Gata Negra #02 - Chinatown
Cat’s Eye, ocaso
“Bom, tenho tempo para me divertir com esse jogo até a hora combinada com John. Vamos! O que será que tenho que fazer com esse artefato que encontrei? Que susto! De onde saiu esse morcego? Pronto… Essa mulher dá saltos inacreditáveis! Opa, tem alguém lá fora. Vou salvar o jogo e atender…”
Felicia vai abrir a porta, recompondo-se e lembrando de que também era dotada de extrema agilidade.
- Em que posso ajud… Hã? Flores?
- Srta. Hardy?
- Sim…
- Entrega para a senhorita. Assine aqui, por favor.
- Algum remetente?
- Não quis se identificar.
- Pronto. Mais alguma coisa?
- Não, obrigado. E tenha um bom final de tarde.
Fecha a porta. Sua expressão é de felicidade, mas ao mesmo tempo deixa escapar um ar de incrédula.
“Flores… Rosas vermelhas. Indica paixão. Mas quem mandou? Estranho, não tem cartão. Será que foi John quem enviou? Como alguém manda um buquê e não se identifica? Timidez? Vou colocá-las nesse vaso para enfeitar o escritório… Bom, não posso descobrir quem enviou, mas se foi John, certamente dirá de noite, no jantar. Vou voltar para o computador e tentar concluir algo naquele jogo…”
Chanterelle, noite
Depois de muito tempo à procura da roupa adequada e caprichos pessoais e femininos realizados, vê-se produzida para a ocasião. Sente-se bem, mesmo sabendo que John é apenas um amigo e que não tem a certeza de que ele é o remetente das belas rosas. Pára em frente ao espelho. Ensaia movimentos, alguns sensuais. Verifica se está tudo certo, com ela, mais uma vez, e com o recinto. Caminha calmamente até a entrada.
“Espero que John me desculpe pelo atraso… Já fui recepcionada pelo maitre e agora estou sendo encaminhada para a mesa… Sim, lá está ele. Tenho que concordar, ele é bem atraente…!”
- Fel, quando percebi que iria se atrasar, não imaginava que seria por uma boa causa…
- Ah, ah, ah… Obrigada, John. Mas, desculpe-me por fazer esperar…
- Valeu a pena. O que está esperando? Sente-se!
Parece que John entendeu o fato de Felicia ter se atrasado. Da forma dele, mas entendeu. E ele não pára de olhar, admirar, conseguindo até deixá-la constrangida. O seu vestido longo, preto, com uma fenda na lateral esquerda, parece não ser significante, diante dos belos olhos verdes. Felicia percebe muitos sentimentos diferentes no olhar do companheiro. E sorri, dando uma leve mordida no lábio inferior.
- Fel, acompanha-me em um vinho?
- Sim, no que pedir o acompanharei.
- Bom, acho que imagina por quê o jantar…
- Sim. Obrigada. Eram lindas.
- Lindas?
- Sim, as rosas!
- Rosas…?
- Não foi você quem me enviou as rosas?
- Fel, você sabe muito bem que não sou romântico…
- Que vergonha! Pensei que fosse você, já que convidou-me para jantar…
- Recebeu flores? Não tinha pensado nisso! Se soubesse que era só enviá-las que te conquistaria…
- John…
- Agora fiquei com ciúmes.
- Sei… Então, por que me trouxe para jantar, já que não é nenhuma proposta?
- Mas é uma proposta. Infelizmente não a que você pensa.
- O que está esperando? Faça-a!
- Você sabe que a Cat’s Eye está reconhecida no país, devido a qualidade do seu trabalho… E a sua pessoa, claro…
- E…
- E o FBI precisa de um favor seu.
- Os federais precisando da minha ajuda? Eles que sempre fizeram questão de me atrapalhar?
- Fel, esqueça o orgulho. Será bom para você!
- Não sei… Conte-me mais.
- Um empresário, Hiroshi Takawa, deve ter ouvido falar nele, veio de Hong Kong para Nova York tratar de negócios. Foi encontrado brutalmente assassinado na sala da presidência da filial.
- Ele foi assassinado no próprio escritório e ninguém sabe quem fez o trabalho?
- Há suspeitas de envolvimento com a máfia chinesa.
- Muito estranho. E onde entra a máfia chinesa?
