Batman: quase o peguei #04 - Medo

Batman: quase o peguei #04 - Medo 

Bruce Wayne precisa enfrentar não apenas mais um inimigo, e sim, o seu pior pesadelo. Será que dessa vez Batman conseguirá salvar sua contraparte?

- Não se preocupe, Alfred. Ainda vou encerrar algumas transições e daqui mesmo parto para a ronda.

- Continuarei insistindo, senhor Bruce. É necessário mais do que as três horas de sono que o senhor costuma ter…

- Esqueceu a técnica que aprendi de comprimir uma noite inteira de descanso nessas poucas horas? 

Dormir. Faz muito tempo que não sei o que é ter uma noite de sono. E muito menos, sonhar. De que adianta essa preocupação, se meus sonhos e pesadelos convivem todas as noites comigo?

- Ao menos não dispensou todos os seguranças, não é, senhor?

- Estão aqui ainda, Alfred. Em breve estarei em casa e… espere. O Comissário Gordon está aqui. Depois nos falamos. Comissário!

- Perdoe-me chegar nesse horário, senhor Wayne. 

- Não se preocupe. O que aconteceu?

- Queria conversar sobre o assalto a uma de suas empresas na semana passada…

- Compreendo. Mas a segurança já foi redobrada e meus advogados estão cuidando da parte, com seu perdão, chata.

- Entendo. Um homem tão ocupado como o senhor… Bom, vim informar que aumentamos a patrulha na área da sua empresa assaltada e pretendemos…

***

- Pela última avaliação, esse é o momento da troca dos turnos na empresa… Preparem os galões, porque vamos experimentar minha mais nova criação, meu novo gás!

- Chefe, e se sair alguma coisa errada?

- Você não estará presente caso isso aconteça.

- Como não? 

- Segurem-no. Bruce Wayne pode não ser o primeiro a receber a dose desse gás, mas com certeza saberei se funciona. É uma pena estrear com um reles capanga. Agora, façam com que ele inale. 

***

A conversa com Gordon é sobre a minha segurança. Queria poder dizer para que não se preocupasse com ela. E explicar o motivo. Só que uma coisa está me incomodando. A minha conversa com Alfred. Mas de que importa dormir, se a cidade nunca dorme? Sempre há um lunático planejando e executando alguma loucura. Uma promessa foi feita e não vou deixar de cumpri-la. Talvez Alfred esteja certo, ao afirmar que preciso de descanso. Mas quem ficaria no meu lugar, uma, duas noites, um mês?

- Compreendo, senhor Wayne. Mas devido a sua importância nessa cidade…

***

- Será que é tão difícil assim? Basta girar essa válvula que os galões liberam o gás. Vejam, admirem essa cor lilás entrando no sistema de circulação de ar. Precisamos de apenas três minutos para que se espalhe por toda a empresa. 

- Chefe, Box está morto?

- Não… Digamos que ele está repousando.

- Coma?

- Não. Dormindo.

- Dormindo?

- E, com certeza, tendo um ótimo…

- Sonho? 

- Enganado. Pesadelo. O maior medo dele está sendo revertido em um sonho. 

- Isso é possível?

- Você também quer experimentar?

- Não, mas… como conseguiu produzir esse gás? 

- Muito simples, meu caro. Fiz vários testes, sempre analisando a pessoa dormindo. Descobri que, durante o sono, vivemos um estado fisiológico diferenciado, pois as ondas cerebrais se alteram, os músculos entram em um estado profundo de relaxamento, a temperatura corporal cai, os glóbulos oculares se movimentam e o ritmo respiratório, as taxas hormonais e os batimentos cardíacos mudam.

- E isso quer dizer o que?

- Significa que não vou perder meu tempo tentando explicar uma coisa para uma pessoa que não vai entender. Ao menos que queria sentir.

- N-não, chefe. Já se passaram três minutos.

- Vamos. A minha nova fortuna me espera…

***

Estranho. Ainda não fui avisado da última troca dos seguranças. Câmeras ligadas. Nenhum movimento diferente. Câmeras secretas, ativadas. Há algo errado. E ainda tem o Comissário para me deixar mais preocupado. Sempre foi exigida pontualidade em todos os serviços nas Empresas. Mas, calma. Pode ser que eu esteja exagerando. Ser sempre desconfiado pode gerar preocupações desnecessárias. Apenas mais cinco minutos. Se nada acontecer, investigo.

