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Elektra #14: Kusanagi - Di Yu

Elektra #14: Kusanagi - Di Yu

No novo arco de Elektra, a ninja assassina desce ao Inferno para recuperar mais um artefato do tesouro imperial japonês! Já no Paraíso, a Trindade Chinesa e a Tríade Japonesa debatem a atual crise bilateral, que pode acarretar em uma nova guerra! E mais: Amaterasu retorna ao Japão para montar um novo exército!


O chão de pedras. Quentes. Arredondadas, cortantes. Sem vestígios de vida.   

Elektra, deitada de bruços, tenta alcançar os sais, distantes poucos centímetros de suas talhadas mãos.   

Cada contração faz com que a ferida no seio esquerdo doa, consequência do golpe recebido pelo Imperador Ch’in.   

Ela não desiste. Mesmo sem força.   

Aos poucos recolhe as pernas e braços, aproximando-os ao colo. Cotovelos e joelhos ralados pelo atrito com os pedregulhos.   

De quatro, ergue a cabeça. Visão turva. Tontura.   

Ao olhar para trás, nada enxerga, apenas a escuridão. O caminho da morte é secreto.   

Seus olhos ardidos analisam um pequeno espaço onde seu corpo pousa: as armas brancas.   

Alcança-as e as faz de apoio para ficar em pé, ao fincá-las por entre as pedras, e levantar o corpo.   

Corpo que não tem equilíbrio.   

A cabeça dói.   

Uma mão massageia os olhos fechados. Cabelos sobre o rosto. Inspiração profunda.   

Ao abrir os olhos vê, ao longe, um comprido – e quase infinito – muro. Na sua direção, pesados portões vermelhos entre duas colunas, e nessas colunas dois corpos descansam, como adornos.   

Elektra avança alguns passos, cambaleantes.   

Vez ou outra desliza, se machuca...   

Ela não desiste.   

A cada passo dado, nota os corpos envoltos nas colunas se mexendo. Como se seguissem os movimentos da ninja.   

Os portões vermelhos.   

Os seres enrolados nas colunas são identificados: dois dragões dourados.   

Elektra empunha os sais ao ver, atrás do muro, chuva de lava, fogo, calor...   

Uma grande chama verde faz-se do chão e surge um homem.   

- Eu sou Che-t’u, o Deus da Porta do Di Yu. [1]

A ninja percebe a maça de enorme cabo que o men-chen carrega e guarda os sais na cintura.   

- Sou Elektra, a Arma Letal, enviada pelo grande imperador Ch’in.   

- Ch’in?   

- Ele disse que eu te encontraria guardando a entrada do Inferno, e me indicaria o rumo, para que eu...   

- Cale-se! Como ousa usar o nome do grande imperador em falsos testemunhos?   

Os ombros da ninja relaxam.   

- Vim para concluir uma missão a mando dele.   

- Qual missão?   

- Recuperar um artefato perigoso.   

- Qual artefato?   

Irritada, Elektra afasta parte da roupa que lhe cobre o busto e mostra uma ferida ainda não cicatrizada.   

- Para concluir a missão tive que ser morta pelo imperador. Essa seria a única forma para que eu pudesse cruzar as Portas do Inferno e assim recuperar o artefato.   

O men-chen não descruza os braços. Os dragões se movimentam, inquietos.   

- Preciso de provas, Arma Letal.   

- Mais do que esta ferida?   

- O grande imperador falou-me de uma mulher com força e destreza excepcionais...   

Antes que o deus concluísse a frase, Elektra sacou os sais e pulou na direção dele, desferindo golpes. As armas brancas cortaram-lhe os cotovelos, o que fez com que a maça caísse sobre os próprios pés do guardião. Um novo salto e a ninja recuou.   

- Elektra!   

Os olhos do deus acenderam e os dragões, por impulso, caíram na direção da ninja.   

Rodeando a mulher. Como se enfrentassem uma alma perdida e fugida, as bestas exalam fumaça pelas narinas. No centro, Elektra, com os sais, analisava os movimentos, sem esquecer do Deus da Porta.   

Um dragão salta na direção da ninja, que velozmente iniciou uma série de ataques com as armas cortantes, por todo o dorso do animal.  