- Ela costuma deixar pistas, algo como códigos internos, para que os conhecedores e seguidores da máfia, saibam que morreu por mando do Templo.
- Templo?
- Sim, a organização da máfia em ChinaTown. Não se sabe se o Templo é um lugar ou apenas uma invenção para confundir a polícia e todos que possam interferir.
- O que tenho que fazer?
- O de sempre! Seu trabalho. Terá que descobrir qual a ligação de Hiroshi Takawa com a máfia.
- E meus honorários?
- Faça seu preço. Arcaremos com todas as despesas.
- John, estou faminta. Podemos escolher e pedir?
- Sim. Fique à vontade.
Cat’s Eye
Felicia retorna após o maravilhoso jantar. Está exausta. Mesmo achando que sentiu uma decepção pelo fato das flores não terem sido enviadas por John. Ela o considera uma ótima companhia. Ao abaixar o zíper para se livrar do vestido, percebe que as rosas estão murchas.
“Mas como, se recebi horas atrás? Tem que ter algo de errado. Ah, eu sou muito desconfiada. Vou verificar meus e-mails. Quem sabe alguma novidade.”
Confusa pelos acontecimentos do dia, Felicia acomoda-se na cadeira e liga o computador. Toca levemente seus ombros, pescoço e nuca. Olhos fechados. Até um baixo som despertá-la.
“Uma mensagem. Sem remetente. Por que os gatos são curiosos? Está abrindo. Uma frase em espanhol. “En el camino del amor había una rosa y una espina”. Era só o que me faltava! Um “Latinlover”! Bom, cita uma rosa na frase. Recebi rosas hoje. Tudo indica ser a mesma pessoa. Mas o caminho da paixão e espinho… Onde entra isso? Será que as flores murcharem em menos de um dia tem algo a ver com o espinho? Estou exausta. Não conseguirei raciocinar. É melhor deixar para amanhã. Mas é bom saber que tenho um admirador. Só espero que não seja parecido com os que apareceram em minha vida…”.
ChinaTown, manhã seguinte
“Não lembrava de que aqui era tão movimentado. Quantas pessoas… Parecidas, até! O que tenho que fazer é perguntar aos comerciantes coisas sobre a máfia e o Templo. O problema é se alguém vai querer contar algo…!”.
Felicia caminha por ChinaTown. Observa cada detalhe. Distraída, às vezes, esbarra-se em turistas e moradores. Resolve entrar em um estabelecimento, tentar comprar algo, quem sabe. Ao fazer, percebe olhares em sua direção. Sedentos. Ouve gritos vindos de uma porta, situada atrás do balcão. Continua procurando algo, aproximando-se, na tentativa de escutar mais. Nesse instante, saem três homens e empurram Felicia. Estão furiosos. Derrubam algumas mercadorias no chão e saem do estabelecimento. Uma chinesa, bem velha, sai da ante-sala chorando. Felicia sente algo diferente e vai ao encontro da senhora.
- Eles a machucaram? Diga!
- Não se preocupe, menina. Eu estou bem. Precisa de algo?
- Desculpe-me senhora, mas sei que aconteceu algo. Quem eram eles? Por que discutiam?
- Você não poderá fazer nada para me ajudar, então, por que não compra algo e vai embora?
Felicia não acredita. Ela não imagina que seria assim, difícil, conseguir informações.
- Está devendo dinheiro, não é?
- Maldita hora que resolvi abrir esse negócio. Todo mês é isso. Eles vêm, cobram uma taxa absurda, e se eu não pagar, matam alguém da minha família, quebram tudo e ainda me ameaçam.
- A senhora já denunciou para a polícia?
- Menina, quem faz as leis aqui em ChinaTown é o Templo. A polícia nada pode fazer.
- Onde fica esse Templo?
- Você está querendo saber muito. É jornalista? Saia daqui agora!
- Como quiser. Eu apenas queria ajudar. Tome esse dinheiro, vou levar esse dragão…
“Mas que ingrata! Isso é que resulta quando se quer ser caridosa. Mas eu realmente poderia piorar a situação daquela pobre senhora. O Templo, por ser uma organização, deve ter uma espécie de sede. Mas, aqueles são os homens que estavam na loja agora mesmo… Vou segui-los.”