- Continuo afirmando sobre a minha atual segurança, Comissário Gordon. 

- Conhece aquele ditado “é melhor prevenir do que remediar”? 

***

- Lá está a nossa segunda vítima. O segurança, mesmo dormindo, treme. Seu corpo já está suado.

- Chefe, as câmeras estão nos filmando. 

- Ótimo. Vamos até a sala de Bruce Wayne. 

- Espera, chefe, tô ouvindo alguma coisa. 

- Código de segurança sendo ativado automaticamente. Vocês não me falaram nada disso!

- Foi mal, chefe…

- Foi péssimo. Precisamos chegar até a sala da Presidência. Alguém está sem máscara? 

***

Não estou gostando nada desse silêncio. Vou descer e ver o que está acontecendo. Mas antes, preciso descartar Gordon. É bom avisar para Alfred que a minha empresa pode estar sendo invadida. Mas quem seria louco o suficiente para vir aqui? Tolo o eleito, por não saber que, na bem da verdade, o ‘playboy’ é o próprio Batman.

- Bruce Wayne! 

- Você? O que quer aqui? 

- Tratar de negócios. Mas vejo que está acompanhado, e isso é maravilhoso! 

- Não os faço com doentes fantasiados como você, Espantalho. 

- Senhor Wayne! Espantalho, esse prédio está cercado por policiais que…

- Não mais, Comissário. Já cuidei de todos. Bruce Wayne, eu tenho uma coisa que pode revolucionar o mundo! E pode até ser chamada de “terapia alternativa”. 

- Está ciente de que as minhas empresas são bastante seguras? 

- Digo e repito. Não notei isso ao derrubar todos os seus guardas, sócio. 

- Senhor Wayne, o que devemos fazer? 

- Calma, Comissário. O que quer, exatamente?

- A sua riqueza, o seu poder. Mais especificamente? Quero a sua vida!

- Espantalho… não vou ceder às suas chantagens.

- Não? Homens, vamos mostrar para Bruce Wayne do que meu novo gás é capaz de fazer. Amarrem-no e façam com que ele descanse em paz! 

Alguns capangas me seguram, outros seguram Gordon. Não posso demonstrar a minha força. Preciso esperar para ver o que vai acontecer com meu amigo. Ele está inalando a fumaça lilás. Seu corpo está caindo.

- O que fez com ele, Espantalho? 

- Apenas o dei uma boa noite de sono. E você será o próximo. Assim, enquanto estiver dormindo, poderei te controlar e fazer com que passe todos os seus bens para mim! 

Então foi ele quem roubou meu depósito. Pelo que vejo é uma substancia forte, um poderoso tranquilizante, capaz de fazer com que um homem caia em sono profundo.

- Sua vez, Bruce Wayne. Vou ficar rico! Depois de você, espalharei esse gás por toda Gotham, e em seguida, pelo mundo! As pessoas ficarão adormecidas até eu entregar o antídoto! 

- O corpo não suporta mais do que 14 horas seguidas de sono, Espantalho. 

- Mas o que tenho aqui é uma substancia criada em laboratório. E além do mais, esqueceu da estória da ‘Bela Adormecida’? 

- Não vai conseguir pôr esse plano em prática.

- Quem vai me impedir? Você? Hehehe!

Os homens estão me segurando. Oito de uma só vez. Não vou conseguir me libertar tão facilmente. Preciso de força. Tenho que ignorar minha preocupação com a identidade secreta.

- Diga ‘a’, Bruce!

Não adianta. Ele liberou o gás. Não sei quanto tempo vou conseguir prender a respiração. Gordon tombou quase quatro minutos depois de ter inalado. Humpf! Estão me dando socos e chutes no estômago. Assim vão me forçar a inspirar. Não! Não posso respirar esse gás. Eu fiz uma promessa…

- Hehehe! Bruce Wayne, o magnata, o milionário, está dormindo! Olha, parece uma criança indefesa. O que será que está sonhando? Ou melhor, qual pesadelo, qual seu maior medo que agora invade seu consciente? 

Mantenha os olhos abertos. Você não pode desistir. Você não sente os braços pesados, o pescoço mole, as pernas trêmulas. Boceje para estimular o cérebro, não por se sentir cansado. Abra os olhos!

