Tomb Raider - Redenção #06 - Os Continentes Sagrados 2/2
Nada se via. Apenas se sentia. Os corpos giravam, sendo levados pela correnteza marítima, depois de cruzar avernas e mares abertos. Nada se pensava. Apenas havia o relaxamento. Não se tinha noção de tempo e de espaço. Mas foram experimentadas diversas temperaturas de água. Gélida. Fria. Morna. Quente.
Novos tornos, novas escuridões, novas claridades. O estômago vez ou outra embrulhava, tamanha velocidade com a qual Lara e Ogumbyí viajavam pelo mundo aquático. Infelizmente não puderam admirar as belezas escondidas sob as águas. Assim tudo parou. Os corpos, por causa da física, ainda rodopiavam, confusos. As mãos ainda estavam sendo apertadas.
- Parece… que… chegamos ao… nosso destino, amigo…
- Axé! Calmamente os parceiros iam normalizando a respiração. - Onde devemos estar?
- Impossível de saber, Ogumbyí. Nossos comunicadores não estão funcionando e meu navegador não dá sinal de vida.
- Que faremos?
- Vamos descobrir onde estamos.
Puseram-se a nadar tranquilamente. Estavam numa espécie de caverna, e, seguindo uma discreta luminosidade, seguiram até ela. Novamente o susto. Diversas estruturas em pedra, algumas parecidas com as pirâmides egípcias, além de algumas construções circulares. E talhadas nessas edificações, o que mais surpreendeu aos dois amigos: A onipotência das construções. Lara sentiu o mesmo arrepio ao se deparar com a… outra cidade submersa.
- Como isso é possível? Será que estamos no mesmo ponto?
- Acho que não, minha amiga. Olhe!
Todos os traços de cultura mundial estavam ali, representados de alguma forma. Marcas ameríndias. Marcas fenícias. Marcas chinesas.
- Isso não tinha onde a gente tava!
Incrédula, a arqueóloga tratou de registrar tudo na mente. Cada hieróglifo. Cada possível sinal de escrita sabe-se lá de quem e de quando.
- Tenho que te confessar, Ogumbyí, estou totalmente confusa.
- Imagine como me sinto, Lara. Você vive com isso. Para mim, cada olhar é uma descoberta perturbadora.
- Não deixe que isso influencie no seu credo.
- De forma alguma. Mas é intrigante saber quantos mistérios existem na... e sob a Terra.
Lara sorriu e passou a nadar mais rapidamente. Era como se essa cidade fosse a parte invadida. Como se uma grande metrópole tivesse sido invadida e aqui ficasse o que restou dos dominados e de onde Lara veio, fosse a parte dos dominadores. Ela olhou o relógio.
- Ogumbyí, estamos a 650 metros de profundidade.
- Isso não seria impossível?
- Isso é o que me intriga. Já deveríamos estar mortos. Ao menos, surdos! Meu equipamento não é desenvolvido suficiente para essas ocasiões.
- O que acontece então?
- Gostaria de saber, meu caro. Gostaria de saber…
Mais mergulhos, mais admirações. Mais descobertas. Mais sustos. O chão passou a tremer. Ogumbyí nadou para perto de Lara, que sacou ao arbalete. Uma nova cratera fez-se no chão.
- Será que outro polvo vai aparecer?
Bolhas saíam do interior escuro, assim como pequenos animais aquáticos e algas de diversas tonalidades. Tudo era expelido pelo buraco.
- Tem algo de errado...
- Tem?
- Teoricamente, quando se abre um buraco debaixo d’água, as coisas são tragadas… mas aqui acontece o oposto…
- Ainda é cedo para conclusões teóricas, minha amiga!
E tão bruscamente como quando os dois foram tragados na outra cidade, um novo redemoinho se formou. Eles foram puxados, e passaram a rodar até serem levados para a superfície. E assim, foram expelidos para a praia por uma tromba d’água, apesar de o céu estar limpo e não haver registros de mau tempo na região.
Enfim, a areia.
Agora, os corpos dos amigos estavam sobre os grãos que colavam na pele. Agora, a gargalhada. Lara não acreditava que finalmente ela esteve no lugar mais impossível. O lugar do sonho dela. Aquele lugar desconhecido, inatingível. Aquele lugar que agora era só dela. Sentava na praia, ela admirava a beleza daquele mar de cores variadas.
