Hera Venenosa #07 - Fotossíntese
Amazônia, dias atuais
Localização exata: desconhecida.
De dentro de um avião bimotor, Pamela se deliciava com a vista: mata densa, fechada.
De cima ela nem percebia o que agora seus sentidos a apresentavam: o cheiro da terra recém-chuva e a construção erguida no meio de uma clareira.
- Dr. Woodrue, onde estamos, exatamente?
- Na sua casa durante os próximos anos, senhorita Isley.
Assim que sente o corpo estremecer por tamanha excitação, prenúncio de descobertas, os dois são recepcionados por um seleto grupo de cinco renomados cientistas; quase um de cada continente.
- Bem vindo, Dr. Woodrue. Como foi a viagem?
- Como um conto de Julio Verner, Dr. Hayate. Essa é a minha assistente, Pamela Isley.
- Isley? – questiona, interrompendo Dr. O’Neal – Acredito que li algum trabalho seu…
- Da minha mãe, creio eu. – responde Pamela.
Discretos sorrisos quebram a formalidade.
- Pamela, já conhece o Dr. Hayate e o Dr. O’Neal, do Japão e da Austrália, respectivamente. Estes são o Dr. Alencar, do Brasil, Dra. Sarno, da Itália, e o Dr. XX, da África do Sul.
- Incrível! Estudei artigos de todos vocês… Desculpem, mas estou emocionada! Diversos pesquisadores das mais variadas floras do planeta…
Um indígena se aproxima, carregando a discreta bagagem de Pamela.
- Este – diz Woodrue – é Kaloré, nativo, vai ser seu guia nas próximas semanas. Conhece toda esta região amazônica, além das flores e animais.
Discretos cumprimentos com as cabeças.
E assim todos entram no parque tecnológico. Totalmente auto-sustentável, utilizando energia limpa, reciclagens…
O pulmão de Pamela encheu-se nos primeiros passos já dentro do Centro. Por fora, parecia menor…
Kaloré leva a mala de Pamela para o aposento e ela segue caminhando com os seis cientistas.
- Deve estar confusa, senhorita Isley, mas em breve vai se acostumar. Não se preocupe com as náuseas ou vômitos, são comuns por aqui por causa do… digamos… ar puro.
Dito e feito. Pamela já sentia ânsias…
- Menina – diz Woodrue – se você preferir, pode caminhar com Kaloré pela floresta, a fim de se adaptar previamente.
- Bom, pode ser, mas antes, só para acalmar meus ânimos, qual trabalho vocês desenvolvem aqui?
- Como pode perceber – Dr. Hayate – aqui trabalhamos com pesquisas. Analisamos espécies de plantas e seu pontencial – seja ele qual for – para partir para a produção de medicamentos, cosméticos e demais usos.
- Interessante – responde Pamela, empolgada – e os laboratórios?
- Você terá ingresso a quase todo o Centro Pamela – explica Dr. Woodrue. Depois lhe darei um cartão de acesso e, logicamente, onde a porta não abrir é porque você não poderá entrar.
Risos.
- Estamos na mais rica região de biodiversidade do mundo – diz a Dra. Sarno – Nós também fazemos experiências para reproduzir plantas de outras regiões, além de desenvolver novas espécies, até mesmo para potencializar a polinização e proteger do desmatamento.
- Acho que essa parte chata pode ficar para a reunião de amanha, não acham? Kaloré, leve panela para um passeio.
Pamela se despede e caminha, trêmula, ao lado de Kaloré.
Lá fora, o sol ainda está a pino.
- Doutora…
- Pode me chamar de Pamela.
- Pamela… a primeira regra é: jamais ande sozinha pela região.
- Nem devo falar com estranhos, né?
O nativo não entende a piada.
- Segundo, está vendo aquele arco, entre duas grandes árvores?
- Que tem?
- Nunca cruze aquela placa. Lá é a parte proibida.
- Como assim?
- Os cientistas ainda não desbravaram aquela região. Ninguém pode ir até lá.
- Hum… entendo… Mas há previsão de iniciar a pesquisa por lá?
- Sim. Além de ser uma parte intocada, existe uma etnia indígena arisca… primitiva… que não tolera contatos com outros povos, seja lá de onde forem.
- Acho que li algo sobre isso…
- Não. Ninguém sabe da existência deles.
- Como você sabe?
Os minutos de silêncio respondem à pergunta.
- Você… Meu Deus! E como você…?
- Não tenho permissão para falar, Pamela.
