Elektra #16: Kusanagi - Ping Fa
Um diálogo se aproxima do desfecho, uma deidade se revela cada vez mais poderosa e a Arma Letal segue enfrentando a própria vida no inferno!
K’uen-Luen, Mansão dos Imortais
Nos jardins do Paraíso chinês, os integrantes da Trindade Chinesa e da Tríade Japonesa encerram uma tensa conversa.
Em pé, Susanoo e Tsukiyomi se despedem do Venerável Celeste de Origem Primeira, do Senhor do Céu e do Venerável Celeste da Aurora.
- Venerável Celeste de Origem Primeira, depois desta votação devemos seguir nossos caminhos.
- O que pretende, Susanoo?
- Vou ao Japão, impedir que minha irmã leve o caos ao mundo.
- Você não pode detê-la sozinho. Ainda mais agora, que ela está em terra e com o Magatama.
- Se há uma única chance de vencer, irei, Venerável Celeste de Origem Primeira.
- Irei com você, meu irmão. – disse Tsukiyomi.
- Não. Você ficara com os Três Puros.
- Você pode precisar de ajuda, irmão.
- Cale-se! O Deus da Tempestade não precisa de ajuda para deter Amaterasu!
- Não vai me impedir, irmão!
As mãos de Susanoo brilham. O tempo se fecha naquele lugar sagrado. Chuva. Tempestade.
O Venerável Celeste de Origem Primeira se levanta e faz um sinal. Susanoo recolhe a energia.
- Eu vou matar Amaterasu – e como um relâmpago, some, indo de encontro às negras nuvens que se dissipam.
- Venerável Celeste de Origem Primeira, temo pela vida de meu irmão.
- Tsukiyomi, eu não posso aconselhar seus atos. Faça o que seu coração mandar.
- O que vocês pretendem fazer?
- Precisamos confrontar a Arma Letal.
- Eu gostaria de ajudar, Venerável Celeste de Origem Primeira.
- Infelizmente de nada serviria seu auxílio, Tsukiyomi. Você deve se preocupar com a irracionalidade de Susanoo. Um conflito entre deuses pode ser catastrófico.
- Estou confuso, Venerável Celeste de Origem Primeira.
- Siga seu caminho, Tsukiyomi. O encontro terminou e agora cada lado deve agir como melhor proceder.
Os Três Puros se levantam, cumprimentam o Deus da Lua e caminham, a curtos passos, para o interior do palácio. Tsukiyomi se senta no tronco talhado e olha para o céu.
Izumo, Japão
Amaterasu e os Sete Deuses da Sorte chegam à entrada da Terra das Raízes. Ou... Inferno. O acesso é demasiadamente inclinado e sinuoso, além de subterrâneo.
De olhos fechados, Amaterasu proclama palavras enquanto as outras deidades ficam encolhidas. Antes do fim das pronúncias, dois entes surgem, cada um em um lado da deusa solar.
- Takami-Musubi! [1] Wakahiru-Me! [2]
- Surpresa, Amaterasu?
- O que querem? – pergunta, gritando.
- Além de impedir que você se descontrole, viemos aconselhá-la.
- Poupem-me!
Os cabelos de Amaterasu se tornam chamas. Takami-Musubi e Wakahiru-Me mantêm posição de defesa.
- Não vou ouvir palavra de cunho pacífico! Não agora! Eu sou Amaterasu!
- Você não pode agir por livre e espontânea vontade! Eu sou o representante do Sol na terra! – diz Takami-Musubi.
- Eu personifico o Sol nascente, minha irmã. – diz Wakahiru-Me – Não vamos permitir que caia em desgraça!
- Tolos! Com o poder do Magatama e dos Sete Deus da Sorte, além de outras deidades e dos seres da Terra das Raízes, nada, nem ninguém, pode me deter!
Bolas de fogo são lançadas das mãos de Takami-Musubi e Wakahiru-Me. Amaterasu recebe os golpes, mas continua gargalhando.
- Vocês interromperam minha prece para libertar os demônios! Só me fizeram perder tempo! Agora, só poderei invocá-los outra vez num novo nascer do sol!
A dupla segue disparando labaredas. Os Sete Deuses da Sorte protegem-se de varias maneiras, mas não interferem no confronto. Amaterasu ainda sorri.
- Vocês ousam me desafiar... Vão pagar por não terem ficado do meu lado, como fizeram na Assembleia dos Deuses que convoquei aqui mesmo, para designar os Mensageiros!
Uma bola incandescente atinge a mão da deusa solar, a mesma que segurava o Magatama. O Orbe da Vida flutua e pisca ardentemente. Pousando sobre a cabeça de Amatersau, raios solares partem para todas as direções. Takami-Musubi e Wakahiru-Me sentem o calor e fraquejam. Dos raios que rebatem no chão, sai uma criança que apresenta graves defeitos físicos.