Olhou, buscando o amigo, e o viu fazendo oferendas. A sensação de dever cumprido já lhe corria as veias. Era como se ela tivesse esquecido a real missão: salvar a princesa Adún e recuperar o Oxê de Xangô. Mas naquele momento nada disso importava. Por mais que soasse algo egocêntrico, Lara se deslumbrava com o que viveu. Bip. Um susto. Seu aparelho voltou a funcionar.
- Phillips! Você me ouve?
- Claro! Mas antes de diga uma coisa… Como você chegou aí tão rápido?
- Defina “aí”!
- Você está em Cuba. Mais exatamente na Península de Guanahacabes!
- Então eu estive na cidade submersa descoberta em 2001 por pesquisadores da empresa canadense Advanced Digital Communications… Existem diversas teorias. Pode ter sido Atlântida. Ou apenas uma faixa de terra que partia da Península de Yucatan no México, ligando, assim, os dois locais…
- Como é que é?
- Nada. Preciso de mantimentos e de um transporte. Me envie uma embarcação, acredito que devo ficar por essa região mesmo.
- Dessa vez vou te mandar o INTERMARINE 68S. Você merece!
- Me diga, quanto tempo ficamos sem comunicação?
- Uns 30 minutos.
- Você tá me dizendo que cruzei praticamente o mundo em meia hora? Isso não é possível! Não sei se existem nem aeronaves capazes de…
- Deixa isso pra lá. Como está seu sócio?
- Ele é um guerreiro. Está se saindo muito bem.
- Tem alguma pista da princesa?
- Nada. Mas se vim parar aqui é porque tem algo para acontecer.
- Você precisa registrar o que viu nessa viagem submarina.
- Se te serve de consolo, não vi Ariel, a pequena sereia, nadando por aí!
- Me contento com você.
- Lembra do que aconteceu com o último homem que me falou isso? – risos.
- Ah… er… hum… veja bem…
Enquanto se diverte com a Base, ela altera os olhares para Ogumbyí. Suspira, estranhamente, se sente renovada. Gratificada. Ao completar o sorriso e virar o rosto para o horizonte, vê um barco.
- Phillips, será que já deu tempo do INTERMARINE 68S chegar?
- Obviamente, não. Você está muito apressada. Ainda mais depois que nadou por…
- Então tenho problemas aqui. Fica na linha!
Lara corre na direção do amigo.
- Se esconde. Temos companhia.
Ogumbyí corre e coloca a oferenda no mar. As ondas a levam para longe da costa, e o guerreiro volta.
- Eu vou te ajudar, minha amiga.
- Muito bom! Ajuda sempre é importante!
Os dois sacam os arbaletes, mas Lara olha para as pistolas presas na cintura.
- Isso não tá me parecendo a guarda costeira cubana…
Uma grande embarcação. Um bote. Um Jet Sky. Não e via quem estava na lancha, apenas um homem de vestido com um fino e bem cortado terno preto, que saltou para o bote motorizado. O jet sky, com duas pessoas armadas, aproximou-se da praia. Atirando.
- Corre! - Lara empurrou Ogumbyí.
As balas perfuravam a areia, e os grãos voavam longe. A trilha dos tiros seguia os amigos que rolavam para não serem atingidos. Percebendo que os arpoes não seriam muito eficazes, Lara guardou a arbalete e sacou as pistolas. Sorriu e passou a disparar contra os inimigos no Jet Sky. Com manobras radicais eles escaparam e logo já corriam no solo fofo. O bote também atracava e outros dois homens – armados – disparavam contra a dupla.
Lara partiu pra cima dos agressores, atingindo os tripulantes do Jet Sky. Um, ainda com o braço ensanguentado, travou uma luta corporal. A metralhadora virara uma espada. As pistolas, adagas. Aproveitando da desvantagem do rival, por causa da dor braçal, Lara derrubou-o e lhe mirou a testa.
- Para quem você trabalha?
Antes que pudesse ter a resposta, ouviu outra pergunta:
- Está ciente do que quer saber, Lady Croft?