- Ainda não tem, né? – e segura os óculo de grau que deslizam pelo nariz.
- Veja… aqui você vai encontrar muitas plantas novas, por isso, não mexa em nenhuma que não conheça.
- Terceira norma anotada. Tem mais?
- Entre no Centro quando o último pássaro cantar. A noite aqui é traiçoeira.
- Isso me cheira a lendas!
- Isso tem cheiro de animais selvagens e plantas venenosas.
Um frio na espinha.
- Não posso negar, Kaloré. Estou me sentindo completa agora. Como se, finalmente, achasse meu caminho. A minha vida ainda melhora: como se minha mãe estivesse aqui, comigo.
- Ela é uma estrela agora?
- Hã?
Mais silêncio.
- Sim! Entendi! Ela morreu quando eu era pequena. Estava defendendo a natureza.
- Por isso segue os passos dela?
- Acho isso muito nobre.
- Se está feliz, achou seu caminho realmente.
- Você se encontrou?
- Pode apostar.
Caminham a lentos passos. Pesquisando. Apontando. Descobrindo sobre as culturas novas. Vendo animais e as cores das espécies inéditas, que enchiam os olhos de Pamela.
- Devemos retornar agora.
- Mas já?
- Sim. Você precisa tomar algumas vacinas e dormir um pouco. Amanhã cedo daremos outra volta.
- Obrigada, Kaloré, por enriquecer meu dia e encher minha alma.
E assim alguns meses se passaram, numa rotina mágica.
Análises de novas plantas, catalogação, estudos de reprodução, propriedades de cada uma.
Os grandes e potentes computadores previam resultados de cruzamento entre espécies e havia testes de cada componente retirado das raízes, caules, folhas, flores e frutos.
Um dia Pamela teve contato com o cansanção e ao tempo em que se desesperava, admirava as erupções cutâneas na pele e, curiosa tentava entender as reações que vidas pequenas faziam nas grandes máquinas, como o corpo humano.
Finalmente ela esqueceu o passado, ou, pelo menos, o deixou escondido em algum lugar das lembranças perdidas.
Era uma vida nova. Sem aqueles temores. Sem o pavor de dormir achando que alguém lhe invadirá o quarto e lhe roubará o corpo.
Nos outros dias, aquele sentido humano que, ora ajuda, ora estraga lhe batia à porta da razão.
Não se tinha notícias de quando o processo de exploração da floresta secreta se iniciaria.
Nem as palavras tranquilas de Kaloré acalmavam a curiosidade e a vontade do desconhecido.
Até aquele dia.
Aquele.
Quando, de jaleco e prancheta, Pamela concluiu análises na estufa e, antes de retornar pro Centro, sentiu o cheiro.
A tensão arterial foi reduzida, assim como seus batimentos cardíacos.
Quanto mais inalava, mais sentia seu corpo flutuar; sendo levado, quase que inconscientemente.
Ignorou o aviso de “não ultrapasse” ao passar sob o arco entre as duas grandes árvores.
Zonza.
Olhos secos.
Em nada pensava, mas parava para delirar as plantas de cores florescentes que surgiam em sua frente.
Não ouviu (ou ignorou?) o último pássaro cantar.
Seguia pela mata fechada, embalada pelo ardor nas narinas.
E depois pelas vozes que ouvia.
Ela jurava que alguém a chamava, cantarolando seu nome em vários tons.
Seu rosto esquentou. Nesse momento ela perdeu os sentidos.
Entrou em transe.
Só que ela parecia, de alguma forma, consciente, porque parou para não ser vista e assim poder analisar o que estava queimando na grande fogueira: um corpo.
Era um ritual indígena que celebrava a morte de um tribal.
Os nativos dividiam uma cuia com um líquido escuro e revezavam um de cachimbo. Sempre entoando…
A hipnose não cessava.
Até seu corpo tombar.
Ao fundo, Kaloré disparara com uma espécie de zarabatana.
Frio.
Seu corpo sofria espasmos.
- Os batimentos cardíacos ainda não se normalizaram, Dr. Woodrue.
- Entendo, Kaloré, você deu a dose certa?
- Eu nunca erro, senhor.
- Dr. Hayate, aumente a dose de soro. O que ela viu, Kaloré?
- Tudo.
- Até a cremação?
- Sim, mas ela não estava 100% sã.
- Não importa. Ela vai questionar sobre os nativos.
- Ela é uma ameaça?