Takami-Musubi e Wakahiru-Me se surpreendem, e gritam juntos:
- Hiruko? [3]
A risada de Amaterasu pode ser escutada por quilômetros.
- Vá, Hiruko! Condene os traidores!
Correndo ao redor da dupla, o menino segura nas mãos e braços dos irmãos mais velhos. Aos poucos eles vão agachando, como se suas forças fossem sugadas.
- Quem trai Amaterasu sofre as consequências! Eu avisei! Só espero que ninguém mais ouse me...
- Pare, mulher infernal!
Ela foi interrompida.
Com os olhos arregalados, Amaterasu não esconde o medo ao ver Susanoo descendo dos céus, através de um nimbo escuro.
- Maldito! O que quer? – pergunta a deusa.
- Vim acabar com sua loucura!
- Já era tempo da gente se encontrar, meu irmão frustrado!
Susanoo vê Takami-Musubi e Wakahiru-Me sendo tragados para o céu e Hiruko entrando no Magatama.
- Perdeu o bom senso, irmã? Está destruindo nosso clã supremo!
- Eu vou governar o mundo, patético.
- Vou impedir isso!
- Sozinho? Eu acho que você não viu direito quem está comigo.
- Os Sete Deuses da Sorte? Como você os enfeitiçou?
- Não precisei disso. Ao contrario de você, eles são leais a mim. Não só eles como também...
O chão se abre. Violentamente. Fogo é expelido. Susanoo, com um raio na mão, olha incrédulo.
Sobre um chafariz de lava, surge Emma-Hoo.
- O Grande Juiz dos Infernos...!
- E não só ele, irmão!
Centenas de Onis pulam pra fora da Terra das Raízes, como se comemorassem a liberdade.
- Minha deusa – diz, de grave voz – Mesmo meus domínios não lhe sendo subservientes, estou aqui para servi-la.
- Muito bem, Emma-Hoo. Leve Susanoo consigo para o País Profundo.
Di Yu
Caminhando sobre as pedras incandescentes, Elektra e seu protetor, Ti-Sang Wang-p’u-as, chegam ao Primeiro dos Dez Tribunais existentes no inferno.
Sentado sobre a mesa julgadora, o primeiro Rei Yama, que fica sob dependência direta do Augusto de Jade e do Grande Imperador do Pico Oriental, faz um sinal para que os depois se aproximem.
- Você agora não mais a acompanha, Ti-Tsang Wang-P’u-Sa. É chegado o momento de julgá-la.
- Rei Yama, antes gostaria de intervir.
- Não há defensores para as almas pecadoras, Ti-Tsang Wang-P’u-Sa. E mesmo você sendo escolhido pelo Augusto de Jade para minimizar os sofrimentos dos pecadores, não tem poder algum perante este tribunal.
- Gostaria apenas de exprimir que ela veio a mando do grande imperador Ch’in.
- Eu sei. Por isso não enviei os satélites Niú-T’eú e Ma-Mien para trazê-la até mim.
- De que vale, então, este juízo?
- Nenhuma alma chega a Di Yu e sai sem passar pelo meu julgamento. O Deus dos Muros e dos Fossos não julgou a mulher.
- Por ordem do Augusto de Jade.
- Chega, Ti-Tsang Wang-P’u-Sa. O Juiz do Averno me entregou os registros de Vida e de Morte dela. Cabe a mim examinar as boas e más ações praticadas por essa alma.
- O que acontece em seguida? – questiona Elektra, ansiosa.
- Ou você será levada perante o tribunal encarregado de castigar os crimes de que se tornou culpada, ou será encaminhada para a Terra da Extrema Felicidade do Ocidente, ou para K’uen-Luen, ou diretamente para o Décimo Rei Yama, para renascer em segunda existência.
- Rei Yama, releve o fato de ela ter sido enviada pelo Imperador, independente do que constem os registros da Vida e da Morte.
- Saia, Ti-Tsang Wang-P’u-Sa. Existem outras almas pecadoras que necessitam do seu auxílio.
Ti-Tsang Wang-P’u-Sa se retira, mas antes entrega uma pedra de jade.
- Elektra é o seu nome.
A ninja nada diz.
- Qual provação Ch’in a obrigou, aqui no Di Yu?
- Preciso recuperar a Kusanagi.
- Amaterasu já possui o Magatama e, em breve, terá o Yata-no-Kagami.
- Não se eu puder reverter a situação.
