Tombr Raider - Redenção #05 - Os Continentes Sagrados 1/2
Ninguém conseguia ver nada embaixo d’água. Tamanha escuridão era bom e ruim ao mesmo tempo. Os ouvidos doíam e só se escutavam um zunido. As bolhas do oxigênio eram as únicas coisas que alcançavam a superfície.
- Lara! Lara!
Phillips tentava entrar em contato com a arqueóloga, preocupado com as consequências das explosões causadas pela ordem de detonar tudo. E novamente no fundo do oceano, um corpo se mexia, dando sinais de vida.
- Apesar de tudo... foi uma ideia genial, não acha?
- Pela Rainha! Você quer me matar de susto? Como você está?
- Bem, mas não estou... vendo Ogumbyí. Tem como... você me dar uma direção?
- Vou ver o que posso fazer. Talvez use o sinal do rádio dele!
- Faça isso... estou sem fôlego...
Mesmo exausta e ferida, Lara seguia olhando ao redor, buscando o amigo. Ela não iria se perdoar caso algo acontecesse a ele. Por isso acionou o sistema de iluminação da máscara e passou a nadar lentamente, girando a cabeça em todas as direções. Só que não via nada. A preocupação começou a bater mais forte. A insegurança, também.
Ela chegou até a pensar que esse era o principal motivo pra trabalhar sozinha: não precisava se inquietar com ninguém além dela. Mas o pensamento é tomado por outro, quando ela lembra que Ogumbyí também a ajudou. Assim sendo, o nado se torna mais eficiente e veloz.
- Tente as oito horas, 3 metros abaixo.
As coordenadas da Base a aliviaram. Não totalmente. Mergulhou ignorando a dor, o incômodo no ouvido, o sangue. Até encontrar o amigo. Aí, novamente a preocupação. Ela viu a quantidade de bolhas que saíam do equipamento dele. Seus pés batiam mais rápido, os braços abriam e fechavam da mesma forma. E alcançou o amigo.
A primeira providência foi confirmar que o respirador dele estava desconectado. Ele estava inconsciente. Por sorte, não estava danificado.
- Phillips, ele apagou. Se receber oxigênio agora será bom ou ruim?
- Acredito que você precisa fazer uma massagem nele.
- Mas embaixo da água é impossível!
- Aperte-o. Comprima o tórax dele. Tente se apoiar em algum lugar. E reze.
Taí uma coisa que Lara não fazia... As medidas de salvamento foram feitas. Ela o segurava com força, o soltava. Passou a dar socos – lentos, claro – no abdome. Pelo visor viu o amigo cuspir água e abrir os olhos.
- Ogumbyí! Você está bem?
- Obrigado... mais... uma... vez...
- Dê novo compasso a sua respiração. Vamos ficar aqui até...
Um projétil passou raspando pelo braço direito da arqueóloga. Por reflexo, ela seguiu o rastro do objeto e, ao perdê-lo de vista, mirou a direção de onde ele veio.
- Philips, estamos sob ataque! Guie Ogumbyí para um local seguro. Use sonda, radar, tudo o que tiver, mas tire ele daqui! Vou ganhar tempo com esses caras! Parece que não aprendem...!
Ogumbyí balançou a cabeça e fez o sinal de OK para a amiga.
- Mas por favor, feche o meu canal de comunicação. Ouvir vocês conversando pode me atrapalhar!
- Tudo bem. Desligando. Mas assim que ele estiver em um local seguro, volto a falar com você.
Lara sacou o arbalete, olhou para o parceiro, sorriu, e nadou na direção contrária. Três inimigos haviam sobrevivido à explosão e continuavam decididos a concluir a missão: matar Lara Croft e seu companheiro. Ela nadou como um golfinho, girando o corpo, na tentativa de esquivar dos novos disparos. O balé aquático ganhava forma quando ela subia e descia, em movimentos cadenciados.
Ela pegou uma faca presa à coxa e, mesmo assim, seguia com o arbalete em punho. Se aproximou do primeiro inimigo, que tentou segurá-la pelo pescoço. Teve a parte interna do cotovelo perfurada pela lâmina afiada que brilhava com a luz irradiada pela máscara. Com a faca presa, o homem erguia os braços, num pedido desesperado de socorro. Lara o olhou friamente e disparou um arpão, que lhe fincou o coração. Os outros dois se aproximaram disparando o mesmo que a arqueóloga, que sempre esquivava, apesar do susto.
Um surgiu por trás e a agarrou, imobilizando-a. O outro mirou o tórax de Lara. Contraindo a barriga, ela teve forças para erguer as duas pernas e travar o braço daquele que portava um arbalete. Com mais força ainda, o girou, mas não conseguiu quebrar nenhum osso, porque o criminoso acompanhou o movimento. O que acabou sendo bom pra Lara, que, aproveitando o descuido, novamente usou de suas pernas torneadas para apertar a cintura dele, como se fosse uma pinça. Tamanha energia o trouxe para perto, e ela acertou a própria cabeça na cabeça do inimigo, que acabou tendo a testa partida. E assim desmaiou.