- Qualquer um que vê o que não compreende, se torna uma ameaça, Dr. Alencar.
- O que sugere?
- Vamos usá-la como cobaia.
- Não é melhor esperar os sinais vitais se normalizarem?
Pamela já ouvia. Via. Sentia.
- Ela pode morrer, senhor.
- Kaloré, saia, agora! Dr. XX, reúna a equipe e reavalie os últimos professores, refaça cálculos, enfim, quero todos vocês trabalhando. Vou ficar aqui com ela, quero realizar uns exames.
Todos saem da sala.
Pamela, deitada naquela cama hospitalar, com os punhos presos, assim como o tronco.
- Eu pensei que você não fosse me trair, Pamela. Confiei em você. Confiei na sugestão de um grande amigo. E o que ganhei em troca? Traição! - diz Woodrue, ao pegar uma seringa – Dei a chance para você mudar de vida, de se tornar uma espera em biologia… manipular a vida, Pamela! Você desperdiçou isso! Por curiosidade! – injeta a agulha numa ampola e traga o conteúdo – Poderia me ajudar com todo seu potencial no processo de criação de seres híbridos, super-homens com poderes naturais… criaturas que valeriam milhões para serem usadas como soldados… Aquele infeliz que ardia na tribo foi mais um fracasso! Todos os indígenas de lá são nossas cobaias… todos que pegamos, falharam! – bate na seringa com os dedos – Você me traiu, Pamela!
Ela abriu os olhos. Dr. Woodrue viu e riu. Ela tentou gritar, se mexer, mas ainda não tinha controle sobre o corpo.
- Sabem o que dizem da heroína, Pamela? Que se ela for injetada durante o sexo, o ato se torna como um… Nirvana!
Os olhos de Pamela se enchem de lágrimas.
- Isso é melhor do que heroína! É usado por séculos pelos indígenas como afrodisíaco!
Dr. Woodrue injeta o conteúdo na verde eia do braço direito da nova cobaia.
- Isso que você recebe é m ais do que um contato com os deuses… É a transformação num deus!
As pupilas de Pamela se dilatam. Woodrue puxa-a pelo quadril, abaixa a calça branca até os joelhos, separa as pernas dela e inicia o movimento de vai e vem.
- Viu só? A pressão que sua vagina recebe por causa do fluxo sanguíneo intensificado? Seus hormônios, tudo vive em função do que injetei em você. Percebe que tá gozando? Que não para de gozar? Hein, Pamela? Que seus orgasmos estão tão violentos que parece que você está urinando? Percebe?
As pernas de Pamela estão sobre os ombros de Woodrue, que não agüenta e ejacula sobre a barriga dela, atingindo, inclusive, os seios.
- O melhor é que você não foi violentada, Pamela. Não pode me acusar de estupro porque você está consciente! – ele sobe as calças e com o próprio lençol limpa o corpo de Pamela.
Pouco tempo depois os cientistas iniciam o processo. Injetavam diversas agulhas pelo corpo, pregavam a pele em aparelhos, tubos pelo nariz…
- É a hora, meus colegas!
Um botão apertado.
Um corpo agonizando.
Se tornando verde.
- Se ela passar por essa primeira etapa… vamos ter sucesso!
Sinais baixos.
Parando.
Parando.
Parados.
- Morta! Mais um fracasso! Imprimam relatórios! Vou levar o corpo para o aterro.
Debaixo da chuva, Woodrue carrega Pamela, nua. Cava uma cova rasa e a enterra.
- Merda, Pamela! Você só me deu prejuízo!
Woodrue se afasta, resmungado. Kaloré se aproxima, se escondendo.
Ele medita, como se rezasse para seus entes celestes.
A grama rapidamente cresce na terra remexida,
Essa terra ainda revira, viva.
Kaloré assiste a tudo, incrédulo.
Uma mão escapa. O índio grita e corre, desesperado.
A chuva aumenta. Os cânticos dos nativos ecoam pela floresta.
O cheiro.
O mesmo transe.
Um corpo surge do chão, levanto a terra em todas as direções.
A mulher nua.
Pele grossa, como casca de árvore.
Cabelos ressecados, como palha.
O grito aterrorizante acompanhou os movimentos das mãos, ao tocarem o corpo.
Corrida pela mata. Os sons e a chuva seguiam vibrantes.
Que aumentaram, quando ela chegou num riacho.
Como aumentaram, também, os gritos. O desespero.
Ela não se reconheceu ao ver o próprio reflexo.