- Não adianta lutar contra isso, Bruce Wayne. Fique sabendo que o sono é dividido em cinco fases: quatro delas de sono não-REM e uma de sono REM. E nesse período de sono REM é quando costumamos sonhar. Em outras palavras? Daqui a uma hora você estará insensível aos estímulos externos, por isso vou me aproveitar de você quando chegar na segunda fase, quando sentir seu corpo flutuando. 

Não. Estou muito relaxado. Meus pensamentos estão vagos. Estou adormecendo…

- Está na hora, Wayne. Você agora vai viver o seu maior pesadelo. Pena que não saberei qual é. Enquanto você se diverte com seus medos, vamos procurar alguns documentos importantes! 

Estou tomando banho durante uma festa… Olho para o teto do banheiro e percebo que ele se abriu e muitas pessoas estão me olhando. Procuro me esconder, esconder o meu corpo. Vergonha. Que angústia.

-  Procurem! Deve haver muito dinheiro por aqui também! Um homem rico como Bruce Wayne certamente guardará coisas de valor, mesmo sendo seu escritório! 

Estou com medo. As pessoas continuam me olhando, apontando. Não tenho como sair daqui. Continuo angustiado. Mas estou me sentindo… ansioso.

- Vamos procurar em outras salas. Esses dois nada poderão fazer contra a gente, por isso, vamos deixá-los sozinhos. Separem-se e lembrem de que vocês não podem retirar a máscara em nenhuma circunstância. 

Ansiedade. Sentimento normal, imprescindível para a vida cotidiana. Até uma certa intensidade ela é útil, pois permite que a pessoa possa levar adiante seus projetos e ambições, impulsionando-o para frente.

- Chefe, achei uma coisa! Tou no setor oeste, perto do elevador! 

- Não mexa em nada! Estou chegando! E pare de gritar! 

A ansiedade se caracteriza por manifestações psíquicas e físicas. As psíquicas são difíceis de descrever e variam de pessoa para pessoa. Ela se sente inquieta internamente, apreensiva em relação a algo vago, com desconforto, desprazer, nervosismo, irritação e dificuldade de concentração. As manifestações físicas incluem inquietação motora, falta de ar, boca seca, sudorese, mal-estar abdominal, aperto no coração, tensão muscular, dores e dificuldade para engolir.

- Dinheiro! Muito dinheiro! Estou rico! 

- Chefe, e esses papéis aqui? 

- Isso vale como ações!

A ansiedade pode se manifestar de modo constante ou crises abruptas. Essas crises podem estar relacionadas a alguma situação específica ou ocorrem de modo espontâneo. Os principais transtornos ansiosos são a ansiedade generalizada, transtorno de pânico e… MEDO.

- Vamos pegar tudo e explodir essa empresa! 

- Mas chefe, e Bruce Wayne e o Comissário Gordon? Se eles morrerem vão caçar os assassinos até o fim. Até nos acharem! 

- Está com medo? 

- N-não. 

- Você está com medo? 

- Estou, chefe. 

- Isso é muito bom. Vamos, procurem produtos inflamáveis. Quero ver esse lugar em chamas!

Eu estou com medo. As pessoas ainda me olham e apontam. Mas estou ansioso porque não consigo sair daqui. Tenho que sair daqui. AGORA!

- Continuem espalhando! Quero esse lugar nas alturas! E com direito a brindes: os corpos do poderoso Wayne e do Comissário voando pela janela, junto com os cacos de vidro! Hehehe!

- Uma pena estragar seus planos, Espantalho. 

- BATMAN! Como entrou aqui? E por que não está dormindo! A concentração de gás… Você está sem máscara! 

- Inverti o movimento dos ventiladores. Todo o vapor foi para um lugar onde não vai incomodar ninguém. Já você, parece-me em apuros. 

- Hehehe! Ainda não! Queimem tudo e matem esse morcego! 

Espantalho corre. Não há porque pegá-lo agora. Os capangas investem contra mim. Preciso me preocupar no que eles podem fazer com minhas empresas. E ainda tem o Comissário. Vou acionar Alfred. Com certeza ele poderá me ajudar a despertar Gordon. Os homens de Espantalho me enfrentam. Chutam, socam. Movimentos sem coordenação. Eles se preocupam com a máscara. Hora de tirar uma a uma.

