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Hera Venenosa #08 - Éden

Hera Venenosa #08 - Éden

"Você vive outro tipo de realidade quando cresce lá fora, no meio da floresta, ao lado dos pequenos esquilos e das grandes corujas. Todas essas coisas estão ao seu redor como presenças, representam forças, poderes e possibilidades mágicas de vida que, embora não sejam suas, fazem parte da vida e lhe franqueiam o caminho da vida. Então você descobre tudo isso ecoando em você, porque você é natureza."
A lagoa-apache, Edward s. Curtis (1868-1952)




Floresta amazônica, local exato: desconhecido

Era um sonho.


Foi um sonho.


Ela ainda estava na fase intermediária, entre a infância e a adolescência. Seu quarto, com as paredes em várias tonalidades de verde. Alguns bichos de pelúcia. Uma jardineira na janela, com algumas flores cheirosas e, no centro, um cacto.


Finalmente esse cacto florescera. Um lindo botão vermelho surgia entre os espinhos.


- Não toque, você pode se machucar. – dizia a mãe, preocupada.


A teimosia e a curiosidade instigavam. Um filete de sangue escorria da ponta do dedo indicador. Choro.


- Eu falei, minha filha. Essa planta é assim porque foi uma forma que ela conseguiu para poder sobreviver. Veja: o talo, em si, é grosso, e os espinhos, de longe, fazem com que pareça algo macio. Tamanho cuidado para proteger essa linda flor que, raramente, sai.


Não, não era um sonho. Não foi um sonho.


Pamela estava encostada a uma grande arvore, quase sentando na grama ainda encharcada pela chuva incessante. Não sentia firmeza nos músculos, nem coragem. Nem equilíbrio. Nem vida.


Não tinha se acostumado com o que lhe ocorrera no corpo. Muito menos, dentro dele.


Nem quanto tempo passou.


Sentia algo quente lhe correndo pelas veias e artérias. As articulações estavam praticamente comprometidas. 

Não tinha coragem de se ver.

- O que… fizeram… comigo…? – balbuciava, tentando compreender as novas mudanças. Nada, em anos de estudo, pesquisas e de acompanhamento a ações ambientalistas com a mãe, ou até mesmo os trabalhos realizados pelos pais, voltados à biologia, traziam alguma resposta.


A morte veio visitá-la diversas vezes, mas algo a afastava dela.


Pensou em Deus, no destino. Se convenceu da crueldade humana, inclusive, ao lembrar-se das coisas que aconteciam no laboratório.


- Woodrue… me ajude…


O desespero tomava conta, prova disso era acreditar que o mesmo homem que lhe transformara num monstro, poderia trazer-lhe a redenção.


Não tinha noção de espaço. Seu cérebro não funcionava direito. Como se estivesse apenas dando ordens para adaptar o corpo às novas mudanças.


E era isso o que acontecia; mechas de cabelo pairavam sobre ela e sobre a terra. As unhas estavam quebradiças; os dentes, moles.


Não apenas sua visão estava turva; os demais sentidos também foram comprometidos: não sentia mais os cheiros, nem os gostos, muito menos tinha sensibilidade, já que sua pele estava coberta por uma grossa camada, como cascalho.


O que ouvia era apenas o silêncio.


Como seu corpo providenciava formas de defesa, ela estava mais vulnerável. Por não sentir nada, não sabia se sofria dores, ou se estava ferida. Se tinha fome. Mas vomitava. Muito.


Um líquido viscoso, verde, que, em contato com a grama, causasa reações diversas. Ela não prestou muito atenção nisso; era nojento, claro. Só que era algo com grande toxicidade, já que as flores que recebiam respingos do expelido secavam, murchavam, acinzentavam, quase que instantaneamente. Ou então, em contato com o solo fértil, faziam brotar sementes que nem haviam geminado.


Convulsões e ataques epiléticos vinham acompanhados por uma intensa sonolência, e o corpo facilmente tombava, pesado, no solo úmido. E a cada despertar, ao erguer milimetricamente que fosse, o corpo, notava que entrava em processo de enraizamento.


Não comia. Não bebia. Parecia saciada ao receber a luz do sol, ou gotas do orvalho, ou o sereno, quando começava a anoitecer.


Seus 20 dedos não tinham mais as formas definidas. Nem seu nariz, ou suas orelhas. Não havia mais curvas em seu corpo.


Mas ela ainda conseguia chorar. A lágrima descia, se embolando nas ranhuras da casca. Tontura.


Assim, sem mais nem menos, sem motivos aparentes, ou algum que seu cérebro havia registrado, Pamela levantou, agarrando-se ao tronco que lhe servia de sustento. 


Ouviu quase impossíveis ruídos de rachaduras, como se uma imponente construção estivesse prestes a desabar.


A cada movimento, o barulho aumentava. Quando passou a tentar andar, viu o que seu ouvido não lhe apresentou: as cascas nas articulações estavam se rompendo.


Como uma criança, que não resiste ao ver o cascão de uma ferida se formado, Pamela passou a, desesperadamente, arrancar tudo, sem raciocinar se poderiam haver graves consequências.


