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Crônica #4 - O Ecologista Solitário

O ecologista solitário


"Quando eu levanto da minha cama,

Peço licença à Mãe TERRA e ao meu PAI verdadeiro

Para começar o meu dia.

Os ANJOS choram no céu

Choram muita pureza

De ver tanta destruição com a Mãe Natureza

ELA É A NOSSA VIDA"

(Oração do Batistão para a Mãe Natureza – João Batista)


Filho de índios pataxós, João batista, 50, herdou dos ancestrais o cuidado com a natureza. Sua preocupação com o meio ambiente tornou-se mais presente quando enfrentou pescadores, turistas e até políticos, na preservação das praias, do mangue e, principalmente, das tartarugas marinhas.

Morando com a esposa, Maria, uma filha e uma neta, Batista construiu uma casa de madeira e palha em Piracanga, na península de Maraú, 6km de uma bela caminhada saindo de Itacaré. Uma vista privilegiada: manguezal, rio e praia, que torna o luxo supérfluo. “Morando em um lugar desse, com o que mais preciso me preocupar?”, indaga, com sorriso e simpatia. Mas suas próprias ações respondem à pergunta. Batista faz um trabalho solitário de limpeza das praias, renovação da fauna e da flora do mangue e protege a procriação das quase extintas tartarugas marinhas. “Em 8 anos eu já corri mais de 10 mil quilômetros nas praias de Piracanga, retirando, mais ou menos, 2 toneladas de lixo”, calcula.

O pescador, que saiu da cidade de Gurupá, na divisa da Bahia e Minas Gerais, construiu uma jangada e passou três anos pescando em alto mar. Em 1992, na vila de pescadores da região, Batista descobriu que os próprios moradores construíam suas casas com madeiras extraídas do manguezal e comiam as tartarugas e seus ovos. “Um pescador matou uma tartaruga e pegou todos os 420 ovos que ela acabara de colocar”, conta, indignado. A partir deste momento, Batista tornou-se uma ONG. Passou a cuidar dos ninhos, desmarcando os sinais deixados pelos animais na areia, assim enganando os predadores humanos. 

Nesse período, fez um trabalho de conscientização na vila sobre a importância da preservação da natureza, intensificando os cuidados, colocando gravetos como marcadores em aviso aos carros, que insistiam em passar pela praia. Mas esse trabalho não foi levado adiante, ao menos pelos pescadores que voltaram a destruir os ninhos e a comer os ovos. “Eu tinha que fazer alguma coisa. Então, construí uma base no rio, pegava os filhotes que nasciam e colocava lá. Depois de 45 dias levava os filhotes para o mar”. Esse trabalho acabou sendo estaque na região, e até era vendido como pacote nas agencias de turismo de Itacaré. E também chamou a atenção de um advogado, que cadastrou Batista como voluntário do Ibama de Brasília.

ONG humana

No fim dos anos 90, Batista participou de diversos cursos de educação ambiental, promovidos pelo Ministério do Meio Ambiente, pelo Governo do Estado da Bahia, pela rede hoteleira de Itacaré e por outras instituições. Mas mesmo realizando os trabalhos de uma ONG, Batista não tem a documentação, nem o apoio de que uma precisa para se manter. A sorte é que muitos visitantes e moradores da região agora ajudam no trabalho de preservação das tartarugas no período da desova, e também nas limpezas das praias.

Ele também foi o responsável pela renovação do manguezal que corta a ilhota onde mora, replantando mais de seis mil pés, trazendo de volta um abalado ecossistema. Batista nem pede mais algum tipo de ajuda aos órgãos públicos, cansado de ouvir ‘não’, e por confirmar que os turistas e moradores de Itacaré têm consciência desse trabalho voluntário. “Mexer com a natureza é como uma luta entre o bem e o mal. Enquanto há gente que faz tudo pelo dinheiro, eu me preocupo com o meio ambiente, já que é dele que eu preciso para viver”, diz Batista.

Lixo

De Itacaré até Piracanga são 6km. Nessa distância, amontoados de lixo nas praias quase desertas, se não fossem pelos surfistas que buscam as melhores ondas e por alguns moradores. De acordo com batista, o lixo vem do rio de Contas, que corta as cidades de Jequié, Ipiaú, Barra do Rocha, Ubaitaba, Itacaré, entre outras. Quando o rio enche, o lixo, encalhado nas margens, vai para o mar e, consequentemente, volta para a areia. Ele complementa: “mas quem tá no mar também suja as águas”. Batista pode comprovar o que diz, já que está montando uma jangada, com capacidade para levar 15 pessoas, toda feita em garrafas plásticas tipo “pet”.

A partir de 1999, um responsável por uma recicladora da cidade de Ipiaú viu o trabalho de Batista e resolveu fazer um acordo, comprar o material recolhido. Ele se animou e se empenhou mais ainda na limpeza das praias. “Quanto mais eu tirava lixo, mais coisa aparecia”, diz. Só que para desespero do homem-ONG, o responsável nunca mais voltou para pegar o que disse que queria. E para piorar, a recicladora de Itacaré, um dos destinos do lixo, faliu e a sujeira voltou a acumular. “A solução é o dono de um terreno na praia de Pontal (ainda em Itacaré), que dá fim ao lixo”, diz Batista, chateado, por não haver uma preocupação com a natureza, e sim com o interesse de alguém lucrar com a situação.

Justiça

Com a sua proteção voluntária, Batista arrumou muitos inimigos, ainda mais quando acionou na Justiça, alguns vereadores de Maraú, que praticavam pesca com bomba e cortavam as árvores com mais de 200 anos. “Eles arrancavam a galhada do mangue, atraíam os peixes, que ficavam presos nessa armadilha, e assim lançavam a bomba”, conta. E além dessas procurações, Batista buscou, em 2002, patrocínio para continuar seu trabalho, mas pessoas de má fé o fizeram criar um projeto de preservação. Ele fez e entregou para os responsáveis da Área de Preservação Ambiental (APA) de Itacaré/Serra Grande. A APA entregou o projeto e recebeu o patrocínio. “É uma história triste, porque se aproveitaram da minha boa vontade, ações e ideias, e tiraram proveito dela. Eu não ganhei nada com isso”.

Apesar de todos os problemas, Batista segue com seu trabalho, esperançoso por ajudar, independente do que for, e confiante na Reserva Extrativista da Marinha, em Itacaré, cujo plano já foi homologado, mas só irá funcionar em 2005. “Vou continuar protegendo a reprodução das tartarugas marinhas, seus ninhos, ovos e filhotes. Vou proteger o mangue e as espécies de caranguejos afetados pela coleta e poluição, principalmente na época da reprodução. Vou diminuir o lixo acumulado nas praias e também nos manguezais”. Esse juramento ele vai cumprir, ninguém duvida. “Só que eu preciso de ajuda. Porque se for para ficar vendo toda beleza dessa natureza ser destruída, prefiro ir embora”, diz este homem que, em sua límpida consciência ecológica, carrega nos ombros uma ONG, com a bênção da Mãe Natureza. 

(Escrito em 2008, quando eu ainda estava na faculdade de jornalismo, mas tão atual...)

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