- Ah, Batman! Não posso deixar que você estrague meu plano! Vou começar a incendiar esse lado e depois pego meus reféns, afinal, o dinheiro que roubei vai me fazer ficar sumido por um bom tempo. Espero que aqueles idiotas tenham conseguido deter aquele morcego!

- Não. 

- Não?

- Não. Eles não conseguiram me deter. 

- Você não é imune a esse gás, Batman! Inale-o! 

- Não dessa vez. Você quem terá uma boa noite de sono, Espantalho. 

- Vamos ver! 

Ele abre a válvula de uma pequena garrafa escondida na parte de trás da cintura. Acionar máscara de proteção. A fumaça lilás se espalha, como uma nuvem, sobre nossos corpos. Ele pode usar isso como uma maneira para fugir. Mas ele insiste contra mim. Parece que não sabe que estou protegido.

- Você ainda não caiu, Batman? Como assim? 

- Ansiedade, Espantalho. A cura para qualquer medo. 

Arrancar essa garrafa e arremessá-la para longe do seu alcance. Ele está sem saber o que fazer. Essa é a hora. Soque-o o queixo. Derrube-o. Ele ainda tenta lutar, mesmo ao chão, chutando as minhas pernas. Um breve salto. Ao cair, segure-o pelo pescoço. Atinja-o no estômago. Force-o a inalar o vapor. Ele pode ser imune ao gás venenoso, mas será que é a um fortíssimo sonífero? Se não, tenho uma maneira melhor para fazê-lo adormecer.

- Alfred, obrigado por não demorar. 

- O que aconteceu, senhor? 

- O Espantalho teve a audácia de invadir, outra vez, a minha empresa. Mas para o azar dele, eu estava aqui. 

- E por que há tantos dormindo?

- Ele desenvolveu um gás do sono em que poderia controlar qualquer pessoa. Inclusive a mim. 

- E como ele não conseguiu tal proeza? 

- O meu pesadelo, Alfred. E por causa do medo, consegui acordar. 

- Conte-me, não me deixe curioso, senhor! 

- Antes, precisamos acordar o Comissário. 

- Tem alguma ideia? 

- O Espantalho disse que esse gás era como uma terapia alternativa. Vou usar uma técnica também alternativa. 

- Qual seria? 

- Acupuntura. 

Agulhas espalhadas em pontos certos. Gordon vai despertar lentamente. Tempo suficiente para voltar a ser Bruce Wayne e explicar que o sistema de segurança registrou a entrada de uma pessoa. Provavelmente, Batman. E, claro, explicar que formos acordados por causa das agulhas, graças ao homem-morcego. Assim, ele fará o mesmo com os capangas de Espantalho. Menos com o próprio lunático, que ainda não descobri se dormiu por causa do gás… ou por minha causa. A minha aparência ainda é o pior dos pesadelos desses vilões.

***

- Senhor, estou curioso. 

- Com o que, Alfred? 

- Com o que sonhou. E como acordou. 

- Alfred, enquanto não caía num sono profundo, ouvi-o falar sobre as cinco fases do sono. A quarta fase, depois de uma hora dormindo, deixar-me-ia completamente relaxado e insensível a qualquer estímulo exterior. E pelo que pude perceber, não passei da segunda fase. Nessa etapa poderia recuperar a ‘atenção’. 

- E qual foi seu sonho? Ou pesadelo, caso queira chamar assim? 

- Vê esse livro? 

- “Explicações para sonhos”. Cético, não? 

- Procurei sobre o que se passou na minha mente naquele momento e encontrei. 

- O que foi? 

- Vou falar, mas não quero saber de brincadeiras. 

- Certamente, senhor Bruce. 

- O significado do meu sonho… Queria dizer que eu estou tendo inúmeros sucessos na minha vida profissional e que colocava toda a minha energia nessa área, deixando para último a minha vida afetiva. 

- Isso mostra que o senhor está sofrendo com a solidão e com sentimentos de menos valia.

- Estou vendo o sonho compensar uma unilateralidade da consciência, esclarecendo qual é a minha realidade interior, e me forçando a buscar minha verdadeira realização. 

- Proponho uma boa noite de sono, senhor. 

- Alfred, cada vez que eu fecho os olhos começa tudo de novo. 

E eu jurei jamais fechar os olhos.