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Hera Venenosa #01 - À flor da pele

Hera Venenosa #01 – À flor da pele




Seattle, anos atrás


- Estou grávida.
- Grávida?


O que era para ser um simples jantar tornou-se um inferno.


- De quem é?
- Como ousa?


Uma caneca com café preto voa sobre a mesa, chocando-se contra a parede.


- Desde quando?
- Descobri hoje.
- Quanto tempo?
- Um mês... talvez.


Um homem e a ira não são uma combinação atraente. Muito menos, a consequência.


- Você vai tirar.
- Nunca.
- Ou você tira... ou eu o arranco de dentro de você.


O homem ensandecido, por ser pego de surpresa, perde todos oslimites. Seja da razão, seja da emoção.


- Não me venha com discuros religiosos.
- Não se trata de religião. Se trata de uma vida!
- Não quero com papo acadêmico.
- Não quero acabar com o meu corpo, nem ser acusada de assassina por causa de um capricho seu!


Até o respeito se esvai, como as areias da ampulheta do tempo.


- Por que não se rpeveniu?
- Como pensar em rpecaucao quando sou praticamente estuprada todas as noites?


Agressões físicas se tornam mais comuns. E cada vez menos se cria coragem para uma denúncia à autoridades ou para uma fuga.


- Você sempre soube que eu nunca quis ter filhos!
- Não vou pedir desculpas!
- Então saia da minha casa, sua puta!


Então, o inevitável. Um soco no queixo. Seguido por uma cotovelada na testa. Uma joelhada no abdome. Um corpo estrado no chão da cozinha, melado com café, e com a boca ensanguentada.


De repente tudo se torna escuro.


E no dia seguinte é como se nada tivesse aconteceido.


Menos o fato dessa mulher estar internada em m hospital e, ao seu lado, sentado, tranquilo, seu agressor.
As rosas amarela dão colorido ao quarto branco, sem vida, mas seu olor não aafa o éter que queima as narinas.


- O que houve?


É a única pergunta propícia para a vítima.


- Você caiu, meu amor.
- Como... como está... o nosso filho?


Os segundos de silêncio são interrompidos por outra voz feminina, marcada por um pigarro incessante.


- Devia ter sido mais cuidadosa. Uma mulher no seu estado... grávida... não pode ficar perambulando por aí.


A sogra torna-se conivente com o marido? 


- Felizmente nada aconteceu com meu neto.
- Aliviado agora, minha mãe, com essa notícia.
- Conversei com o dr. Klein sobre o estado de saúde dos dois.
- Não sei o que seria de mim com uma perda dessa proporção.


Falso. Mentiroso.


Uma outra voz masculina ecoa pelo quarto. Dr. Klein e uma policial.


- As lesões sofridas por ela foram graves. Recomendo descanso, especalmente nos primeiros quatro meses. Sem esforço físico – isso se aplica a ato sexual, sem trabalho pesado. Esta policial vai acompanhar todo o período da gestação de risco. Espero que nada aconteça, não é? Não seria agradável um registro de aborto proposital e o óbito da mãe.


Sim, existem pessoas boas. Que lutam pela vida. Que protegem.


Dias depois o retorno para casa. A sensação do pacor e de insegurança. Agressões ocorreram em cada cômodo, desde que houve uma união estável.


Nem o sonho do casamento foi realizado. Isso inclui festas, lua-de-mel...


Mas o sonho de ser mãe não seria roubado como tantos outros.


Nas semanas seguintes, finalmente havia paz de espírito. A barriga já revelava a criança e os mais idosos afirmavam, pelo frmato, que seria uma menina.


O policial e a sogra coincidentemente alternanvam os dias em que visitam a mãe, que agora parecia mais corada confiante.


Pelo menos durante o dia.


À noite, o marido chegava e o hálito de álcool denunciava que ee estava bêbado. 


Provavelmente em algum brega de beira de estrada.


Ele sempre ia até o quarrto, mas ela rapidamente fingia estar dormindo. Contra a luz ela o via e tremia. Ele, sem equilíbrio, tirava o cint. O arulho da fivela fazia com que o queixo dela tremesse. Mas ele deixaca as calças caírem aos pés e saía.


Aproveitando a luz e o calor ds dia, ela pôs-se a se movimentar, pondo em prática coisas que aprendeu na universidade ou em campanhas contra a destruição da natureza.


Uma horta smples, um jardim cheiroso e colorido. Muitas conversas com as flores e com a filha.


Essa é a violeta.


Parecia que estava tudo se normalizando.


Até aquela fatídica noite. Diferente de tantas outras suaves, daquele oitavo mês de gravidez.


Deitada no sofá, alisando a grande barriga, ela via um programa qualquer na televisão.


A chave do lado de fora teimava em entrar na fechadura.


Era ele.


Seu coração acelerou.


A porta se abriu.


Segurando duas garrafas de uísque – uma cheia e outra já vazia – ele repetiu o ritual: tirou o cinto e deixou as calças caírem até os pés.


- Eu não aguento mais comer aquelas vagabundas!


E avançou sobre a mulher que vestia apenas uma camisola de seda, verde.


- O que está fazendo? Você sabe que eu não posso!
- Fique quieta eu vou transar com você hoje de qualque jeito.


Os “não” e os “pare” eram abafados por tapas na cara e tentativas de estrangulamento.


A cuenca já estava longe. A mulher foi forcada a ficar de bruços, mesmo de debatendo, sentindo nojo daquele que ela amava, enquanto ele o penetrava enlouquecidamente.


As lágrimas eram acompanhadas por orações e pelo anseio daquilo temrinar o mais rápido possível.


Não conseguiu gritar.


Esperou até que ele chegasse ao clímax.


Se levantou, deu um tapa na bunda della e vestiu a cueca para, em seguida, beber o uísque pelo gargalo.


Caída do sofá, ela tentava respirar.


Sentiu dores, contrações.


Olhou para o carpete e viu que ele estava encharcado.


A bolsa havia sido rompida.


Com muita dificuldade pegou o telefone e ligou para a emergência.


A ambulância logo chegou.


Em minutos estava no hospital. Mas no caminho foi questionada sobre estar sozinha e com marcas vermelhas sobre a pele.


Por causa da profissão, logo apresentou uma desculpa.


Menos de uma hora depois, a menina nasceu.


Ninguém da família esteve presente.


O pai roncava em casa, bêbedo. A sogra nem fora lembrada.


Ela pôde sentir a filha nos braços antes de ela ter sido levada para a UTI.


A mãe agora estava aliviada, confiante, segura. Tinha mais força para enfrentar o inferno.


No dia seguinte, as visitas, os charutos, as flores e os balões. E as cobranças do tipo: por que não me acordou?”


Quando a avó foi amirar a neta, a mae e o pai ficaram a sós no quarto.


- Eu não te denunciei por não querer que nossa filha cresça sem pai. Eu, Deus, ávida, estamos te dando uma outra oportunidade.


Agora, a vergonha.


- Se você fizer qualquer coisa contra mim ou contra nossa filha, eu juro, eu mato você.


O arrependimento.


- Pamela é a coisa mais preciosa que tenho. Não queira arrancá-la de mim.


A falta de palavras. De justificativa. De pedido de perdão.


- Tome.


Ele entrega uma foto dos dois, despidos, no meio de uma selva, sorridentes, enquanto agiam contra o desmatamento em Costa Rica.

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