Elektra #09: Magatama - JIN
Reviravoltas. Mesmo ainda sem compreender o real motivo que cerca as próprias ações, Elektra segue o que o destino lhe reservou e chega à localidade de Taosi. Setsuko finalmente recupera o Magatama e, enquanto prepara uma armadilha fatal, o Eleito tem uma missão a mando do Imperador Ch’in.
Província de Shaanxi, distrito de Linfen, localidade de Taosi
Todos seguiram as pistas encontradas.
Elektra, com as informações obtidas com o Guerreiro Kahama YUUKI, num duelo mortal no Palácio de Verão.
Xia Nai e Fei, com o material encontrado nas escavações da cidade de Luoyang, antiga capital do Império Chinês.
Setsuko, pelo rastro de poder do Magatama.
Mas cada um deles foi para uma direção diferente, menos Elektra, que chegou ao destino exato: a localidade de Taosi.
Aqui, arqueólogos descobriram as ruínas do que, segundo eles, é o observatório astronômico mais antigo do mundo, com mais de 4.100 anos.
Sendo assim, é 2.000 anos mais antigo do que o observatório até agora considerado o mais velho, construído pelos maias na América Central.
E no local, há duas enormes plataformas semicirculares contidas uma dentro da outra (a maior de 60 metros de diâmetro e a menor de 40 metros de diâmetro), rodeadas por 13 pilares de pedra de quatro metros de altura.
Entre estes pilares há 12 buracos, comparáveis aos 12 meses do ano e à passagem das estações. Com este sistema, os antigos chineses anotavam os diferentes lugares do observatório pelos quais o sol nascia e se punha ao longo do ano.
Mas este local não era usado somente para contemplar os astros, como também era um lugar para rituais de sacrifício.
E exatamente no meio das plataformas semicirculares, Elektra observa o movimento dos raios solares, em pé, com os braços abaixados.
Num movimento rápido, a ninja trava uma longa lâmina entre o cotovelo e as costelas. Em seguida ela vira o corpo, levando consigo um peso o qual ela não pode carregar por muito tempo.
Os dois presentes estão afastados pela distância de cinco metros. Isso não impede que Elektra empunhe os sais.
- Bons reflexos, eu diria, caso minha intenção fosse matar você nesse instante.
A ninja expira profundamente.
- Mas não é o que anseia JIN, o Guerreiro Kahama da Humanidade, Misericórdia e Benevolência.
Seu lajatang [1] é fincado no solo.
Província de Shaanxi, noroeste
Xia Nai e Fei comemoram mais uma descoberta, especialmente por não se tratar de um sítio arqueológico, já trabalhado pelos cientistas ou escavadores.
É uma fileira de casas que teriam sido construídas há 2.700 anos, e a base delas era de terra batida.
- Apesar do sucesso, Fei, somente encontramos sementes, utensílios de cerâmica e muitas facas de pedra.
- Nada que nos interesse de verdade?
- Só se a gente fosse usar a descoberta como modelo para novos estudos sobre a cultura residencial das pessoas que viveram nesta região antigamente.
- Como isso é possível, se as informações em Luoyang revelavam que...
- Eu também não consigo compreender, Fei. Estava ali, escrito em jade, mesmo em dialeto antigo.
- Você não teria errado a tradução?
- Cale a boca. Não me desaponte nem me subestime. Passei praticamente todos os anos da minha vida estudando as culturas chinesa e japonesa. Especialmente o alfabeto e dialetos.
- Desculpe, Xia Nai. O que faremos agora?
Um clarão cega os dois companheiros por alguns segundos.
- Nada! – uma feminina voz responde.
Tumba do Imperador Ch’in
A descrição do local não pode ser revelada... ainda. O único que se sabe, é que dois homens corpulentos conversam no centro da câmara.
Os dois com vestes da realeza chinesa, cada qual à sua época. Mas a postura de ambos é capaz de fazer tremer qualquer ser humano sobre a Terra.
- Exijo que me explique todo o seu fracasso.
- Meu Imperador, não faça com que eu me humilhe mais.
- Não seja tolo. Você era minha reencarnação. Eu não falhei com a minha missão de unificar o meu País. Você não deveria ter conhecido a derrota.
- Ó, Augusto! O senhor sabe como eu tentei. Mas os planos sofreram interferências de alguns ocidentais... e de outros orientais.
- Você sempre soube que a luta da conquista seria repleta de desafios. Entre ocidentais e orientais e entre orientais e orientais
- Uma guerra entre clãs, senhor. Além de uma mulher que me arruinou diversas vezes.
