Análise fílmica #01 - Pecado Original
Filme Pecado Original (Original Sin)
Sinopse
Julia Russel é capaz de levar um homem a experimentar uma paixão como ele nunca teve em sua vida. Ele fará qualquer coisa para ficar perto dela. Quando Luis casa-se com Julia, ele acha que sua vida está completa. Mas as pessoas nem sempre são o que aparentam ser, e a vida de Luis começa a se complicar.
Quando Julia desaparece com seu dinheiro, Luis é forçado a investigar o passado de sua amada – um passado que parecia não existir – e descobre que a mulher que ele ama é acusada de um brutal assassinato.
Desejo e amor transformam-se em ódio e vingança, e Luis sai em busca de sua mulher, mas será que ele é capaz de participar de seu jogo mortal? Ou de fugir do amor?
Análise
Sobre o amor já dizia Aristóteles: é tudo o que faz variar os juízos, e de que se seguem sofrimento e dor, um elemento do ser humano natural. Platão acreditava que o amor é mais rigoroso em aparência, que precisa reconhecer o quanto é limitado o poder da razão sobre o amor. Então, o amor é uma tendência que deve ser domada ou um mal a ser extirpado?
Tomando como base este questionamento, inicio a análise fílmica de Pecado Original. Como o próprio roteiro nos indica, Pecado Original não é uma história de amor, e sim, uma história sobre o amor. Mas este filme de aparência inicial romântica é, na verdade, um suspense quase erótico. O porquê desta conclusão tratarei mais adiante.
Ao ver pela primeira vez este filme, tive uma mistura de emoções e sensações. Era irritante aceitar que um homem (Antonio Banderas/Luis) insistia drasticamente (tragicamente) numa relação que ele mesmo sabia que era fadada ao fracasso, quando descobriu que a mulher que ele amava era mentirosa. Indignação, também, por ele aceitar ser traído e investir no amor, agindo desesperadamente para tê-la de volta. Afinal, qual homem se deixaria levar e agiria dessa forma? Apenas os não tão machistas assim ou os que realmente já amaram e, como dizia Aristóteles, perdem o juízo e despreza a razão, contrariando Platão?
Ainda segundo as teorias aristotélicas, a vítima, aqui neste caso, é Luis, que se torna superior a nós por ser um rico empresário de café e ter a chance de possuir Angelina Jolie/Bonny Castle/Julia Russel. Caímos em desgraça quando acompanhamos a angústia do homem ferido por aquela a quem ele lhe deu o coração. A construção dos efeitos ao espectador se dá desde o começo do filme, com um aviso de imagens fortes e proibição para menores. A partir daí, um mapa antigo nos remete à uma ilha de Cuba do século XX (mesmo sendo filmado no México). Então, o diretor se aproveita da sexualidade/sensualidade de Jolie para construir a personagem: no início, uma pura mulher que logo desperta desejos por causa dos closes nos bem tratados cabelos, mãos e boca (a heroína romântica que sai dos Estados Unidos para se casar com um cubano), que depois se torna uma fêmea fatal.
Nos primeiros momentos de Pecado Capital, narra-se os dois protagonistas se envolvendo, dando a impressão de que realmente se trata de um romance. Até um certo ponto que marca a virada do roteiro: a cena de sexo protagonizada pela dupla Banderas/Jolie, que segue um modelo Almodóvar, utilizando o comercial hollywoodiano: não é uma cena de amor, e sim, sexo desesperado, que passa muito mais excitação do que informação, graças aos cortes e a atuação do par (que causou crise de ciúmes da esposa de Banderas).
Tudo isso regado ao som da percussão e de trompetes, que marcam o ritmo/movimentos e dão intensidade à cena. O suspense entra na trama, ofuscado pela sexualidade que transpira pela lente, quando pistas (falsas ou não) sobre o motivo que levou Jolie à prisão começam a aparecer na trama. O roteiro engana o espectador que pensa em várias causas para que Bonny fosse condenada à morte. Mas, novamente, a sensualidade interrompe o raciocínio. Nem mesmo o uso contínuo de terceiros em cena (o “terceiro plano” sempre é muito movimentado), closes nos diálogos/takes fechados, um de frente para o outro pegando o rosto e a nuca desfocada. Ou, até mesmo, na cena em que Luis descobre a traição com a carta entregue pela irmã da verdadeira Julia, o violino (já batido como suspense que perdura até hoje, inclusive em seriados) e, em seguida, a explosão com uma corrida de cavalo e a percussão. Este é um ponto forte deste suspense: praticamente todas as cenas são acompanhadas por arranjos/músicas, o que “prende” ainda mais a respiração antes de soltá-la.