Os homens andam rápidos, ora separando-se uns dos outros. Felicia observa apenas um, o qual parece ser o líder dessa pequena equipe. Ao caminhar, esbarra-se, e muito, nos turistas e moradores, os quais vendem mercadorias aos gritos pelas ruas. Percebe que os três estão juntos novamente e parados em frente a um portão de ferro. A construção é algo como um velho galpão. Em questão de segundos, já está escondida, observando e escutando o que dizem.
“Os três entraram… Um agora está na porta, vigiando. Vou conversar com ele. Quem sabe não diz algo que me interesse…”
- Eu também quero entrar!
- Como? Isso é uma piada, moça?
- Não. Eu vi eles entrando e também quero entrar. Deixe-me passar.
- Olha moça, não sei quem é você, mas aqui não vai entrar.
- O que há de errado?
- Não vou falar de novo. Saia daqui agora!
Felicia sorri e sai. Caminha lentamente e escuta o homem falar ao rádio sobre ela. Uma mulher, não oriental, que queria entrar no Templo. Sente um frio no estômago. Ela encontrou o Templo.
“Hum, que maravilha. Eu sabia que daria uma pista, mas não imaginava que seria essa…! Acho que vou visitar um amigo meu no FBI…”
Federal Bureau of Investigation
Felicia Hardy entra no FBI. Dessa vez, não como criminosa, e sim como prestadora de serviços. Os agentes a olham com admiração. As agentes, com inveja. Andar seguro, expressão séria, mas um ar perigoso. Identifica-se e procura por John. É acompanhada até a sala do amigo. Ele sorri, devido à tamanha surpresa. Oferece um café e aproxima-se.
- John, mais distante, por favor. Somos parceiros agora…
- Tudo por causa das malditas rosas que não enviei…
- Por que não está no jornal?
- Hoje é meu dia de folga… E também estava a sua espera. Novidades?
- Muitas. A mais importante é que o Templo é sólido.
- Sólido? Um prédio?
- Exatamente. Mas não um prédio. Um galpão. E sei sua localização exata.
- Está falando sério ou quer me impressionar?
- Você sabe que só o meu cheiro o deixa impressionado. Mas não consegui entrar. Havia um segurança na porta e, provavelmente, muitos outros dentro. Não queria arriscar…
- Fez muito bem, Fel. O que mais?
- Bom, sabe que se você deve para a máfia, matam alguém de sua família ou até mesmo você, não é?
- Sim… O que quer dizer?
- Preciso de todos as informações que o FBI possui sobre a empresa da vítima, histórico da vítima e, principalmente, os laudos sobre a sua morte.
- Realmente precisa disso?
- Sim. Como é um caso internacional, não acharei no Distrito Policial, então, entregue-me tudo para que não seja necessário a minha vinda aqui essa noite…!
- Está vendo aquele envelope na minha mesa?
- Estou.
- Pegue. É tudo o que precisa. Agora, é a sua vez de me passar as informações de como chegar ao Templo.
- Você sabe como eu trabalho, John. Eu ainda preciso das informações subterrâneas de ChinaTown. Mapas, tubulações, rede de esgoto… Tudo!
- Pensei que conhecesse essa cidade como a palma da mão, Fel.
- Conheço a cidade, mas não sou uma ratinha chinesa… E então?
- Sem problemas. Vá para o subsolo e procure a agente Michelle. Lá ela entregará o que precisa.
- Então, vou adiantar o meu trabalho…
- Calma, gatinha. Vai sair sem me dar um beijo?
- John…?
- Brincadeira! Tenho novidades para você. Descobrimos quem é o chefe da máfia chinesa aqui nos Estados Unidos da América. Tai Li.
- Tai Li? Não lembro de ter escutado esse nome em ChinaTown…
- Não temos fotografias, retratos falado, nada. Apenas uma das fontes da CIA garantiu.
- Ah! Agora entendo o jogo do FBI! Quer agir como a CIA, não é? Contratando mercenários, ladrões, criminosos em suma, para facilitar o trabalho… Sempre achei isso covardia, mas o FBI resolver adotar esse método…
- Felicia…
- Não precisa se explicar, John. Estou no subsolo, caso precise me ver…
- Mas antes… Você trabalha para o FBI…
- Não! Trabalho para mim!