- Como você ousou ser derrotado por uma mulher?
- Culpo o acaso, Imperador.
- O acaso não detém de armas, Eleito.
A reencarnação do Imperador abaixa a cabeça e se ajoelha.
- Poupe-me, senhor. Como gesto da minha gratidão, farei, novamente, o que o senhor me ordenar e, dessa vez, nem eu aceitarei falhas.
Ruínas de Taosi
Acredita-se que aqui viveram civilizações pré-históricas entre os séculos 26 a.C e 16 a.C, o que os chineses conhecem como dinastia Xia (embora os primeiros imperadores de que se têm testemunhos históricos sejam de 1.400 anos após esta data).
Centro do observatório.
JIN avança na direção de Elektra, fazendo malabarismo com o lajatang. A ninja mantém um espaço seguro, enquanto analisa o local e o oponente.
- Apesar da força que meu nome carrega, Arma Letal, não posso ser passivo a você, que traiu a Deusa do Sol, roubando-lhe o Magatama.
Num golpe, a barra de madeira atinge o busto de Elektra e a arremessa para longe, o que deixa a assassina sentada no chão.
Nessa posição ela pôde observar melhor o Guerreiro Solar. Notou como ele é mais alto. E sorriu.
As ruínas foram encontradas há pouco tempo, mas só se afirmou que se tratava de um observatório depois que os arqueólogos passaram um ano e meio anotando os movimentos solares através dos buracos formados pelas colunas.
As anotações foram quase idênticas às dos astrônomos antigos que inventaram o calendário chinês, diferente do ocidental, já que é regido pelos ciclos lunares (o ano chinês é mais curto que o ocidental, mas a cada dois ou três anos se acrescenta um 13o mês para compensar). E estes cientistas foram os primeiros humanos a descobrir fenômenos como as supernovas.
- Quero derrotar você aqui, nesse observatório erguido para que os chineses pudessem acompanhar cada passo do Sol, cada passo que o Japão dava, desde desenvolvimento até táticas de guerra.
Elektra ergue o corpo e fica novamente em pé. Com as armas brancas nas mãos, ela encarara o Kahama, desferindo golpes, facilmente abafados pelo lajatang.
- Não pense que estou lento por causa da arma que carrego, Arma Letal. São poucos guerreiros que conseguem manejá-la. Sou predestinado a ela desde que nasci, quando fui escolhido pela deusa Amaterasu para ser um de seus combatentes leais.
A ninja busca espaço entre o chão e o céu, para tentar acertar um golpe. Ela não tem certeza de como vai derrotar o inimigo.
Um sai arremessado é rebatido. Os chutes ligeiros são contornados com as voltas que o lajatang dá, em todas as direções.
Pensando como fosse a última tentativa, Elektra corre, salta e fica em frente ao samurai. Munida apenas com um sai, ele investe contra o estômago do rival. JIN derruba a arma e, com a parte da madeira do lajatang, investe contra ela. A assassina se defende usando os punhos, observando as pontas com lâminas que podem feri-la mortalmente.
- Desista! – JIN atinge o pescoço da ninja, e correndo e a empurrando, faz com que ela seja imprensada num dos pilares. Graças à sua agilidade, Elektra conseguiu amparar o golpe, impedindo de ser sufocada ao colocar os punhos ao lado do pescoço, para conter o ataque.
- Chegou a sua hora, Arma Letal. Com sua morte, serei recompensado por Amaterasu!
Sorrateiramente, Elektra aciona os nekodes [2] e os prende na resistente madeira, mesmo com seus punhos e pescoço marcados por uma cor roxa.
Com os nekodes, ela consegue, com muito esforço, erguer o lajatang. Em seguida ela se senta no chão e passa por baixo das penas do mais alto dos guerreiros solares.
Ao se levantar, a pouca distância do oponente, ouve um barulho de osso quebrando.
Província de Shaanxi, noroeste
Xia Nai e Fei reverenciam a mulher, agora com aspecto de velha, usando um quimono lilás, quase da cor dos próprios cabelos.
- O que fazem com a insígnia imperial japonesa?
Fei ergue a cabeça.
- Estávamos buscando as outras partes do tesouro e...
Um raio amarelo quase transparente arremessa o homem para longe.
- Vocês dois vão ser sacrificados. Ninguém pode usufruir o meu tesouro!
O Magatama brilha como nunca. Setsuko começa a rejuvenescer novamente. Os cabelos se tornam negros. A pele do rosto limpa os rasgos das rugas. O quimono ganha a cor forte.
