesmo ato de Izanagi ao escapar do inferno.
- Mas eu não vou me purificar, Amaterasu. Vou contaminar sua alma com o que há de mais profundo.
Susanoo ficou de pé e gritou.
Os Oito Trovões bradaram quando o deus japonês do Trovão retumbou.
Saiu do círculo e buscou a saída. Sem esquecer do pai num segundo, reviveu o que ele passou.
- Se Amaterasu banhou-se em Tachibane, também tenho o direito de ser salvo seguindo Izanagi!
Diabas muito feias o perseguiram. Susanoo protegeu-se por intermédio de 1001 encantamentos. Então os Oito Trovões e os guerreiros dos Infernos o perseguiram.
Susanoo agarrou três peixes e atirou contra quem estava em seu encalço. Todos se dissiparam. O deus, empunhando enorme rochedo, obstruiu a saída da Terra das Raízes.
Mas, mesmo repetindo o feito de Izanagi, Susanoo não saiu no mesmo local, e sim, afogava-se no mar.
Rezou para os três diferentes deuses do mar (o do Fundo, o das Águas do Meio e o da Superfície).
Quase sem ar, nem percebeu quando Wani, o monstro marinho e mensageiro do mais importante dos deuses, salvou-lhe a vida.
***
De volta à trilha, Elektra reencontra Tchéu T’sang, que, agora, se alimentava do fruto da imortalidade.
- Cedeu a tentação e desvendou o futuro?
Elektra nada respondeu, mas seguiu caminhando.
- Saber os caminhos nem sempre é bom. Muitas vezes ao invés e ficarmos gratos com uma dádiva, enchemo-nos e medo quando algo não nos agrada.
A ninja para.
- Você vem comigo, eu sei. Por favor, mantenha-se calado.
Ele se aproxima da ninja.
- Preciso estar bem para me encontrar com os Três Puros.
Planície de Izumo
Este é um dos locais mais importantes para os deuses em todo território japonês.
E daqui Amaterasu realiza suas ordens para os outros deuses: da chuva, ventos, terremotos, montanhas, rios, mar, fogo, estradas, agrestes, pedras e rochedos, alimentos, do arroz e do lar.
Enraivecida, afinal, nem todos responderam ao se chamado, ou acataram suas ordens.
- Filha de Izanagi e Izanami.
Amaterasu olha, sorrindo.
- Yaso-Maga-Tsu-Hi!
O deus das Múltiplas Calamidades a reverencia.
- Soube que centenas de miríades de deuses se dirigem ao seu templo em Ise.
- Mas eles deveriam ter vindo para cá primeiro.
- O que tem de tão urgente a ser registrado?
- Algo que muito aprovará, Yaso-Maga-Tsu-Hi.
Ele se aproxima mais.
- A guerra. O caos. A vitória.
- Esplendido – diz Yaso-Maga-Tsu-Hi – Sabia decisão ao reunir os outros deuses. Mas, e quanto a Susanoo e seus outros irmãos que podem não aprovar sua iniciativa?
- Susanoo está sob os domínios de Emma-Hoo. E quanto aos...
Quando Amaterasu vai responder, uma outra voz a interrompe.
- Tudo quanto é mau permanece nos infernos, que ficam sob a terra. Epidemias, moléstias, e as convulsões da natureza.
- Maldito – grita Amaterasu – O que quer, Kami-Nachabi?
- Equilíbrio, Amaterasu. Quando Izanagi voltou para a terra, vindo do País Profundo, ele se lavou e fez diferentes deuses, que podem fazer o bem e o mal.
O deus Reparador se aproxima e fica ao lado esquerdo de Amaterasu. No lado direito, permanece Yaso-Maga-Tsu-Hi.
***
Notas do autor:
Ryû no hige o Ari ga nerau: A formiga que encara o dragão. Metáfora do mais fraco que, sem consciência de sua própria limitação, tenta se opor ao mais forte.
[1] Onis: Os onis aparecem com frequência nas lendas antigas. São demônios, muitas vezes de tamanho gigantesco, cor de rosa, vermelho, azul ou cinzento. Têm geralmente chifres e, por vezes, três olhos; possuem ainda como traços distintivos, três dedos nos pés e nas mãos. Podem voar, mas é raro utilizarem essa habilidade. Em certos casos são cruéis, maliciosos e lúbricos, mas a inteligência não parece ser uma qualidade dos onis.
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