- Certo… Mas presta serviços para o FBI, então tem que fazer o que fazemos. Tome, pegue. É um rádio comunicador, mas é mais utilizado como um localizador. Caso precise de ajuda, é só acioná-lo e em pouco tempo estaremos com você.
- John… Não acredito nisso. Você está me dando um localizador?
- Regras são regras, Felicia. E ao contrário do que você pensa, as regras do FBI não foram feitas para serem quebradas.
- Estarei no subsolo.
Federal Bureau of Investigation, subsolo
“Isso é uma humilhação. Nunca precisei de localizadores, rádios comunicadores… Sinto-me dependente. Pois saiba que nunca usarei isso. Eu sempre acho quem e o que quero.”
Felicia não demonstra simpatia. Enquanto não chega ao subsolo, não consegue esconder sua insatisfação. Acaba, mais ainda, chamando a atenção por onde passa. Até ser recebida pela agente Michelle, que a leva para uma sala. Diversos computadores. Poucas pessoas. Paz. Sentiria paz e poderia fazer tudo com mais calma. Em pouco tempo, tudo sobre ChinaTown está na sua frente, na tela do computador. De repente, não se controla e grita, feliz. Os poucos que estavam na sala, lançam olhares para ela. Alguns de reprovação. Outros de surpresa. Mas todos com desejos.
Existe uma forma de entrar no Templo pelo subterrâneo! Decididamente, eu sou demais!
Imprime os dados e os coloca no mesmo envelope das informações sobre Hiroshi Takawa. Sai da sala despedindo-se de todos. Descobre que perdeu a hora do almoço. Aliás, já se passaram muitas horas da hora do almoço. Pensa em algo enquanto espera o elevador.
Federal Bureau of Investigation
- John, já recolhi tudo que precisava. Espero não ter incomodado muito…
- Fel, você sabe que nunca me incomodará. Mas preferia que fosse menos arrogante…
- Arrogante, eu? É uma ofensa?
- Não! Você sabe que eu a adoro, mas seja um pouco mais flexível…
- Flexível? Não acha que tenho elasticidade e agilidade?
- Não é disso que estou falando. Qual o problema em querer ser ajudada?
- Ser ajudada? Com aquele localizador? John, sinto-me presa àquilo. Não gosto de me sentir assim. Por isso resolvi abrir minha investigadora. Para não ter que me sentir presa à nada, ou a ninguém…
- Eu entendo, Fel. Vá para casa, tome um banho relaxante… A minha idéia de acompanhá-la devo tirar da cabeça, não?
- Banho com você? Eu realmente estou cansada. Quando tinha meus poderes, não era tão sensível. Desculpe, John. Estou nervosa.
- Sem problemas. Vá para casa e procure descansar. Amanhã eu ligo.
- Não se preocupe. Eu falo com você…
Center Street, manhã
Após sair da Cat’s Eye, Felicia Hardy, agora Gata Negra, lutou contra seus sentimentos e aceitou a idéia de levar o localizador, colocando-o na gargantilha, mesmo crente que não precisará dele.
“Hum… Realmente não queria ter que vir por esses canais de esgoto… Eu, toda limpa e perfumada, andando meio aos ratos! Não sei por que não fui pelo norte, Canal Street… Eu e minhas idéias… Mas o que vejo? Segundo o mapa, já adentrei em ChinaTown. É por aqui…”
A Gata Negra procura, através da escuridão, o ponto exato do acesso pela central da circulação de ar do velho galpão, que, não se sabe ao certo, para quê foi construído. Sua visão noturna facilita muito, mas o instinto é sua arma secreta. Finalmente encontra a passagem. Está enferrujada e velha. Leve flexão nos dedos e as unhas são ativadas. Com um jeito abre a passagem. Uma escada vertical e limo. Muito limo.
“Há muito tempo não utilizam essa passagem… Será que sabem da existência dela?”
Gata Negra começa a subir, acautelando-se contra possíveis deslizes. Pára, às vezes, para tirar os cabelos da frente dos olhos. Respira fundo e volta a subir, até encontrar uma brecha, de onde uma luz forte escapa, ofuscando-lhe a vista. Com as unhas, aumenta o buraco para melhor enxergar. Assusta-se com a quantidade de pessoas. O mais espantoso é que só há uma mulher. Todos estão ajoelhados, como se estivessem fazendo orações. Ao aproximar a visão, descobre um homem, forte, alto, oriental, acompanhado por mais outros cinco, também, vestidos de guerreiros. Há um mórbido silêncio quando o homem apresenta-se como Tai Li. A expressão da Gata muda, ao saber que a presa foi encontrada.