- Eu, Amaterasu, Deusa do Sol do Japão, sacrifico vocês por...
Fei grita, interrompendo as palavras proferidas pela deusa.
- Perdão, Amaterasu. Não tínhamos intenção de...
- Foram suas últimas palavras, mortal.
O corpo de Fei arde. Em chamas. Primeiro a pele. Por fim, os ossos, que são tragados pelo Orbe da Vida.
- Quais suas últimas palavras?
Xia Nai se levanta.
- Ó Deusa Solar, leve-me como seu humilde servo. Quase caí na ganância gerada pelos pensamentos maldosos de Fei, que queria até mesmo vender esta jóia semicircular.
- Que audácia! Será que posso confiar em um chinês?
- Por favor, poupe-me. Posso ser útil como servo, escravo, guia. Há anos venho estudando sobre as forças do Sol, sobre os tesouros imperiais. Conheço a China e o Japão, posso ser útil!
Setsuko se aproxima de Xia Nai.
Olha seriamente como se enxergasse a alma dele.
- Conte-me tudo o que você sabe. Desde a mulher que vem derrotando meus guerreiros até o túmulo de Ch’in.
Tumba do Imperador Ch’in
- Você tem uma missão. Será sua última oportunidade para provar que é digno de viver na Grande Montanha.
- O que desejar, Imperador. Nem que eu tenha que descer para o inferno e...
- É justamente o que deve fazer.
O Eleito tremeu.
- Para evitar que uma guerra capaz de causar a extinção da raça humana fosse declarada, deuses chineses e japoneses se reuniram e concordaram que tesouros fossem divididos. Forças japonesas seriam guardadas na China, e forças chinesas ficariam no Japão.
- O que de tão importante nosso está naquele país, Imperador?
- Não vem ao caso. Infelizmente perdemos o Magatama, e isso resultou em sérios problemas. Para evitar novas crises, o Sabre e o Espelho estão aqui.
- Em suas mãos?
- Eu porto o Sabre. O Espelho está no Inferno. E é exatamente isso o que você vai fazer.
- Quer que eu desça até o mundo dos não-aventurados para trazer o Espelho?
- Não. Quero que converse com o Juiz do Averno sobre a atual situação na qual nos encontramos.
- Mas eu serei julgado?
- O que teme? Se realmente não tiver culpa, será poupado e poderá descansar na Grande Montanha.
O Eleito cerra os punhos.
- Se essa ação puder resultar no seu perdão, eu irei, Imperador.
O chão se abre, entre fogo e fumaça, e o Eleito mergulha dentro dele.
Ruínas de Taosi
Braço esquerdo inútil. O golpe desferido por JIN quebrou a articulação do cotovelo deixando a ninja em mais desvantagem ainda.
Ela se ajoelha e fecha os olhos. Em sua mente ela vê a cena do Samurai Solar vindo em sua direção, desferindo um certeiro golpe: a lâmina de uma extremidade lhe corta a cabeça, ele gira o lajatang e a outra ponta lhe perfura o peito esquerdo.
Ao mesmo tempo em que vê a cena, ela ouve a própria voz, repetindo algo, como num treinamento com Tsao:
“Antes mesmo de ter o ninja dividido os seus métodos de ataque nos cinco elementos – Terra, Fogo, Ar, Água e Madeira – os guerreiros dos velhos tempos sabiam que certas táticas dão melhor resultado do que outras contra certos tipos de adversários. Como nas relações elementares em que o Fogo destrói a Madeira, que por sua vez destrói a Terra, e assim por diante, era possível, para um bom combatente, sobreviver usando técnicas mais simples e rudimentares: a teoria das Três Portas.”
Para Elektra, neste caso, lhe valia a uma dessas Três: a Porta de Cima.
“Atacar a cabeça constitui o movimento mais fácil. O cérebro se defende instintivamente, utilizando-se da visão periférica, e gerando movimentos evasivos e bloqueadores no resto do corpo. Um bom método para neutralizar tal coisa constitui uma das fundamentais técnicas de desaparecimento do ninja. É chamado O Raio Atinge a Torre.”
Vendo que a assassina segue em enorme desvantagem, JIN se aproxima, com o braço esquerdo para a frente, segurando o lajatang apenas com a direita. Ele desfere um soco.
Nesse instante ele deixa o tórax vulnerável.
Como um ataque naquela direção pode ser facilmente bloqueado, baixando o cotovelo, Elektra avança sobre ele enquanto faz um amplo arco com o braço esquerdo.