Não sangrou. Não sentiu dor. Em algumas vezes, verdade, ela até se deliciava com o ato – da mesma forma como casais enamorados se divertem quando um toma sol em demasia, e o outro fica tirando a pele morta.


Lembrou-se do cacto. Dessa vez, com consciência.


O rosto foi o momento mais complicado e delicado, mas a angústia era apoiada pela ordem cerebral.


Passou a se alisar e seu coração se encheu de ar e de esperança: tinha o sentido do tato de volta. Mas a descoberta veio acompanhada por um novo grito.


Sua pele agora estava verde e escorregadia, como musgo que sai das pedras ou de outros locais molhados.


Correu, com escorregadelas, deslizes, até o mesmo riacho que a deixara traumatizada: se olhou e o espanto ecoou pela mata densa.


Seus olhos estavam amarelados, seus lábios, quase pretos. O que lhe serviu, até certo modo, de consolo, foi que seu cabelo já crescia onde antes havia a sombra da calvície. O fio parecia como o de outrora: vermelho e fino. 


Ficou em pé, para compreender o que lhe acontecera: não havia pelos, além da sobrancelha e dos cabelos; seu nariz e suas orelhas tinham formas novamente; seus seios pareciam mais rígidos e seus dedos voltaram ao normal. Mas as unhas ainda estavam quebradas…


Se sentia feia, como se sentiu a vida inteira. Se sentiu sozinha, excluída. E o pior: se sentiu usada, traída, machucada.


Sua visão voltara ao normal. Melhor: como se fosse mágica, seus problemas oculares haviam desaparecidos. Podia sentir, novamente, os aromas da floresta e, na boca, enjoava com o gosto desconhecido, que dominava seu paladar. Seus ouvidos, como fossem desentupidos; o que lhe fez escutar a hipnotizante melodia…


Ouviu um rápido sonido e, ao se virar na direção, entrou em choque, quando uma cobra saltou sobre ela, e lhe acertou um bote no pé direito. 


Berro.


Balançado a perna, Pamela tentava se livrar do bicho peçonhento, que ficou, através das presas, colado a ela.


Começou a sentir calafrios e imaginou que a morte, mais uma vez, estava de passagem.


Mas não compreendeu quando o ofídio parou de se mexer. Curiosa, como bióloga ou como ser humano, Pamela se aproximou e descobriu que a serpente estava morta.


Descobriu também que algo quente escorria do meio de suas pernas. 


- Deve ter sido resultado do medo…


Passou a mão e cheirou.


Ela acabara de ter um orgasmo. 


Sorriu, envergonhada, mas com vontade de repetir.


Passou a caminhar em busca de perigo, para repetir a experiência. O que lhe aconteceu foi, novamente, inesperado: diversos insetos e pequenos animais iam atraídos ao encontro de Pamela. Como se seu odor fosse um ímã, e tragasse todos, irracionalmente.


Passou a correr, desesperada, cambaleante por ainda não estar 100% firme das pernas. Pulou pedras, se esquivou de árvores. Sentiu fogo em algum lugar. Ouviu cânticos xamânicos e foi na direção deles.


No meio do caminho, um esbarrão: Kaloré.


Um urro e um desmaio. A cantoria cessou e passos e vozes se aproximavam. Quase todos que estavam na desconhecida tribo indígena se assustaram quando viram Pamela, nua, verde, com cabelos da cor do fogo.


Alguns, com tochas, iluminavam, para ver se era algo real, ou consequência do que haviam usado durante o ritual secreto. 


O mais forte deles, que parecia o líder dos guerreiros, se aproximou mais e a tocou com as pontas dos dedos.


Pamela, estarrecida, observava, sem coragem, até mesmo, de cobrir o corpo.


Ao mesmo tempo, na mão do guerreiro brotavam bolhas.


O espanto foi geral, e todos voltaram, correndo, até a oca, onde estavam, calmos, e tragando algo, o pajé e o cacique.


Na conversa rápida em dialeto nativo, o cacique mandou trazerem Pamela, sem que tocassem nela. E assim foi feito, quando guerreiros, armados com lanças, empurravam aquela mulher até o centro da aldeia.


Encolhidas, crianças e mulheres observavam, de longe, o cacique conversar com o pajé, que já sacara seus instrumentos denominados mágicos. O chefe dos guerreiros, agonizava, olhando a mão, praticamente perdida.


Isolaram Pamela numa oca e trataram de tragar a substância lisérgica, para que, assim, o pajé pudesse entrar em contato com os deuses.


No resto da aldeia, comentavam se Pamela era algum espírito protetor da floresta, como o curupira.


Kaloré, impressionado, tentava apoiar o irmão, que se tornava incapaz de entrar em combates, já que sua mão ardia e nela surgiam mais bolhas.


O cacique ordenou que os aldeões ficassem fora da taba por algum tempo, deixando apenas o pajé, o líder dos guerreiros, Kaloré e a mulher estranha.