“Esse Tai Li deve ser louco. Agora está realizando uma festividade em homenagem à dinastia Chin, dos anos 221 a 207 a.C., quando Chin unificou o país assumindo o poder. Disse que aí surgiu o primeiro Imperador, acabando com o feudalismo e construindo a maior parte da Grande Muralha e deu o nome ao território, segundo a cultura ocidental. Nossa, que bela aula de história chinesa estou tendo hoje…”
Durante séculos incontáveis, a China constitui uma monarquia absoluta. O Império Celeste, cujo o Imperador é chamado de Filho do Céu…
“Eles estão distraídos com as palavras de Tai Li. Agora é a hora de procurar uma pista, algo que eu possa usar como prova de que ele é o mandante do assassinato do empresário. Há uma passagem por aqui… Unhg, como é apertada… Tenho que continuar a busca. Mas será difícil, já que… Não mesmo! Se Tai Li saiu daquela direção, é para lá que vou!”
A Gata arrasta-se por dentro da circulação de ar, à caminho da sala de onde Tai Li e os outros saíram. Ela consegue escutar as batidas do coração, fazendo um ritmo com os gritos e palmas ecoados do grande salão.
“Parece que é essa aqui… Olhando por essa grade de proteção, vejo uma decoração… Lamparinas, leques… Dragões! É essa aqui mesmo. Ativando as unhas… Essa grade não quer sair… Pronto. Finesa!”
A Gata cai dentro da sala, sobre os pés. Corre até a porta e verifica que não há ninguém por perto. Vasculha mesas, armários, gavetas. Mas ao erguer a cabeça, percebe um fino pano vermelho, estendido à sua frente. Sorriso malicioso. Rapidamente arranca-o. Um mural. Fotos. Sim, fotos. Das últimas pessoas assassinadas à mando do Templo. Hiroshi Takawa está no centro. Arranca-a do mural. Um papel cai aos seus pés. Ela agacha e pega.
“Só falta saber o que está escrito aqui… Ei, é o nome da empresa do Takawa e alguns dígitos… Ações! E o valor delas! Pelo que estou entendendo, Tai Li é o sócio majoritário! Devia estar devendo algo, não sei… Aqui não explica, mas pode-se provar que foi morto pelo Templo! É melhor guardar em meu uniforme…”
Gata Negra está entretida e não percebe que a porta foi aberta lentamente. Após guardar as provas decide ir, mas é interceptada pela única mulher seguidora do Templo.
- Você não tem permissão para entrar aqui, tem?
- Tenho! E justamente por isso já estou me retirando…
- Pensa que aqui é como uma joalheria, que você entra, rouba o que quer e sai impune, Gata Negra?
- De onde nos conhecemos?
- Não seja cínica! É melhor não tentar nada. A não ser que queira morrer.
- Para onde irá me levar?
- Acha que virá ao Templo, entrará na sala Suprema e sairá sem conhecer nosso Imperador Tai Li? Está enganada, gatinha! Vamos!
“Sinceramente eu acho que estou encrencada… O que farei? O localizador… Não! Nunca! Já consegui sair de situações muito piores do que essas. Não será um bando de chineses que me fará pedir ajuda… Ainda por cima, para o FBI!”
Templo, salão principal
- Vejam só, meus súditos, o que temos aqui! Uma espiã que quer interferir no nosso festival… E para tirar algum proveito disso, vamos fazer com que nossa “amiga” participe da comemoração! Como sempre, vamos honrar nosso país, contra o ocidente! Aproxime-se, Gata Negra. Você será a próxima a lutar…!
“Isso era o que me faltava… Interferi na comemoração e agora terei que enfrentar, segundo Tai Li, o campeão do ano passado… Que azar o meu. Vou me sair bem. Depois da luta, terei que fugir, entregar as provas para o FBI, receber meu dinheiro e cuidar da minha vida. Não deve ser tão difícil… Eu ainda sei lutar!”