__
** Kaloré - Campo das árvores pintadas
Amazônia, dias atuais
Localização exata: desconhecida.
De dentro de um avião bimotor, Pamela se deliciava com a vista: mata densa, fechada.
De cima ela nem percebia o que agora seus sentidos a apresentavam: o cheiro da terra recém-chuva e a construção erguida no meio de uma clareira.
- Dr. Woodrue, onde estamos, exatamente?
- Na sua casa durante os próximos anos, senhorita Isley.
Assim que sente o corpo estremecer por tamanha excitação, prenúncio de descobertas, os dois são recepcionados por um seleto grupo de cinco renomados cientistas; quase um de cada continente.
- Bem vindo, Dr. Woodrue. Como foi a viagem?
- Como um conto de Julio Verner, Dr. Hayate. Essa é a minha assistente, Pamela Isley.
- Isley? – questiona, interrompendo Dr. O’Neal – Acredito que li algum trabalho seu…
- Da minha mãe, creio eu. – responde Pamela.
Discretos sorrisos quebram a formalidade.
- Pamela, já conhece o Dr. Hayate e o Dr. O’Neal, do Japão e da Austrália, respectivamente. Estes são o Dr. Alencar, do Brasil, Dra. Sarno, da Itália, e o Dr. XX, da África do Sul.
- Incrível! Estudei artigos de todos vocês… Desculpem, mas estou emocionada! Diversos pesquisadores das mais variadas floras do planeta…
Um indígena se aproxima, carregando a discreta bagagem de Pamela.
- Este – diz Woodrue – é Kaloré, nativo, vai ser seu guia nas próximas semanas. Conhece toda esta região amazônica, além das flores e animais.
Discretos cumprimentos com as cabeças.
E assim todos entram no parque tecnológico. Totalmente auto-sustentável, utilizando energia limpa, reciclagens…
O pulmão de Pamela encheu-se nos primeiros passos já dentro do Centro. Por fora, parecia menor…
Kaloré leva a mala de Pamela para o aposento e ela segue caminhando com os seis cientistas.
- Deve estar confusa, senhorita Isley, mas em breve vai se acostumar. Não se preocupe com as náuseas ou vômitos, são comuns por aqui por causa do… digamos… ar puro.
Dito e feito. Pamela já sentia ânsias…
- Menina – diz Woodrue – se você preferir, pode caminhar com Kaloré pela floresta, a fim de se adaptar previamente.
- Bom, pode ser, mas antes, só para acalmar meus ânimos, qual trabalho vocês desenvolvem aqui?
- Como pode perceber – Dr. Hayate – aqui trabalhamos com pesquisas. Analisamos espécies de plantas e seu pontencial – seja ele qual for – para partir para a produção de medicamentos, cosméticos e demais usos.
- Interessante – responde Pamela, empolgada – e os laboratórios?
- Você terá ingresso a quase todo o Centro Pamela – explica Dr. Woodrue. Depois lhe darei um cartão de acesso e, logicamente, onde a porta não abrir é porque você não poderá entrar.
Risos.
- Estamos na mais rica região de biodiversidade do mundo – diz a Dra. Sarno – Nós também fazemos experiências para reproduzir plantas de outras regiões, além de desenvolver novas espécies, até mesmo para potencializar a polinização e proteger do desmatamento.
- Acho que essa parte chata pode ficar para a reunião de amanha, não acham? Kaloré, leve panela para um passeio.
Pamela se despede e caminha, trêmula, ao lado de Kaloré.
Lá fora, o sol ainda está a pino.
- Doutora…
- Pode me chamar de Pamela.
- Pamela… a primeira regra é: jamais ande sozinha pela região.
- Nem devo falar com estranhos, né?
O nativo não entende a piada.
- Segundo, está vendo aquele arco, entre duas grandes árvores?
- Que tem?
- Nunca cruze aquela placa. Lá é a parte proibida.
- Como assim?
- Os cientistas ainda não desbravaram aquela região. Ninguém pode ir até lá.
- Hum… entendo… Mas há previsão de iniciar a pesquisa por lá?
- Sim. Além de ser uma parte intocada, existe uma etnia indígena arisca… primitiva… que não tolera contatos com outros povos, seja lá de onde forem.
- Acho que li algo sobre isso…
- Não. Ninguém sabe da existência deles.
- Como você sabe?
Os minutos de silêncio respondem à pergunta.
- Você… Meu Deus! E como você…?
- Não tenho permissão para falar, Pamela.