Em vão.   

As escamas eram tão grossas quanto ferro. O animal insistiu e derrubou a assassina, que rolou agarrada a ele pelas pedras até que, num único golpe, cravou o sai na barriga do dragão e abriu até a cauda.   

O outro animal logo atacou, aproveitando o peso morto que estava sobre Elektra. Ao tempo em que tentava se livrar do animal que jazia sobre seu corpo, ela arremessou uma arma, que atingiu, certeiramente, o olho esquerdo do segundo dragão.   

Se debatendo, a fera recuou ao posto na coluna. Tudo acompanhado pelo sério Che-t’u.   

Elektra se livrava das escamas remanescentes quando o Deus da Porta parou ao seu lado.   

- São dois os men-chen. Eu, Che-t’u, e Yu-Lu. O meu dever é controlar o ingresso das almas ao Di Yu, caso a situação delas esteja em regra. A missão de Yu-Lu é impedir que as almas dos mortos saiam da mansão infernal e perturbem o sossego dos vivos, através da Porta da Assombração, entre os galhos de um enorme pessegueiro, no alto de uma verdejante montanha, bem depois deste muro.   

Elektra caminha na direção da Porta, ainda fechada.   

- Arma Letal, ao cruzar esta entrada, sua vida nunca mais será a mesma.   

- Vai me ajudar como me prometeu Ch’in?   

- Não vou acompanhá-la.   

- Então abra a porta.   

- Ao passar, você vai ser levada a T’cheng-hoang Di Yu, o Deus dos Muros e das Fossas do Inferno, designado pelo Augusto de Jade. Tome, leve isto – e entrega uma espécie de bolsa de couro com um líquido dentro – e leve para este deus. É sua oferenda.   

Elektra recolhe a bolsa e se vira para trás.   

- Algo errado? – pergunta Che-t’u.   

Sem responder, a ninja pega o que sobrou do dragão derrotado e se vira ao deus.   

- Esta é a minha oferenda. Agora abra a porta.   

O animal sobrevivente – e cego – se afasta enquanto o deus gira uma espécie de alavanca e os portões se abrem.   

Um bafo quente sopra no rosto da assassina.   

Ilha Isukushi, Japão

O orbe em chamas explode ao tocar o solo da província Hiuga. Como vulcão em erupção, dele sai Amaterasu, velha, rasgada, sem energia.   

Ela anda pela margem do rio Uoto e se ajoelha perante a cristalina água que corre.   

- Izanami, meu pai, se sentindo manchado pelo contato com o mundo dos mortos, se purificou na embocadura do minguado regato de Tachibane!   

Ao lavar o corpo, sua pele era esticada, seus cabelos ganhavam cores fortes e seus olhos brilhavam ardentemente.   

- Aqui, eu, Amaterasu, a Deusa do Sol do Japão, vou montar um novo exército para...   

Algo lhe chama atenção, saindo da funda nascente do rio Uoto.   

Ela sorri.   

Ao seu encontro veio Benten, montada em uma serpente marinha. Atrás dela, bem ao fundo, mais seis Deuses da Sorte.   

Inferno 

Elektra estranha tamanho silêncio e vazio. A ideia que ela tinha de inferno era muito diferente do que via. Sem almas sendo açoitadas em locais “públicos”, em caldeiras com líquidos quentes, berros de dor...   

Assim que os portões foram fechados, ela não viu que o dragão lhe seguia, secretamente.   

Os caminhos ainda eram de pedras esculpidas e brutas. A intensidade do vermelho ardia os olhos mesmo de quem estava... morto.   

Montes, colinas, outras fortificações... mas o céu ainda era incandescente.   

Seguindo a trilha no chão, Elektra chegou a uma espécie de salão, com um altar e um trono. Ao se aproximar do assento, foi interrompida por uma grave – porém suave – voz.   

- Veio antes do previsto, Arma Letal.   

A ninja se virou e se surpreendeu ao ver um homem bem vestido e limpo, além de educado, pois ele fez um sinal para que ela se aproximasse.   

- Eu sou T’cheng-hoang Di Yu, o Deus dos Muros e das Fossas daqui do inferno.   

- Vim a mando do imperador Ch’in.   