O soco se faz essencialmente acima o peito, onde não pode ser visto, para atingir o rosto ou o pescoço. Simultaneamente, a ninja se abaixa, sob o braço estendido, ficando fora de vista.
A ninja pivota sobre o é direito e com sua perna esquerda dá um passo para trás da perna esquerda do inimigo. Ao mesmo tempo, levanta o braço e segura o próprio punho esquerdo com a mão direita, sem entrelaçar os dedos. Os seus braços rodeiam, então, a cabeça e o braço esquerdo de JIN.
Em seguida, Elektra coloca os próprios quadris atrás dos quadris do rival, e puxa com toda força possível. Empurra com as pernas, fazendo o inimigo pender para trás, em virtude da preensão em torno do seu tronco.
Assim, JIN é atirado ao chão.
O aniquilamento é completado com a assassina empurrando o inimigo de encontro ao chão, de barriga para baixo, sob o peso do corpo do vencedor, que acaba sendo sufocado.
Elektra sorri, sem antes pegar o lajatang e fincá-lo nas costas do Guerreiro.
- Ryûtô dabi. [3]
Província de Shaanxi, noroeste
Setsuko, com os olhos fixos no Magatama, grita ao ver o corpo do seu penúltimo Guerreiro do Clã Kahama inerte.
O sol parece explodir.
- Mulher maldita! Que Iazanagi amaldiçoe suas próximas três gerações! Ela derrotou um a um dos meus samurais solares.
- Setsuko...
- Cale-se! Estou praguejando para que aquela ninja não obtenha mais nenhum sucesso!
- Já que a senhora chegou até aqui, não sei como, não poderia fazer com que ela saísse daqui?
- Não é porque eu consegui encontrar vocês seguindo o rastro do Magatama por Luoyang que eu vou...
Setsuko sorri.
- Como não? Estou mais poderosa agora que a joia está comigo. Elektra ainda não sabe para onde deve ir...
Pétalas de cerejeira caem sobre Setsuko e Xia Nai. Raios coloridos como os do sol passeiam ao redor da deusa.
- Sei como dar fim à investida desta mulher... dessa chamada Arma Letal.
Xia Nai observa os atos da deusa, hipnotizado pelo que vê no Magatama.
- Vou precisar de reforços. Como me parece que meus fiéis podem fracassar, vou buscar alguém aqui mesmo, na região perto desse país de infelizes.
Pelo Magatama Xia Nai vê uma construção semelhante a uma tumba.
- Yanagi ni kaze to ukenagasu. [4]
Ruínas de Taosi
De volta ao centro das duas enormes plataformas semicirculares.
Elektra vê, afastado, o corpo do último homem que ousou matá-la.
E se lembra do cotovelo quebrado.
Se apoiando em uma coluna, ela estica o braço esquerdo para trás, alongando-o.
Respiração profunda, palavras proferidas internamente.
Um soco no pilar e outro ruído de osso em atrito. Dessa vez foi um barulho de conserto.
Uma lágrima lhe corre o rosto.
Rapidamente, a mão suja de terra e sangue a retira antes que chegasse ao queixo.
Em pé novamente, refeita, Elektra busca, por entre os 12 buracos dos 13 pilares, a pista, o sinal, que sempre recebe ao derrotar um Guerreiro Kahama, indicando o próximo destino.
A terra treme.
Elektra saca os sais já recuperados.
A plataforma de fora, a maior, gira no sentido horário, enquanto a de dentro, a menor, gira ao contrário.
Cerrando os olhos ela busca o sol.
O encontra. E com ele, o destino. Ou, a armadilha.
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Notas do autor:
[1] Lajatang – Arma rara geralmente encontrada nas mãos de artistas marciais peritos no seu uso. Consiste numa peça de resistente madeira medindo entre 90cm e 1,5m, com uma lâmina crescente em cada extremidade. É usada apenas com duas mãos.
[2] Nekodes – São garras para se escalar superfícies, podendo também provocar danos. É permitido normalmente o uso das garras em conjunto com outra arma, e não há qualquer penalidade. É utilizada quase que exclusivamente por ninjas, que evitam fazê-lo na presença de outras pessoas.
[3] Ryûtô dabi - “Cabeça de dragão, cauda de serpente”. Uma coisa que começa com todo vigor, mas não dura muito (assim como o dragão, cuja cabeça impressiona, mas a cauda nem tanto...).
[4] Yanagi ni kaze to ukenagasu – Saber lidar com o oponente em vez de desafiá-lo (assim como o salgueiro, cujos ramos se flexionam com a força do vento).
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