- Ainda não tem, né? – e segura os óculo de grau que deslizam pelo nariz.
- Veja… aqui você vai encontrar muitas plantas novas, por isso, não mexa em nenhuma que não conheça.
- Terceira norma anotada. Tem mais?
- Entre no Centro quando o último pássaro cantar. A noite aqui é traiçoeira.
- Isso me cheira a lendas!
- Isso tem cheiro de animais selvagens e plantas venenosas.
Um frio na espinha.
- Não posso negar, Kaloré. Estou me sentindo completa agora. Como se, finalmente, achasse meu caminho. A minha vida ainda melhora: como se minha mãe estivesse aqui, comigo.
- Ela é uma estrela agora?
- Hã?
Mais silêncio.
- Sim! Entendi! Ela morreu quando eu era pequena. Estava defendendo a natureza.
- Por isso segue os passos dela?
- Acho isso muito nobre.
- Se está feliz, achou seu caminho realmente.
- Você se encontrou?
- Pode apostar.
Caminham a lentos passos. Pesquisando. Apontando. Descobrindo sobre as culturas novas. Vendo animais e as cores das espécies inéditas, que enchiam os olhos de Pamela.
- Devemos retornar agora.
- Mas já?
- Sim. Você precisa tomar algumas vacinas e dormir um pouco. Amanhã cedo daremos outra volta.
- Obrigada, Kaloré, por enriquecer meu dia e encher minha alma.
E assim alguns meses se passaram, numa rotina mágica.
Análises de novas plantas, catalogação, estudos de reprodução, propriedades de cada uma.
Os grandes e potentes computadores previam resultados de cruzamento entre espécies e havia testes de cada componente retirado das raízes, caules, folhas, flores e frutos.
Um dia Pamela teve contato com o cansanção e ao tempo em que se desesperava, admirava as erupções cutâneas na pele e, curiosa tentava entender as reações que vidas pequenas faziam nas grandes máquinas, como o corpo humano.
Finalmente ela esqueceu o passado, ou, pelo menos, o deixou escondido em algum lugar das lembranças perdidas.
Era uma vida nova. Sem aqueles temores. Sem o pavor de dormir achando que alguém lhe invadirá o quarto e lhe roubará o corpo.
Nos outros dias, aquele sentido humano que, ora ajuda, ora estraga lhe batia à porta da razão.
Não se tinha notícias de quando o processo de exploração da floresta secreta se iniciaria.
Nem as palavras tranquilas de Kaloré acalmavam a curiosidade e a vontade do desconhecido.
Até aquele dia.
Aquele.
Quando, de jaleco e prancheta, Pamela concluiu análises na estufa e, antes de retornar pro Centro, sentiu o cheiro.
A tensão arterial foi reduzida, assim como seus batimentos cardíacos.
Quanto mais inalava, mais sentia seu corpo flutuar; sendo levado, quase que inconscientemente.
Ignorou o aviso de “não ultrapasse” ao passar sob o arco entre as duas grandes árvores.
Zonza.
Olhos secos.
Em nada pensava, mas parava para delirar as plantas de cores florescentes que surgiam em sua frente.
Não ouviu (ou ignorou?) o último pássaro cantar.
Seguia pela mata fechada, embalada pelo ardor nas narinas.
E depois pelas vozes que ouvia.
Ela jurava que alguém a chamava, cantarolando seu nome em vários tons.
Seu rosto esquentou. Nesse momento ela perdeu os sentidos.
Entrou em transe.
Só que ela parecia, de alguma forma, consciente, porque parou para não ser vista e assim poder analisar o que estava queimando na grande fogueira: um corpo.
Era um ritual indígena que celebrava a morte de um tribal.
Os nativos dividiam uma cuia com um líquido escuro e revezavam um de cachimbo. Sempre entoando…
A hipnose não cessava.
Até seu corpo tombar.
Ao fundo, Kaloré disparara com uma espécie de zarabatana.
Frio.
Seu corpo sofria espasmos.
- Os batimentos cardíacos ainda não se normalizaram, Dr. Woodrue.
- Entendo, Kaloré, você deu a dose certa?
- Eu nunca erro, senhor.
- Dr. Hayate, aumente a dose de soro. O que ela viu, Kaloré?
- Tudo.
- Até a cremação?
- Sim, mas ela não estava 100% sã.
- Não importa. Ela vai questionar sobre os nativos.
- Ela é uma ameaça?
- Qualquer um que vê o que não compreende, se torna uma ameaça, Dr. Alencar.
