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Crônica #03 - Um homem chamado Sorriso

Um homem chamado Sorriso 



-  E aí, Sorriso?!

- Ô, meu amigo!

- Tudo beleza?

- Tudo beleza! Vai querer essa geladinha?

Qualquer pessoa (entre baianos e turistas) que chega à praia do Porto da Barra, é logo atendida por Sorriso, um simpático barraqueiro, magro e alto, de pele morena queimada de sol, cabelos grisalhos, que parece sempre estar feliz da vida. Vestindo bermuda, pés descalços em atrito com a areia quente, camisa de botões e manga curta sempre aberta, um boné e protetor labial para resistir a mais um dia na praia, fazendo o que faz de melhor: atender os clientes.

Este paraibano de 54 anos, solteiro, mas com dois filhos, saiu da sua cidade natal para tentar a vida em um estado mais abaixo de onde nasceu, como faz boa parte dos nordestinos. Chegou ao Rio de Janeiro e trabalhou como garçom, mas em 1989 decidiu subir um pouco mais no mapa e chegou a Salvador. E há 16 anos trabalha no mesmo local, de domingo a domingo, das oito da manhã às oito da noite. “Mas tenho folga sim, quando chove forte”, brinca.

Seja frequentador assíduo do Porto ou não, Genival Cassiano de Farias sempre atende com um largo sorriso estampado no rosto. Provavelmente daí tenha surgido o apelido. “Com a vida que levo vou me preocupar com o quê?”, questiona.

- Olha a água para molhar os pés...

- Valeu, Sorriso!

E assim vem ele com um regador na mão, refrescando, na areia abrasadora, os pés dos fregueses. Serviço de primeira. É bem verdade que as outras pessoas que também têm barracas no Porto da Barra utilizam-se do mesmo artifício para garantir clientes: cerveja, refrigerante, água, coco, tudo sempre gelado, molhar os pés e tudo mais.

Mas o que valoriza a presença deste vendedor na praia, sem dúvida, é a simpatia. E o sorriso. “Mas todos nós aqui somos amigos. Minha relação com os outros vendedores é muito boa, porque a gente sempre se ajuda, somos quase uma família”, diz. Quem está na praia confirma. Há uma grande confiança entre os barraqueiros e também com os ambulantes, aqueles que vendem picolé, roupas, sanduíches e outras coisas. “Se o cliente não tiver dinheiro trocado para um sorvete, a gente dá o dinheiro e ao fechar a conta comigo, o visitante compensa”, conta Sorriso.

- Sorriso, uma cerveja, na moral!

- É pra já, meu amigo!

Lá esta ele, andando, correndo, de um lado pra o outro. De vez em quando pára, olha o mar, retira o boné e seca a testa com as costas da mão e dá uma risada. O que estaria ele pensando? Novamente volta para o seu cantinho, abre o isopor, pega algumas latas de cerveja, troca palavras com alguns jovens sentados sob a proteção causada pelo seu sombreiro, e volta a atender os clientes. Só que nem ele, tão acostumado, resiste ao calor, e aproveita para pegar uma garrafinha e beber água. “O trabalho é puxado!”

- Essa galera já tá indo?

- Sim... Vamos trabalhar!

- Não vai tomar a ‘saidêra’?

- A gente volta amanhã! Valeu, Sorriso!

- Falou, meus amigos!

Nas férias de julho, o dia amanheceu aberto. Sorriso repetiu seu ritual e foi trabalhar. Ao chegar no Porto, o tempo parecia que ia mudar. Havia algumas pessoas, ousadas, buscando um raio de sol para se bronzear. De repente, uma lufada de vento frio, e as nuvens cobriram o céu. Os banhistas rapidamente foram se retirando, menos um casal (eu e um certo alguém...), que permaneceu ali, sentado na areia.

- Vocês já vão?

- Não, Sorriso. Consegue um sombreiro?

- É pra já!

Ele correu e pegou a proteção. Segundos depois o sombreiro já estava cravado na areia fofa. O vento ficou mais forte e gelado, as nuvens se encontraram e começou a chuviscar. Sorriso levou duas latas de cerveja para o casal e afirmou que estava na barraquinha, caso eles precisassem de alguma coisa. O casal retribuiu tamanha simpatia e se abraçou.

A chuva aumentou e o casal parecia ignorar o mau tempo. Sorriso apenas olhava aqueles dois apaixonados que enfrentavam qualquer ameaça que pudesse dar fim àquele momento. Alguns minutos depois, a chuva diminuiu de intensidade. Sorriso correu ao ver que o homem e a mulher pareciam que iam embora.

- Ô, casal bonito! Tão indo embora, é?

- É, Sorriso. Esse tempo... essa chuva...

- Que nada. É só uma nuvem!

O casal agradeceu o conselho e sorriu, decidindo ficar um tempo mais na praia. Sorriso voltou à sua barraquinha, feliz não apenas por não ter perdido clientes, mas por acrescentar à sua vida coisas que só a vida que leva pode oferecer. Coisas simples e singelas, como um sorriso à beira mar. 

(Escrito em 2007, quando ainda estava na faculdade de jornalismo, mas tão atual...)

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