No mesmo instante, o pajé chamou Kaloré:


- Essa mulher veio do outro lado do rio para se vingar.
- Perdão, mas eu a conheço. Ela foi usada pelos brancos. Foi mais uma vítima das experiências.
- Como pode ela ter sobrevivido?
- Não sei. Eu vi quando a enterraram e quando ela saiu da terra, como uma árvore.
- Temo pelo nosso povo, Kaloré.
- O que os deuses disseram?
- Que ela traz consigo uma maldição.
- O que devemos fazer, então?
- Primeiro, ela deve curar nosso guerreiro. Depois, a sacrificaremos aos deuses celestes.
- Curar? Como?
- Se ela o fez adoecer, ela saberá como curá-lo.
- Não sei, pajé. Essa mulher sofreu mutação, assim como nossos irmãos, mas ela conseguiu sobreviver.
- Ofereça o chá para ela. O “cipó das almas”, obtido da mistura do cipó jagube e da folhas da planta chacrona, com seus poderes, fará com que ela adquira a resposta.
- O chá? Mas é algo sagrado para nós, pajé. Nenhum estrangeiro pode usufruir dos nossos métodos. Tem que ter outro modo, afinal, o tratamento e a cura de doenças são feitos pelo pajé, através de práticas mágicas.

- É uma ordem do cacique, Kaloré. A não ser que queira ter o mesmo destino do seu irmão.

Hesitante, Kaloré recolhe o material exigido e inicia o preparo do chá. Pamela, de dentro da oca, escuta aqueles mesmos cânticos. Seu irmão geme de dor.


Numa espécie de cuia, passado às pressas, Pamela recebe o chá e a ordem para tomá-lo por completo. 


Ela, sem se importar, já que não sabe mais o que o destino lhe reserva, bebe o conteúdo de uma única vez.


Então, experimenta uma mudança drástica na interpretação da realidade, ou mesmo algum tipo de transporte de todos os sentidos para outra dimensão. 


Começa então, a ter visões fortes, tanto positivas como negativas. Todas essas visões contam histórias sobre quem bebe a poção, e sobre todo o universo.


Desde os maiores segredos ate a sua formação. 


Se viu num mundo fantástico, colorido, de todos os tons e superfícies. Mesmo de olhos abertos, o que via não era registrado pelo cérebro. Na verdade, ela tinha vontade de tocar, lamber, sentir.


Do lado de fora, o pajé, o cacique e Kaloré aguardavam, pacientemente, o resultado do pedido dos deuses.


Como se possuída, Pamela sai da oca, deixando todos perplexos.


Ela camainha calmamente, alisando as palhas, o barro, o próprio corpo. Foi assim até chegar onde estava o guerreiro.


E ali, na frente de todos, arrancou a tanga que protegia o sexo do indígena e o abraçou ternamente.


Em seguida, passou a mordiscar as orelhas dele, a lamber o rosto, pescoço, morder o queijo e beijar os olhos. Pegou a mão doente e esfregou pelo próprio corpo, dos seios até a vagina, e inseriu alguns dedos dele dentro dela. 


Com a outra mão, puxou-lhe a cabeça e lhe beijou profundamente. Quentura. Beijo intenso. As chamas da fogueira aumentaram. Os três nativos admiravam, apesar da cena forte.


Pamela retirou os dedos dele que lhe masturbavam e, em seguida, os colocou na própria boca, chupando-os. O índio, enfeitiçado, apenas murmurava.


Pamela passou a morder o tórax definido pela caça e pela guerra, e chegou até o pênis. Colocou-o na boca e passou a sugá-lo com sofreguidão. Levantou-se rapidamente e ali, em pé mesmo, introduziu o falo do indígena na vagina e passou a realizar movimentos frenéticos.


O pajé, o cacique e Kaloré escondiam a excitação, colocando, sobre o colo, folhas largas ou utensílios diversos.


A respiração aumentou, os giros dos corpos se intensificaram e assim veio o orgasmo.


O índio caiu de costas e Pamela, sentada sobre ele.


Desfalecidos.


O silêncio reinara, mas era possível ver os líquidos escorrendo pelos órgãos genitais de ambos.


Pamela tombou para o lado e Kaloré rapidamente foi ao encontro do irmão.


Incrédulo, gritou, xingou, chorou. 


As bolhas haviam se espalhado por todo o corpo, e o membro sexual dele estava seco.


- Se ele está morto é porque assim quiseram os deuses. - disse o pajé.
- Kaloré, reúna a tribo novamente e, em seguida, prepare o ritual de morte. Vamos colocar o corpo de seu irmão pendurado na árvore, e assim que se decompuser, vamos recolher os ossos e cremá-los. Você vai misturar um pouco das cinzas ao mingau de banana e tomará todo. O restante será enterrado no mesmo lugar onde fizermos o fogo. - ordenou o cacique.
- Nunca! Essa bruxa vai pagar pelo que fez! - e saiu correndo, em disparada, na direção do Centro onde estava Dr. Woodrue e demais cientistas responsáveis pelos projetos de seres híbridos.
- O que faremos com ela, pajé? - questionou o cacique.
- O que querem os deuses: a deixaremos entregue à própria sorte.

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