Tomada por um susto, olhou para trás e viu Ogumbyí, rendido, ajoelhado, com armas apontadas para a cabeça.
- Seria mais inteligente de sua parte se você abaixasse suas pistolas e poupasse meu empregado.
Os punhos pro alto. Calmamente, em seguida, ela guardou as armas na cintura e colocou as mãos na nuca.
- Mulher consciente. Levante e caminhe para cá.
Sendo olhada por todos, até mesmo por causa da vestimenta que usava, seguiu o rumo até o homem de terno.
- E eu nem pude fazer a piada da areia na roupa de banho…
- Até em momentos críticos você mantém o humor…
- Pois bem. Quem é você?
- Muito cedo para responder, Lady Croft. Acredito eu a pergunta plausível seja: o que você quer?
- Eu não costumo perguntar isso aos homens. Eles têm a mente poluída… e ainda mais eu, vestida assim, toda salgada… molhada…
O homem sorri e canto de boca, confirmando tamanha tentação. Com um sinal de dedo, ele ordena que os comparsas sigam mirando Ogumbyí.
- Venha, vamos caminhar e conversar um pouco.
- Só não venha dizer que eu sou a sua reposta praquela brincadeira de quem você levaria para uma ilha deserta e tal!
- Falemos sério. Eu estou com a princesa Adún e o Oxê de Xangô. Ambos em Chichén-Itzá, México. - Você não teme uma ira dos orixás por tamanha ousadia?
- Misturar misticismos nunca foi meu forte há anos venho pesquisando diversas fontes… já fiz parte de diversas ordens antigas e misteriosas, acredite. Não há nada em que temer.
- Um cético pesquisador que utiliza materiais lendários. Que ironia. Que curioso. O que quer em troca do Machado e da princesa?
- É sempre direta assim?
Não houve respostas.
- Muito bem, poupa-me tempo. Quero que você recupere um artefato para mim. Se concluir, libero a princesa e devolvo a peça sagrada.
- O que você quer? – pergunta impaciente.
- Algo simples. A máscara de Kukulkan.
- Hein? O deus Serpente de Plumas? O lendário primeiro mestre dos maias?
- Corretamente.
A caminhada seguia, assim como as pegadas que não eram apagadas pelas ondas.
- O que te faz acreditar que essa máscara existe?
- Você não crena existência dela?
Outro silêncio. Assimilado a uma confirmação.
- Partiremos agora para Honduras.
- Espera. Onde estão a princesa e o Oxê?
- Já estão lá, Lady Croft. Num local apropriado.
- De onde começo a minha busca?
- Pelo lugar mais obvio: as ruínas de Copán.
- Não acredito que a máscara esteja guardada lá.
- Há indícios que confirmam minha suspeitas.
- Tudo bem. Pode contar com mês serviços. Mas quais garantias terei de que você não fará mal algum aos meu amigos?
- Você não terá quaisquer garantias, Lady Croft.
Com outros sinais manuais, Ogumbyí é levado para o bote, junto com Lara, o homem de terno e os demais capangas. Em seguida, saltam para o barco e rumam a oeste, pelo mar do Caribe. Afastados de todos, Lara cochicha:
- Phillips. Coisa rápida. Tenho problemas. Envie um transporte terrestre para Honduras. Localização: Chichén-Itzá. Câmbio desligo.
- Lara! – o homem de terno grita.
- O que? - O que há com seu amigo?
Lá estava Ogumbyí, mirando horizonte.
- Ele está em contato com Ifá.
O homem olha, admirado e incrédulo.
- Lara – diz Ogumbyí – Ifá me soprou uma mensagem.
- Qual, amigo?
- Você deve portar o Oxê de Xangô para encontrar a máscara de Kukulkan.
O homem, abismado, tenta discutir, afirmando que se trata de fraude. Mas logo se rende tamanha seriedade de Ogumbyí, afinal, o guerreiro africano não tinha escutado a conversa com Lara sobre o artefato…
- E então? – pergunta, ironicamente, a arqueóloga.
Como resposta, o homem tirou o machado de dentro de uma espécie de baú e entregou para Lara. Ao segurá-lo firmemente, uma luz azul a envolveu.
- Axé! – comemora Ogumbyí, sorrindo.
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