- Você não é chinesa e está no inferno chinês. Não sei como seguir com o julgamento. Não há registros semelhantes a este. Sabemos que os pecadores do outro lado se divergem dos pecadores daqui.
Elektra abaixa a cabeça.
- Mas há um pecado em comum em nossas culturas. O pior deles: privar uma pessoa de viver. Ou seja, assassinato.
A ninja saca os sai.
- Vai matar um Rei Yama?
- O nome disso é instinto.
- Vou mandá-la para o Quinto Tribunal, que pune os homicidas, os incrédulos e os luxuriosos.
- Isso que chamam de julgamento?
- De nada valem suas palavras, pecadora. Levante-se.
Rei Yama faz um sinal sonoro com os lábios e dois vultos se aproximam.
- Os satélites vão levá-la direto ao Quinto Tribunal.
Mas os seres estão paralisados. O Rei Yama se levanta e, num fato inédito, sai de trás da mesa e vai para o lado da ré.
- O que acontece aqui? Terei eu, pessoalmente, ter que levá-la ao...
- Não é necessário, Rei Yama.
- Quem? – diz, olhando pra entrada do tribunal.
Como se o espaço ficasse limpo (entre o céu e a terra) depois da chuva, como se dissipassem a sujeira no ar com um hálito purificador, surge uma mulher de vestes rosa, tão clara que parecia branco.
- Tien-Kuan, a Deusa do Céu Sereno... o que faz aqui?
- Perdoe-me por interromper o julgamento, mas recebi ordem dos Três Puros para levar Elektra ao encontro deles.
- O veredicto já foi dado, Tien-Kuan. Nada mais pode ser feito.
- Vai desrespeitar uma ordem dos Três Puros, que foi confirmada pela Rainha-Mãe Wang?
O Rei Yama abaixou a cabeça.
- Sabe que este seu ato trará graves consequências para o Di Yu, não? Toda alma pecadora vai exigir um contato com a Rainha-Mãe Wang.
- Você saberá como agir, caso aconteça.
Tien-Kuan se aproxima de Elektra e a põe em pé, envolvendo-lhe os ombros com seu braço direito.
- Vamos, Arma Letal.
- Espere! – diz Rei Yama, encostado na porta, como se barrasse a saída do tribunal – O inferno não segue as regras do Céu, Tien-Kuan. Ela não vai sair daqui antes de ser condenada.
A mulher fecha os olhos. Saca dois espelhos e bate um contra o outro. Raios são lançados pelo tribunal. A mulher muda drasticamente a cor da roupa – agora mais escura – e a feição torna-se agressiva.
- Se o Di Yu não obedece as Leis Celestiais, como pude me tornar Tien’Mu, a Mãe dos Relâmpagos, em pleno território inatingível?
- Não pode ser! – suspira o Rei Yama.
Ruídos ensurdecedores. Trovões. Uma deidade menor surge ao lado de Tien’Mu: o Senhor do Trovão.
- Rei Yama, que a Rainha-Mãe Wang tenha clemência por seu ato impensado. Nós vamos levar a alma pecadora para a Grande Montanha.
- As leis não permitem...
- Você deve obediência ao Augusto de Jade. Não seja ignorante!
Rei Yama volta à mesa e rasga os registros de Vida e de Morte de Elektra.
- Ela tem que voltar, Tien’Mu. E será julgada novamente. Apenas se aceitar esta condição ela irá com vocês.
Com um sinal afirmativo com a cabeça, a Mãe dos Relâmpagos e o Senhor do Trovão somem do tribunal, levando Elektra para o que chamam de Paraíso.
Ao erguer o rosto, sem esconder o ar de designação e o que chama de falta de respeito, Rei Yama recebe a visita do dragão cego de um olho, que espreitava os passos de Elektra no Inferno.
***
Notas do autor:
Ping Fa – “Arte da Guerra”, livro escrito por Sun Tse, no séc. VI a.C.. A obra antecipa teorias estratégicas da guerrilha e ainda é muito estudada.
[1] Takami-Musubi – Conselheiro de Amaterasu e informante sobre tudo o que acontece na Terra. Os mares e o mundo subterrâneo não lhe estão sujeitos.
[2] Wakahiru-Me – Jovem irmã de Amaterasu, que tecia as divinas roupas quando Susanoo atirou o cavalo esfolado ao aposento em que se encontravam. Wakahiru-Me personifica o sol nascente.
[3] Hiruko – Depois do sol e da lua nasceu Hiruko, deus cujo nome é interpretado como “criança sanguessuga”. Semelhante explicação, de fundo etimológico, apresenta graves defeitos. Hiruko é a divindade solar masculina, lançada à sombra pelo culto dedicado a Amaterasu.
Comentários
Postar um comentário