Coube ao último oponente uma medida drástica: quebrar o pescoço da arqueóloga. Em vão, porque ela pegou impulso no corpo dele e se lançou para trás, ficando, agora, atrás de quem a queria morta. Com um arpão ela rasgou o tubo que envia oxigênio e viu o homem se desesperar, tentando nadar para a superfície. Sem êxito. Agora ela permitiu que todos os seus músculos relaxassem. Os ombros caíram, acompanhados pelo pescoço. Os olhos, mesmo com a luminosidade, não viam nada além das águas turvas. Turvas agora pela quantidade de sangue. E quando olhou para cima, sorriu. Dois tubarões rondavam o local.
- Quem disse que nessa região não tem tubarões?
- Opa! Pelo que vejo você resolveu tudo, né?
- Me diz! Quem falou que não tem tubarões por aqui?
- Todo mundo.
- Então plantaram esses bichos. Tenho companhia.
- Melhor sair daí.
- Eles têm corpos à disposição.
- Se nadar vai chamar a atenção. Eles são predadores, esqueceu?
- Bom... então só me resta encarar! Câmbio desligo!
Como uma sereia, Lara nada para cima. Para cima de um dos animais mais mortíferos do planeta. Os bichos sentem a presença dela e começam a nadar para baixo. O choque inevitável não acontece quando Lara acerta um soco na região entre a boca e a parte de cima da cabeça.
- Eu sei que já fiz isso uma vez... mas "quebrar o nariz" de um tubarão é uma delicia!
O animal nada, fugindo. O outro, avança. Lara agora quem nada, fugindo. Até se esbarrar no cadáver do vilão que recebera a faca e o arpão. Ela arrancou a arma branca e esperou o grande ser marinho abrir a bocarra para estraçalhá-la. Nesse momento ela cravou a faca no céu da boca do animal, que fugiu, se debatendo.
- Cadê Ogumbyí?
- Num local seguro.
- Me leve até ele.
- Você precisa ser rápida.
- Rápida, né?
- Ele achou o que vocês procuram.
Lara olhou o corpo que subia pra superfície e teve a brilhante ideia: pegou o equipamento de mergulho dele e, segurando o cilindro, destravou-o. O oxigênio que saía serviu como um propulsor, e ela logo estava ao lado do amigo.
Sem acreditar no que via.
Na onipotência daquela construção.
Edificações que ela não sabia identificar a quem pertencia. Quem ergueu. E quando surgiu. Encantados, Lara e Ogumbyí nadavam tranquilamente pro que era como a entrada daquela cidade. Como um castelo medieval, mas com traços góticos, romanos, gregos e egípcios.
Como seria isso possível?
Todos os traços de cultura mundial estavam ali, representados de alguma forma. Seja numa parede, seja numa janela. Seja numa praça. Apesar de só a parte frontal da cidade ainda estar em pé, assim que cruzaram aquela espécie de portão, se depararam numa mistura de vila com metrópole.
Graças aos restos de esculturas, imagens e demais organismos que resistiram ao tempo. Sabe-se lá quanto tempo de erosão. Seguiam nadando, admirados. Sem pressa. Sem destino. Ogumbyí fez um sinal e apontou para uma parede.
- Vê, Lara? Aqueles sinais... estão presentes no Reino de Oyó! Como isso é possível?
- Inacreditável! Ali na frente parece escrita celta!
- Que lugar é esse?
- Isso é um trabalho pro nosso amigo! Phillips, taí? Como resposta, chiado. - Estamos sozinhos nessa, meu amigo. Tá tudo bem contigo?
- Sim, apenas estou impressionado com o que vejo. Todas as civilizações estão aqui!
- Vem comigo.
Eles nadam até uma espécie de sede do governo. Percebe-se que se trata de um local importante para decisões políticas pela quantidade de brasões e estátuas de diversos seres mitológicos. La dentro não tinha mais nada. Nem teto. Apenas uma espécie de mapa do mundo, no centro do salão, montado ali como um mosaico, com diferentes tipos de pedras. De diferentes partes do mundo.
Lara olhava e não achava a localização de onde eles estavam. Ogumbyí mirava as metades das paredes que não cederam. Mais do alto, Lara analisava o mapa. Via os continentes quase em sua formação atual. Mas não via algo que marcasse a localização desse mundo perdido. Seguiu então os olhares para Ogumbyí, que alisava as pedras calçadas, alisando-as.
- Parece uma rocha solta!
Lara não deu ouvidos.
- E é colorida! Lara já segurava o objeto. - Onde estava?
- Ali, jogado.
- Vem comigo de novo. Nadando, do alto, eles viram um encaixe. O ruído de clique revelava que eles já sabiam a localização da cidade no mapa em mosaico sob seus pés. E com a pedra conectada, os continentes se mexeram, como se se agrupassem. E formaram, assim, a Pangeia.
- Um único bloco continental! – não resistiu Lara.