Gata Negra é levada para o centro do salão. Grades caem e fazem um quadrado. As pessoas gritam. Querem o sangue dela. O campeão do último festival aproxima-se. Gritos de morte deixam Gata Negra apreensiva. Tai Li dá o sinal é batem no enorme gongo. Gata sorri. Não se sabe se é nervosismo, tensão. Os olhos de gato na lente parecem ter mudado de cor. Avermelhados. Aciona as unhas. Apoia uma mão na cintura e deixa a outra livre, sobre a coxa. O guerreiro está vestido de mandarim. Faz movimentos lentos. Os olhos se cruzam com os de Gata Negra. Tai Li ordena que o guerreiro mate a oponente. O guerreiro grita e, praticamente, voa em direção da Gata. Ela salta para trás, esquivando-se. Apoia as mãos no chão, toma impulso e faz com que seus pés atinjam o guerreiro. Ele cai, porém rapidamente se levanta. Corre e a atinge com seguidos socos no estômago.
Gata Negra sente falta de ar e um enjôo repentino. Com a mão direita, fere profundamente o rosto do rival com as garras afiadas. Aproveita o momento da dor do oponente e acerta-lhe um chute no queixo. com O golpe, o guerreiro parte a própria língua com os dentes. O sangue escorre pelo peito e se espalha pelo tapume. Os chineses espectadores, começam a sacudir a grade, não acreditando no feito da felina. Ela caminha lentamente e pára em sua frente. Levanta a cabeça do inimigo puxando-o pelos cabelos. Aperta o pescoço com a outra mão, preparando-se para cortar-lhe a jugular.
- Quem me conhece sabe, muito bem, que a Gata Negra não mata. Você perdeu… Isso é o suficiente.
A multidão, enraivecida, destrói a grade de proteção e cercam Gata Negra. Percebe que está no centro da roda, prestes a ser eliminada. Sabe que não tem condições de deter todos. Pensa se realmente não era para ter chamado John e os agentes. Mas lembra que algo. Seus olhos não demonstram medo. Seus lábios separam-se lentamente. Ela teve uma idéia. Dispara, lentamente, o gancho para o chão. Tai Li apenas observa. De repente, Gata Negra levanta o braço direito e faz movimentos circulares. O gancho, a cada volta, vai ganhando mais cabo. Os chineses afastam-se, apavorados. Alguns não conseguiram em tempo e tiveram os corpos arranhados violentamente.
Tai Li grita e todos param. Menos a Gata, que continua a girar o gancho. Ordena que todos voltem aos lugares, pois era uma comemoração em homenagem à China. Manda a mulher levar a Gata Negra para o camarote e afirma que as outras lutas irão acontecer. Tai Li faz com que continue a competição e vai ao encontro da Gata Negra.
Templo, camarote
- Gata Negra! Eu gostaria muito de saber o que você está fazendo aqui, em ChinaTown… Mas ainda tenho planos para você!
- Tai Li, eu venci. Não matei meu oponente. Não prova que agora posso sair?
- Sair? He, he, he… Acha mesmo que sairá daqui… Viva?
- Como assim? O quer dizer?
- Você vai me enfrentar numa luta, gatinha. Ninguém entra aqui, presencia a cerimônia em homenagem à dinastia Chin e sai, impune. A não ser que fosse um convidado. Mas como não é, entrando aqui não sei como, terá que lutar comigo e, provavelmente, morrer!
- Eu entrei aqui porque a porta estava aberta…
- Minha secretária encontrou você na sala Suprema. O que queria lá? O que procurava?
- Nada, Tai Li. Estava apreciando a decoração…!
- Como você é cretina, Gata Negra. E irritante também. Estava buscando algo sobre a máfia chinesa, não?
- Máfia chinesa? Sim. Não acho justo o que faz com os moradores e vendedores aqui em ChinaTown.
- Quer dizer que agora está defendendo os fracos e oprimidos? Não me faça rir. Na verdade, nem me importa o que veio fazer aqui, já que vai morrer assim que acabar as próximas duas lutas… Enfrentando-me. Vamos ver como se sai com essas unhas quando enfrenta um oponente poderoso…!