- O que sugere?
- Vamos usá-la como cobaia.
- Não é melhor esperar os sinais vitais se normalizarem?
Pamela já ouvia. Via. Sentia.
- Ela pode morrer, senhor.
- Kaloré, saia, agora! Dr. XX, reúna a equipe e reavalie os últimos professores, refaça cálculos, enfim, quero todos vocês trabalhando. Vou ficar aqui com ela, quero realizar uns exames.
Todos saem da sala.
Pamela, deitada naquela cama hospitalar, com os punhos presos, assim como o tronco.
- Eu pensei que você não fosse me trair, Pamela. Confiei em você. Confiei na sugestão de um grande amigo. E o que ganhei em troca? Traição! - diz Woodrue, ao pegar uma seringa – Dei a chance para você mudar de vida, de se tornar uma espera em biologia… manipular a vida, Pamela! Você desperdiçou isso! Por curiosidade! – injeta a agulha numa ampola e traga o conteúdo – Poderia me ajudar com todo seu potencial no processo de criação de seres híbridos, super-homens com poderes naturais… criaturas que valeriam milhões para serem usadas como soldados… Aquele infeliz que ardia na tribo foi mais um fracasso! Todos os indígenas de lá são nossas cobaias… todos que pegamos, falharam! – bate na seringa com os dedos – Você me traiu, Pamela!
Ela abriu os olhos. Dr. Woodrue viu e riu. Ela tentou gritar, se mexer, mas ainda não tinha controle sobre o corpo.
- Sabem o que dizem da heroína, Pamela? Que se ela for injetada durante o sexo, o ato se torna como um… Nirvana!
Os olhos de Pamela se enchem de lágrimas.
- Isso é melhor do que heroína! É usado por séculos pelos indígenas como afrodisíaco!
Dr. Woodrue injeta o conteúdo na verde eia do braço direito da nova cobaia.
- Isso que você recebe é m ais do que um contato com os deuses… É a transformação num deus!
As pupilas de Pamela se dilatam. Woodrue puxa-a pelo quadril, abaixa a calça branca até os joelhos, separa as pernas dela e inicia o movimento de vai e vem.
- Viu só? A pressão que sua vagina recebe por causa do fluxo sanguíneo intensificado? Seus hormônios, tudo vive em função do que injetei em você. Percebe que tá gozando? Que não para de gozar? Hein, Pamela? Que seus orgasmos estão tão violentos que parece que você está urinando? Percebe?
As pernas de Pamela estão sobre os ombros de Woodrue, que não agüenta e ejacula sobre a barriga dela, atingindo, inclusive, os seios.
- O melhor é que você não foi violentada, Pamela. Não pode me acusar de estupro porque você está consciente! – ele sobe as calças e com o próprio lençol limpa o corpo de Pamela.
Pouco tempo depois os cientistas iniciam o processo. Injetavam diversas agulhas pelo corpo, pregavam a pele em aparelhos, tubos pelo nariz…
- É a hora, meus colegas!
Um botão apertado.
Um corpo agonizando.
Se tornando verde.
- Se ela passar por essa primeira etapa… vamos ter sucesso!
Sinais baixos.
Parando.
Parando.
Parados.
- Morta! Mais um fracasso! Imprimam relatórios! Vou levar o corpo para o aterro.
Debaixo da chuva, Woodrue carrega Pamela, nua. Cava uma cova rasa e a enterra.
- Merda, Pamela! Você só me deu prejuízo!
Woodrue se afasta, resmungado. Kaloré se aproxima, se escondendo.
Ele medita, como se rezasse para seus entes celestes.
A grama rapidamente cresce na terra remexida,
Essa terra ainda revira, viva.
Kaloré assiste a tudo, incrédulo.
Uma mão escapa. O índio grita e corre, desesperado.
A chuva aumenta. Os cânticos dos nativos ecoam pela floresta.
O cheiro.
O mesmo transe.
Um corpo surge do chão, levanto a terra em todas as direções.
A mulher nua.
Pele grossa, como casca de árvore.
Cabelos ressecados, como palha.
O grito aterrorizante acompanhou os movimentos das mãos, ao tocarem o corpo.
Corrida pela mata. Os sons e a chuva seguiam vibrantes.
Que aumentaram, quando ela chegou num riacho.
Como aumentaram, também, os gritos. O desespero.
Ela não se reconheceu ao ver o próprio reflexo.
__
** Kaloré - Campo das árvores pintadas
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