- Não por isso vai passar sem seu primeiro julgamento.   

A ninja não compreendeu e demonstrou isso.   

- Sou o encarregado de submeter as almas que aqui chegam ao primeiro – e mais benigno – dos julgamentos. Mas o interrogatório dura 49 dias – numero pleno de conotações simbólicas. Este é o prazo que a alma de um morto necessita para alcançar definitivamente sua nova morada. É o fim da viagem, durante a qual sua alma permanece retida sob os meus domínios.   

- Julgamento?   

- Eu posso condená-la ou deixá-la nas mãos do juiz seguinte.   

- E se eu for condenada?   

- Você será açoitada ou atada pelas extremidades superiores a uma tábua que aprisiona o pescoço.   

- Quando é o julgamento?   

- Já começou.   

Sem hesitar, Elektra oferece a bolsa e a escama do dragão, após se ajoelhar, como sinal de respeito. O deus aceita as oferendas e despeja o conteúdo da bolsa no chão.   

- Vinagre... Você é preparada... Nos cortejos em minha homenagem é nobre derramar vinagre no caminho, para purificá-lo... – analisa o dragão – Vestes medonhas de supliciados... a alma de Ch’in está mesmo com você.   

- E os 49 dias?   

- Siga adiante, você vai se encontrar com o Rei dos Dez Tribunais, e caberá a ele decidir se você merece o que quer... ou merece ficar aqui.   

K’uen-Luen, Mansão dos Imortais

Solo pátrio, nesta montanha fabulosa, afastada da terra e guardada no centro do mundo, está o palácio onde vive a Rainha-mãe Wang, esposa do Augusto de Jade.   

A construção tem nove andares e é toda da pedra preciosa verde, e ao seu redor estendem-se magníficos jardins e pomares, onde fica o Pessegueiro da Imortalidade.   

E em um desses recantos está a Trindade Chinesa e a Tríade Japonesa – desfalcada de um integrante.   

Sentados sobre toras de madeiras ornadas, os cinco mantêm uma discussão, que se opõe à ininterrupta sequência de divertimentos e festins.   

- Traição – diz o Venerável Celeste de Origem Primeira, o mais velho, e por isso, líder dos Três Puros – à irmandade chinesa.   

- Não deve ser tomada como um ato integrado – rebate Suzanoo, o deus japonês da Tempestade.   

- Um pacto milenar foi rompido pela ganância de sua irmã mais velha!   

- Insisto, Venerável Celeste de Origem Primeira. Por Izanagi e Izanami, não temos relação com o que minha irmã faz. Por isso eu e o deus da lua japonês, Tsukiyomi acatamos o pedido do encontro, aqui no Paraíso Chinês, para esclarecer a situação.   

- Quando selamos o pacto, concordamos que se alguém nos traísse, pagaria com uma guerra sem fim.   

- Estamos dispostos a enfrentá-la, Venerável Celeste de Origem Primeira.   

- Como, Suzanoo? Se até uma mortal já está envolvida?   

- Uma mortal disputada entre a China e o Japão, Venerável Celeste de Origem Primeira. Ambos a querem.   

- A mortal chegou até o secreto mausoléu de Ch’in para evitar que sua irmã conseguisse reaver a Kusanagi... sendo que ela já está com o Yasakani-no-Magatama.   

- Devemos usar a mortal?

- A China, pelo bem da humanidade, o faz. O que fará o Japão?   

- O mesmo. Nesta hora, Amaterasu deve estar recolhida em minha pátria, calculando os próximos atos.  

- Temos que impedi-la, Suzanoo.   

- Essa mortal é confiável? Se ela recuperar os tesouros imperiais japoneses? Quais garantias teremos de que ela não vai usá-los para dominar o mundo?   

- Corremos esse risco. Outra traição não será perdoada.   

- A mortal passará pelos julgamentos no Di Yu e retornará ao mundo dos vivos? Seria uma prova de confiança?   

- Como na lenda dos bateleiros de Lao-Lung: enforque os cabelos das cândidas têmporas / nascem nuvens no céu / nas águas o lenho navega, oscilando / eis larga porta aberta no muro.  

***

Nota do autor:

[1] Di Yu - Inferno Chinês. 

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