Gata Negra está preocupada. Não consegue disfarçar. Ela sabe o que é enfrentar alguém como poderoso. Ainda não esqueceu de quando encontrou Venom na casa de Peter Parker. Ele a feriu bastante. Quebrou seu nariz. E deixou marcas nos sentimentos. Ao terminar as duas lutas seguintes, é levada para o centro do salão. As pessoas gritam a vitória de Tai Li. Confirmam a vitória de tien-hua, que quer dizer Sob o Céu, ou China, sobre a América.
Aquilo parecia ter se tornado um conflito pessoal. Ao menos para o líder. Novas grades descem, mas não formam uma figura certa. Tai Li chega ao centro. A sua roupa escura, não intimida a Gata. Tai Li autoriza e a chinesa dá um soco no enorme gongo de ouro, fazendo assim, o sinal para o início da batalha.
- Vamos lá, Gata Negra! Espero que esteja preparada para morrer.
- Se eu fosse você, não apostaria tanto nisso…
A Gata Negra parece ter esquecido do localizador. Ativa as garras e se prepara. Tai Li faz movimentos de artes antigas. Os presentes continuam gritando. Novamente, Gata Negra lembra de que realmente precisa dos seus poderes de volta. Mas tem os pensamentos interrompidos quando vê Tai Li voando, aplicando-lhe um chute no estômago e um soco no rosto. A Gata cai, deslizando para trás. Seus reflexos já foram melhores. Levanta, meio atordoada. Tai Li ameaça desferir outro golpe voador, mas ela consegue se esquivar, iniciando uma sequência de golpes: socos e chutes. Mas o último, acerta o queixo do inimigo e dá uma volta no ar, caindo a sua frente, em pé.
Tai Li parece não acreditar na capacidade da felina que, investe com as garras tentando alcançar o pescoço. Porém, Tai Li consegue segurá-la pelos cabelos e a puxa de volta, arremessando-a na grade. A Gata cai, ajoelhada. O líder corre e salta, desferindo-lhe um chute no cós. A expressão de dor não pode ser escondida. Ela sente, mas não desiste. Começa a subir na grade. Tai Li apenas observa. Do alto, ela salta para trás, de costas. Consegue fazer com que seu corpo vire, acertando um chute na cabeça do oponente. Ele ri. Gata Negra está agachada, parecendo esgotada. Tai Li corre e, novamente, segura-a pelos cabelos. A Gata não parece esboçar reações. Ele a levanta, até que seus pés não toquem mais o chão. Gata Negra abre lentamente os olhos.
Tai Li fecha a mão direita. As pessoas gritam, pedindo sangue. Sendo erguida pelos cabelos, a Gata segura o braço do chinês com as duas mãos, apertando com força. Filetes de sangue deslizam pela roupa do líder.
- Vou fazer uma coisa em você que jamais esquecerá, Gata Negra. Merecerá pelo seu atrevimento. Pude me divertir muito com você. Mas ainda não vou matá-la!
Após o término das palavras, disfere um soco, quebrando o nariz. Sem pensamentos. Instintivamente, larga o braço do chinês e corta profundamente o rosto daquele que a machucou.
- Isso será para que você também nunca me esqueça!
Tai Li acerta outro soco no rosto. Um dos lados da máscara não suporta e sai da face ferida da felina. A chinesa corre gritando que é para matar logo a gatuna. Tai Li se prepara para desferir o golpe de misericórdia.
- Todos parados. FBI! Qualquer movimento suspeito e estão todos mortos!
John e inúmeros agentes do FBI invadem o salão principal do Templo. Tai Li se vira e investe contra Gata Negra, mas é baleado inúmeras vezes pelos agentes. Os chineses presentes não ousam manifestar reação. Apenas ajoelham e choram a morte do líder. Gata Negra cai, de lado. Mesmo muito machucada, está viva. John corre ao seu encontro.
- Fel! Deus! Você está bem?
- John? O que faz aqui?
A Gata Negra fica em pé. Tonta, apoia no seu companheiro e respira fundo. Lembra dos últimos segundos com Tai Li. Recorda de Venom. Do Aranha.
- Sabia que precisaria de ajuda…
- Mas não acionei o localizador! Como chegou até mim?
- Fel, sabíamos que não acionaria o comunicador, por isso resolvi segui-la. Imaginávamos que você precisaria de ajuda. Chegamos ou não na hora certa?