Ao finalizar a frase, como um bueiro, o chão se abriu, sugando os dois amigos. Não se podia lutar contra a correnteza. Eles já cruzavam túneis, galerias, uma outra parte daquele continente perdido. Quando a correnteza deu uma trégua, eles se viram numa espécie de teatro greco-romano. As escadarias ainda estavam lá, mas o que seria o palco estava semi-destruído. Eles estavam na parte mais alta, como se fosse um camarote, uma área para convidados especiais. A visão era linda. E lá na frente, no centro do palco, algo brilhava.
- Tem que pegar aquela peça lá, né, Lara?
- Pode apostar! Mas como?
As rochas que serviam de assento e passagem daquele teatro subiram, como se ganhassem vida, se tornando um labirinto.
- Parece piada...
E tocaram até o teto daquele tipo de caverna.
- Não temos saída. Vou ter que ariscar.
- Mas você pode ficar presa pra sempre.
- Desencane. Tenho uma quedinha por labirintos!
Nadou até o que seria a entrada pro novo enigma. Em pé, passava a mão suavemente pela formação rochosa. E adentrou. E no primeiro passo, o visor queimou. Ela sorriu e pegou uma lanterna guardada num compartimento da sua cartucheira.
O breu não mais a incomodava. Nem a enorme quantidade de águas-vivas que bailavam. Pelo caminho ela viu hieróglifos. Viu objetos lendários desenhados. Desde cálices até espadas. E se assustou quando pequenos tremores a sacolejaram. As paredes passaram a se movimentar, num ritmo capaz de esmagar os desavisados. Com paciência, ela esperava o momento certo para cruzar. E foi assim. Ido, vindo. Se deparando com passagens sem saída. Errando. Ultrapassando barreiras. Não foi muito tempo gasto nesse labirinto, mas ela não foi rápida como gostaria. E lá estava a saída.
- Me ouve, Ogumbyí?
- Claramente.
- Cruzei o labirinto. Já vejo o palco. E aquilo que vimos brilhar é uma espécie de cristal. Proteja-se. Não sei o que vai acontecer quando eu o pegar.
Era como uma previsão. Assim que Lara arrancou o objeto brilhante e esverdeado, um novo tremor. Mais forte. Mais longo. Ao nadar de volta para o labirinto, teve a trajetória interrompida. Um enorme polvo com escamas, espinhas e ossos quebrou o piso e surgiu com seus tentáculos à mostra.
- Ogumbyí, tô com um probleminha aqui...
Lara nem imaginava, mas se tratava do polvo guardião de um reino que ficava no fundo do mar, muito afastado de nós, construído de nácar e pérolas, situado no Oceano Pacífico.
Ao animal, a incumbência de trazer um fígado de macaco para curar a rainha que caíra doente. O polvo, blindado, fracassou na missão ao ser enganado pelo esperto macaquinho, e, como consequência, ficou desossado, nojento e mole, abandonado ao próprio destino exatamente como o vemos hoje...
Com o arbalete em mãos, passou a disparar contra o a enorme criatura assustadora. Não tinha muito resultado positivo. O bicho tornava-se mais feroz quando recebia um arpão, que ricocheteava ao bater no seu esqueleto.
- Mas assim que terminarmos aqui, te prometo que ficarei sem comer frutos do mar durante um bom tempooooooooaaaaahhhhhhh!
A comunicação foi interrompida quando o polvo a pegou e a arremessou contra a estrutura do teatro. Tonta, ela se recuperava do golpe quando foi atacada outra vez. Dessa investida ela conseguiu fugir. Olhou pra cima, tentando achar algo que pudesse usar para acertá-lo, algo grande e pesado. Não tinha. Procurou alguma arma escondida, feita e deixada lá pra quem alcançasse o cristal. Não tinha. Voltou a disparar arpões. Tentou cegar a criatura marinha com a luz da lanterna.
Nada funcionava.
Um novo ataque. Mais um momento de prender a respiração e esperar que o polvo a arremessasse. E antes de ser jogada, ela viu algo. Em um tentáculo, havia algo diferente. Sim, faltava uma ventana. Livrou um braço do aperto e pegou o cristal.
- Hum...
Aquela expressão da descoberta! O polvo a arremessou. Antes de se chocar contra a construção, estirou as penas e no contato, pegou impulso e voltou contra o animal. Pelos tentáculos, ela se movimentava como se escalasse. Pelas ventanas, ela se aproximava como se fosse rapel. E antes de ser novamente acertada, depositou o cristal no orifício vazio. O polvo começou a se debater. A girar. Os tentáculos giravam em círculo, como hélices de um helicóptero.
Os ossos foram derretendo. A carne mole, se dissolvendo. O labirinto começou a desmoronar. Ogumbyí, corajosamente, nadou para perto da amiga. Novamente o chão se abriu, sugando o que estava no local. O animal morto. As pedras do labirinto. A riqueza cultural. O palco. Tudo.
Lara segurou a mão de Ogumbyí.
- Não me solte por nada nesse mundo!
Quando um rodamoinho se fez, eles já sabiam o que aconteceria. De mãos dadas, relaxaram o corpo.
- Temos oxigênio suficiente. Não entre em desespero!
- Sim, minha amiga!
O fenômeno aquático ganhou mais força. E tragou os dois. Para, depois de tudo, engolir todos os vestígios desse continente sagrado.
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