O diretor também usa de clichês, quando Luis, traído e trancado no quarto, é consolado pela chuva (a chuva sempre está presente nas cenas de amor, seja traição ou felicidade) e pela melodia triste. A maior cena, a que realmente confirma que Pecado Original é um filme de suspense romântico-erótico é a do carnaval pelas ruas e Havana. A câmera, como personagem, busca alguém, se esbarra nas pessoas (que são vistas como se o personagem estivesse atordoado, drogado, em câmera lenta e o som retardado). Luis pega a arma. Aqui se inicia a construção do clima de suspense (tensão e um pouco de sedução), que prepara para a cena do reencontro. Bonny e o Coronel no quarto, a frase “a dor da despedida é doce” quando ela o expulsa.
A câmera, ainda como se fosse Luis, vê Bonny, como se ele estivesse escondido dá a sensação de que ele vai atacar e matar a mulher que tanto ama. Bonny senta, acende um charuto, close na mesa com os utensílios (o diretor gosta disso: usar metáforas em closes) dela. Ela escreve uma carta cantando. A câmera pega apenas o queixo, o ombro, braço, mão e carta. Ela é surpreendida quando Luis lhe toca e sussurra (não temos noção, antes da ação dele, do que vai acontecer ao redor, mas já estávamos preparados). A música explode (é a mesma, com outro arranjo, de que quando eles estão juntos, se amando, em situações banais). Depois ele a xinga, bate (uso de cortes rápidos nos movimentos, como uma música em um disco arranhado) a música aumenta e no fim a tensão ameniza quando eles juram amor. Depois do momento tenso vem a comédia, com a parte do Coronel que se depara com Luis nu na porta do quarto.
Há ainda a importância de um terceiro personagem: o inspetor/Billy, amante de Bonny, que arquiteta o roubo e a traição. Ele se torna mais importante quando passa as pistas para Luis, quando troca as balas da arma do empresário cafeicultor e em Cardenas, quando Luis está novamente se preparando para fugir e é surpreendido por Billy. Cena sem corte, música e a surpresa da descoberta e a atitude enraivecida do inspetor (inclusive um beijo) preparam para o tiro. Na sequência, surpresa pela revelação de quem é Billy e por ele estar vivo.
Para preparar o desfecho, Bonny diz que vai matá-lo, Luis assobia a canção dela, cortes rápidos, metáfora café/veneno, conversa sobre o plano que ela tinha com Billy (roubar, matar e fugir) e sobre o amor (pode até nos fazer chorar…). E a mola é solta no minuto da perseguição envolvendo os três na estação de trem – escura – e a declaração do “eu te amo” após o assassinato de Billy (com balas de verdade, dessa vez): câmera lenta, desespero. Outra surpresa é a descoberta de que Bonny escapou da pena de morte ao seduzir o padre: ele ficou para pagar os pecados e se redimir, por isso preferiu morrer.
Não se trata de um filme ruim. É bem estruturado, escrito e editado e conta com um artifício: Angelina Jolie, para segurar, mais ainda, quem vê a fita. Olhando com olhos não de espectador-modelo que muitas vezes se decepciona com o desfecho – mesmo com a overdose de sexualidade de Pecado Original, há amor, sexo e suspense. Há tragédia e comédia.
Ficha Técnica
Pecado Original (Orignal Sin)
Com: Antonio Banderas, Angelina Jolie, Thomas Jane, Jack Thompson
Música de Terence Blanchard
Figurino de Donna Zakawska
Editado por Eric Sears, A.C.E
Baseado no romance Waltz into Darkness, de Cornell Woolrich
Escrito para tela e dirigido por Michael Cristofer
Essa análise foi escrita durante o curso de pós-graduação em Roteiros para TV e Vídeos (2008).
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