- Você não tinha o direito de me seguir! Eu estava fazendo o meu trabalho. E poderia dar conta de Tai Li e todos os outros sem a ajuda desses federais.
- Felicia, você estava quase morrendo! Não acha que merecemos agradecimentos?
- Agradecimentos? Primeiro você pede para que eu faça um trabalho para o FBI. Depois inventa que preciso usar um rádio comunicador, como todos os agentes. Sabe muito bem que essa não é a minha forma de trabalho. Tenho inúmeros motivos para trabalhar sozinha. Você não confiou em mim, não é? Achou que não seria capaz de realizar o trabalho, não é?
Felicia demonstra toda a sua insatisfação. Seu orgulho foi ferido. Está fora de si. Lágrimas saem dos olhos. Não sabe se são lágrimas de alívio, por ainda estar viva, de raiva, por perder uma luta, ou orgulho ferido, por parecer não apta para realizar o trabalho.
- Fel, você sabe que fiz isso por você… Pelo seu bem!
- Quem tem que se preocupar comigo sou eu mesma, John. Estou me sentindo traída. Por você, meu amigo!
- Não é nada disso…
- Claro que é! Você quis agir como a CIA, contratando uma ex-ladra que inventou de ser detetive porque acreditava estar regenerada. Mas o que aconteceu? Pensou que poderia ter uma recaída, ou que não seria capaz, sei lá!
John segura sua amiga pelos ombros, despertando-a.
- Eu te segui porque estava preocupado com você. Conheço seu temperamento, orgulho, sentimentos… E não queria que nada de ruim acontecesse nessa tarefa. Entenda…
- Aqui está tudo que precisa saber para tentar acabar com a máfia, o que eu acho impossível acontecer. Sempre haverá um Tai Li. Sempre. Outra coisa, na sala Suprema há um mural coberto com um pano vermelho. Dê uma olhada lá.
- Onde você vai? Precisa de cuidados…
- Eu já disse, John. Eu sei me cuidar.
Nesse instante, a Gata Negra sai. A fraqueza é exposta. Seu corpo dói. Seus sentimentos estão feridos. As lágrimas se misturam com o sangue que escorre do nariz e partes da face. Retira a outra parte da máscara e deixa cair no chão. John corre e segura a mão, trêmula, de Felicia.
- Fel…
- John, não diga nada. Apenas faça um favor para mim, já que me considera.
- Claro. Peça o que quiser…
- Não me procure mais.
- Você não pode me pedir isso…
- Posso. Quero que me esqueça. Tire-me da sua vida. Apague nossos jantares, conversas e risos da mente… Tudo!
- Por que está fazendo isso?
- Estou com ódio de você. Fui enganada. Você sabe que o que me move são essas aventuras. E você estragou, quase apagou essa chama da minha alma. A chama que me faz viver…
- Não vou dizer que estou errado, mas você também não está muito certa…
- John, não quero cortar seu pescoço. Deixe-me em paz.
John parece não acreditar no que ouviu. Tampouco no que viu. Felicia enrola o cabelo. Suas luvas brancas estão manchadas de sangue. Percebe que ela tira a gargantilha. Segura o transmissor e pára. John apenas observa suas ações. Atira o aparelho no chão e pisa, colocando, em seguida, a gargantilha. Ergue a cabeça, passa por todos sem nada falar e sai do Templo.
Cat’s Eye, dias depois
Felicia Hardy está de volta. O nariz e rosto, ainda com curativos. Seus olhos estão tristes. Ela não sabe o que vai acontecer com sua relação com John. Ela gosta dele, mas ama a si, primeiramente. Sente que seus sentimentos foras traídos, mas sente que agiu mal com John. Abre a janela e uma leve brisa toca seu rosto e balança seus cabelos. Ao se virar, nota algo estranho no escritório.
“Alguém esteve aqui… Posso sentir. Parece que não mexeram em nada… Mas essa sensação incomoda… Minha pasta, bolsa, tudo aqui…”
Descrente de que realmente poderiam ter invadido a Cat’s Eye, Felicia resolve ligar o computador, mas tem um surpresa. Presa ao monitor, uma rosa vermelha e um cartão. Rapidamente, abre e o lê. Susto. A mesma mensagem escrita no e-mail recebido. “En el camino del amor, había una rosa y una espina”. Segundos depois, a flor murcha.
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